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Nova diretriz brasileira atualiza tratamento para obesidade

Nova diretriz brasileira atualiza tratamento para obesidade, focando em metas realistas de perda de peso (pelo menos 10%) e melhoria da qualidade de vida, e não apenas na normalização do IMC. O documento, elaborado pela Abeso, inclui novas medicações e aborda a individualização do tratamento.
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Foto: Reuters/Brendan McDermid/Proibida reprodução

Nova Diretriz Brasileira Revoluciona o Tratamento da Obesidade

A Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) lançou uma nova diretriz para o tratamento farmacológico da obesidade, marcando um importante avanço na prática clínica do país. O documento, com 35 recomendações, redefine a abordagem da obesidade, reconhecendo-a como uma doença crônica que demanda acompanhamento contínuo e tratamento personalizado, diferentemente de diretrizes anteriores.

Segundo a Abeso, a principal mudança de paradigma reside no objetivo do tratamento. Não se busca mais apenas a normalização do Índice de Massa Corporal (IMC), mas sim a promoção da saúde, da funcionalidade e da qualidade de vida do paciente, com metas de perda de peso mais realistas e sustentáveis. O vice-presidente da Abeso, o endocrinologista Bruno Halpern, destaca que a nova diretriz visa “metas possíveis e sustentáveis”, priorizando a melhora na qualidade de vida em detrimento da busca obsessiva por um peso ideal.

Metas Realistas e Abordagem Individualizada

Uma das principais inovações da diretriz é a adoção de metas de perda de peso mais modestas, porém clinicamente relevantes. A recomendação é a redução de, pelo menos, 10% do peso corporal, focando na melhora das comorbidades frequentemente associadas à obesidade, como diabetes tipo 2, hipertensão arterial, apneia do sono, osteoartrose e doença hepática gordurosa. Em outras palavras, o sucesso do tratamento será medido não apenas pela perda de peso em si, mas também pela melhoria significativa da saúde geral do paciente.

Além disso, a diretriz enfatiza a necessidade de uma abordagem individualizada, respeitando as características únicas de cada paciente. O endocrinologista Fernando Gerchman, coordenador do grupo de trabalho responsável pela elaboração do documento, explica que a nova diretriz é um guia clínico baseado em evidências científicas e adaptado à realidade brasileira, valorizando a decisão compartilhada entre médico e paciente.

Novas Medicações e Critérios de Diagnóstico

Desde a última diretriz, publicada em 2016, três novas medicações para obesidade foram aprovadas no Brasil: liraglutida (Saxenda), Contrave e semaglutida (Wegovy, na dose de 2,4mg para obesidade), além do recente Monjauro. De acordo com Gerchman, a diretriz atualizada leva em consideração essas novas opções terapêuticas, categorizando-as de acordo com sua eficácia, segurança e duração do tratamento. A diretriz também aborda a possibilidade do uso off-label de medicamentos, desde que respaldado por evidências científicas robustas que demonstrem eficácia e segurança.

Outro ponto crucial é a mudança nos critérios de indicação das medicações. Anteriormente, a indicação era baseada principalmente no IMC. Contudo, a nova diretriz considera também a presença de comorbidades, mesmo em pacientes com IMC abaixo de 30, e leva em conta medidas de adiposidade corporal, como a circunferência da cintura. Gerchman afirma que “a gente mudou esse conceito. A gente tem indicado medicações para obesidade antes de mudanças no estilo de vida em decisão compartilhada com o paciente”.

Tratamento Multidisciplinar e Estilo de Vida

Priorizando o tratamento multidisciplinar, a nova diretriz enfatiza a associação obrigatória entre medicação e mudanças no estilo de vida, desde o início do tratamento. Medicamentos com alta ou moderada eficácia, como semaglutida, tirzepatida e liraglutida, devem ser priorizados quando disponíveis.

O diretor da Abeso, Alexandre Hohl, destaca os benefícios comprovados desses fármacos em grandes ensaios clínicos. A semaglutida, por exemplo, demonstrou redução de 20% nos eventos cardiovasculares em pacientes com obesidade e histórico de doença cardíaca. A tirzepatida, por sua vez, apresentou redução de 99% na incidência de diabetes tipo 2 em estudos com indivíduos com pré-diabetes. Ainda segundo Hohl, a nova diretriz considera também fenótipos alimentares, fatores genéticos, psicológicos, sociais e ambientais e outras características individuais dos pacientes, visando um tratamento mais personalizado e eficaz.

Grupos Específicos e Recomendações Adicionais

Finalmente, a diretriz reconhece a necessidade de atenção diferenciada para grupos específicos de pacientes, como idosos com sarcopenia (perda de massa muscular), indivíduos com câncer relacionado à obesidade e pacientes com insuficiência cardíaca. Nestes casos, o tratamento da obesidade pode melhorar a qualidade de vida, aumentar a eficácia de outras terapias e reduzir complicações. O documento também contraindica o uso de substâncias não validadas ou perigosas, como diuréticos e hormônios, e enfatiza a importância do tratamento contínuo da obesidade, dado que a interrupção do tratamento frequentemente leva à recuperação do peso perdido.

Em conclusão, a nova diretriz da Abeso representa um avanço significativo no tratamento da obesidade no Brasil, promovendo uma abordagem mais holística, individualizada e centrada na melhora da qualidade de vida dos pacientes, incorporando novas medicações e critérios de diagnóstico, e reconhecendo a necessidade de um tratamento contínuo e multidisciplinar.