O jornalismo brasileiro perdeu um de seus maiores ícones, Mino Carta, que faleceu nesta terça-feira (2) em São Paulo, aos 91 anos de idade. Fundador de publicações influentes como a revista Veja e a CartaCapital, ele deixou um legado notável na imprensa nacional, marcada por sua visão crítica e sua paixão pela notícia. Mino Carta vinha enfrentando uma série de problemas de saúde, que o levaram a diversas internações hospitalares, conforme divulgado pela própria revista CartaCapital, da qual era diretor de redação.
Uma Carreira Delineada por Inovação e Legado
Nascido em Gênova, na Itália, Mino Carta imigrou para o Brasil aos 13 anos, logo após o término da Segunda Guerra Mundial. Sua trajetória profissional no jornalismo iniciou-se de maneira curiosa na revista Quatro Rodas, da Editora Abril. Aliás, ele mesmo gostava de brincar que assumiu a função sem sequer saber dirigir ou diferenciar modelos de automóveis, um testemunho de seu talento inato para a comunicação, independentemente do tema. Entretanto, foi na criação e direção de novos veículos que seu gênio realmente se destacou.
Posteriormente, em 1968, Mino lançou a revista Veja, que se tornaria uma das maiores e mais importantes publicações do país. Em seguida, em 1976, ele esteve à frente da criação da revista IstoÉ. Adicionalmente, em 1994, fundou a CartaCapital, consolidando sua marca no jornalismo. Sua influência se estendeu ainda à equipe fundadora do Jornal da Tarde, em 1966, demonstrando sua incessante busca por novos formatos e abordagens jornalísticas.
A Essência Progressista da CartaCapital
A revista CartaCapital, uma de suas últimas grandes empreitadas, é amplamente reconhecida por sua postura editorial distintamente progressista. Em contraste com publicações de orientação mais conservadora ou liberal, a CartaCapital se estabeleceu como uma referência no jornalismo com essa linha ideológica no Brasil, atuando em diversas plataformas. Sua proposta sempre foi oferecer uma análise aprofundada dos acontecimentos sob uma perspectiva que defendia a justiça social e a democracia.
Luta e Visão no Jornalismo Pós-Ditadura
Um dos projetos mais ambiciosos de Mino Carta foi o Jornal da República, lançado em 1979 em parceria com o renomado jornalista Claudio Abramo. Este veículo surgiu em um momento crucial da história brasileira, visando aproveitar o período de abertura política que se iniciava após anos de ditadura militar. Todavia, apesar da nobre intenção, o projeto não prosperou devido a uma série de questões econômicas e políticas, que incluíam a forte oposição dos grandes jornais, segundo o próprio Mino Carta relatava. Assim, mesmo com o esforço, as barreiras se mostraram intransponíveis naquele contexto.
O Legado Reconhecido por Líderes
A notícia do falecimento de Mino Carta foi recebida com grande pesar por diversas personalidades. Entre elas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva expressou sua tristeza em uma rede social, referindo-se a Mino como “meu amigo”. Lula destacou a coragem do jornalista, afirmando que, “em meio ao autoritarismo do regime militar, as publicações que dirigia denunciavam o abuso dos poderosos e traziam a voz daqueles que clamavam pela liberdade”. Portanto, seu papel foi fundamental na defesa da democracia e dos direitos humanos em tempos difíceis para o país.
Críticas ao Jornalismo Moderno e à Mídia Empresarial
Mino Carta era conhecido por sua visão contundente e frequentemente crítica em relação ao jornalismo contemporâneo. Em uma entrevista recente ao jornalista Lira Neto, no contexto do livro “Memória do Jornalismo Brasileiro Contemporâneo”, Carta criticou severamente a subordinação do jornalismo profissional à dinâmica das redes sociais, sob o controle das grandes empresas de tecnologia. Para ele, a internet, paradoxalmente, limitou o jornalismo e passou a ditar a pauta dos veículos de imprensa.
Em sua visão, “em lugar de praticar um jornalismo realmente ativo, na busca corajosa pela verdade, a imprensa está sendo engolida e escravizada pelas novas mídias”. Ademais, ele lamentava a “tragédia do celular”, acreditando que o dispositivo emburrece as pessoas, impedindo o progresso intelectual. Ele também era um crítico ferrenho do jornalismo empresarial, que chamava de “grande mídia”, reconhecendo que a independência editorial tinha um alto preço. Inclusive, ele revelou suas próprias dificuldades financeiras, afirmando: “As revistas são, essencialmente, sustentadas por publicidade. Eu poderia estar muito rico, ter me vendido de várias maneiras. A única coisa que tenho na vida é esse apartamento que estou tentando vender, porque não tenho mais dinheiro.”
Um Olhar Cético sobre o Futuro do Brasil
Em outra parte da mesma entrevista a Lira Neto, Mino Carta manifestou um ceticismo profundo quanto ao futuro do Brasil e, por extensão, do jornalismo nacional. Ele vaticinou: “Este país não tem saída, graças aos que o governaram e à permanência de um pensamento medieval representado pela Casa-Grande”. Essa expressão, “Casa-Grande”, remete à elite escravocrata que colonizou o Brasil a partir do século XVI, explorando africanos e usurpando terras indígenas, conceitos imortalizados pelo sociólogo pernambucano Gilberto Freire em sua obra seminal “Casa Grande e Senzala”. Consequentemente, para Mino, a raiz dos problemas brasileiros estava profundamente ligada a essa herança histórica e cultural.