Com o avanço das ferramentas de inteligência artificial, escrever nunca foi tão fácil — e, paradoxalmente, tão desafiador. Em entrevista ao Clube do Português, o professor e escritor Rafael Censon defende que, apesar da ajuda técnica da IA, o ato de escrever continua sendo essencial para o pensamento humano.
Para ele, recorrer à IA como atalho pode comprometer a autonomia criativa. “Escrever com IA não é o mesmo que escrever como fazemos há séculos. Muitas vezes, o autor se torna apenas um revisor”, afirma.
A tecnologia ajuda, mas não substitui a intenção
Censon reconhece as vantagens da IA no processo de escrita, como correção gramatical, sugestões de palavras e organização de ideias. Mas alerta que o uso automático, sem reflexão, pode minar a autoconfiança do autor.
“Quando você terceiriza o pensar, você deixa de exercitar o que tem de mais humano: a intenção por trás da palavra. É como usar o Waze sempre, mesmo sabendo o caminho. A longo prazo, você perde o senso de direção”, explica.
Escrever é treinar a mente, como ir à academia
O escritor defende a escrita como exercício cotidiano. Para ele, escrever sem um objetivo imediato é tão importante quanto praticar atividade física. “Você não escreve só por necessidade, mas para se manter em forma mental. É um treino para pensar melhor, viver com mais presença e envelhecer com clareza.”
Segundo ele, escrever com regularidade ajuda a organizar ideias, desacelerar o tempo e refletir com mais profundidade sobre a vida.
O gosto como habilidade-chave do futuro
Na era do excesso de informação e conteúdo gerado por IA, Censon vê no “gosto” uma competência vital. O gosto, para ele, é a capacidade de discernir o que é bom, relevante e autêntico.
“Com tanta facilidade de produção, o diferencial será saber escolher. Ter repertório, sensibilidade estética e domínio técnico se torna essencial”, afirma. Ele lembra que essa habilidade se desenvolve com estudo, prática e apreciação.
Como a IA pode ajudar quem escreve
Apesar das críticas ao uso irrefletido, Censon destaca boas aplicações da IA na produção textual. Buscar referências, gerar variações de títulos e organizar transcrições são exemplos práticos e úteis.
“O problema não é usar IA. O problema é não saber o que você quer dizer antes de usá-la. A IA ajuda melhor quem pensa melhor”, resume.