Onze Escravizados: O Reflorestamento da Tijuca e a Correção de uma Injustiça Histórica
No último sábado (31), uma cerimônia marcante ocorreu no Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro. Uma nova placa foi inaugurada, inscrevendo os nomes de onze pessoas escravizadas, até então anônimas, responsáveis pelo monumental reflorestamento da Floresta da Tijuca e das Paineiras. A iniciativa, liderada pela deputada estadual Dani Monteiro (PSOL), corrige uma antiga inscrição que omitia a individualidade dessas pessoas, reconhecendo, finalmente, sua contribuição fundamental para a criação da maior floresta urbana do mundo.
Maria, Constantino, Eleuthério, Leopoldo, Manoel, Matheus, Sabino, Macário, Clemente, Antônio e Francisco: esses são os nomes que agora constam da placa, localizada próxima ao centro de visitantes do parque. Além da instalação da nova placa, o evento incluiu palestras, uma apresentação teatral e o plantio simbólico de onze mudas de árvores nativas da Mata Atlântica, cada uma em homenagem a um dos reflorestadores.
De “Escravos” a Pessoas Escravizadas: Resgatando a Humanidade
A antiga placa, que acompanhava uma escultura da artista Mazeredo representando um homem plantando árvores, listava apenas seis nomes, referindo-se a eles simplesmente como “escravos do Major Archer e de Nogueira da Gama”. Em contraste, a nova placa utiliza a expressão “pessoas escravizadas”, uma mudança semântica crucial que resgata a humanidade e individualidade dessas pessoas, reconhecendo-as como sujeitos históricos e não meros objetos.
Para a deputada Dani Monteiro, a iniciativa vai além de uma simples correção de texto. “Em todo esse espaço, mais de 100 mil árvores, em torno de 15 anos, foram plantadas por 11 pessoas. Quando eu tomei conhecimento dessa história – porque ela não é contada, seja no conteúdo escolar, seja em séries, novelas ou TVs – enquanto cidadã, falei: ‘acho que todo cidadão carioca tem que saber dessa história'”, explicou a parlamentar, destacando a importância de divulgar esse conhecimento pouco explorado.
De acordo com Monteiro, ainda há muito a ser pesquisado sobre a vida desses indivíduos. A história deles, desconhecida pela maioria, precisa ser investigada para se compreender melhor suas trajetórias e o contexto em que atuaram.
O Reflorestamento e a Crise Ambiental do Século XIX
A necessidade do reflorestamento da Floresta da Tijuca se deu em decorrência de uma grave crise ambiental na segunda metade do século XIX. O desmatamento desenfreado, motivado pela exploração madeireira e pela monocultura de cana-de-açúcar e café, resultou no esgotamento dos mananciais que abasteciam a então capital do Brasil. Diante da situação, o governo imperial decidiu investir no reflorestamento da região.
Entre 1861 e 1874, as pessoas escravizadas plantaram mais de 100 mil árvores, um trabalho árduo e fundamental para a restauração dos recursos hídricos e para o surgimento da exuberante floresta que conhecemos hoje. Esse esforço monumental, contudo, permaneceu por muito tempo esquecido, apagado pela narrativa oficial da história.
A cerimônia de inauguração contou com a presença de diversas personalidades, incluindo artistas, pesquisadores e ativistas, que plantaram mudas em homenagem aos reflorestadores. A rapper Juju Rude, por exemplo, enfatizou a importância de celebrar a ancestralidade e reverenciar aqueles que contribuíram para o bem da cidade e do mundo. Pedro Rajão, produtor e pesquisador do projeto Negro Muro, destacou o ato como um reconhecimento do trabalho de pessoas escravizadas, historicamente invisibilizadas.
O Reconhecimento Histórico: Heróis e Heroínas do Estado do Rio de Janeiro
Além da placa comemorativa, a Lei Estadual 10.772/25 consagrou os nomes de Eleuthério, Constantino, Manoel, Matheus, Leopoldo, Maria, Sabino, Macário, Clemente, Antônio e Francisco no Livro dos Heróis e Heroínas do Estado do Rio de Janeiro. Criado pela Lei Estadual 5.808/10, este livro homenageia personalidades que prestaram relevantes serviços ao estado. A inclusão destes nomes, no entanto, exigiu uma emenda legal, já que as pessoas escravizadas não possuíam sobrenomes, visto que eram consideradas como propriedades e não como indivíduos com direitos.
Para Dani Monteiro, autora do projeto que deu origem à lei, a inscrição no livro, juntamente com a inauguração da placa, representam passos fundamentais para o reconhecimento do papel histórico dessas pessoas escravizadas e para a reparação de uma injustiça histórica. “Por direito à memória, à reparação, necessariamente o futuro tem que ser ancestral”, finalizou a deputada.