O velório de Arlindo Cruz, um dos mais reverenciados nomes do samba brasileiro, transformou a quadra do Império Serrano, no Rio de Janeiro, em um vibrante festival de samba e calorosas homenagens neste sábado (9). Centenas de admiradores, familiares e amigos se reuniram para uma despedida que celebrou a vida e a extensa obra do artista, estendendo-se pela madrugada em clima de festa e emoção.
A Despedida Festiva
Os portões da escola de samba foram abertos pontualmente às 18h, dando início às cerimônias. Primeiramente, ao som envolvente dos atabaques, foi realizada uma reverente cerimônia para os orixás, conduzida pelo terreiro Ilê Osè Yobá. É importante mencionar que Arlindo Cruz, filho de Xangô, frequentava este terreiro, localizado na antiga Rio-São Paulo, em Nova Iguaçu, o que conferiu um significado ainda mais profundo ao ritual.
Subsequentemente, uma animada roda de samba irrompeu, ecoando os maiores sucessos de Arlindo Cruz, acompanhada da distribuição de chopp na quadra. Essa celebração singular espelhou um tradicional “gurufim”, um rito de origem africana que se manifesta em velórios festivos, caracterizados pela música pulsante, dança, comida farta e bebida abundante. Portanto, a despedida do sambista transcendeu o luto, tornando-se uma autêntica exaltação à sua existência e legado.
As Vozes da Homenagem
O Legado do Filho
Arlindinho Neto, filho de Arlindo Cruz, emocionou os presentes ao interpretar “O Show Tem Que Continuar”, um clássico do grupo Fundo de Quintal, que seu pai ajudou a compor ao lado de Sombrinha e Luiz Carlos da Vila. O herdeiro do sambista fez questão de ressaltar os ensinamentos de luta e perseverança transmitidos por Arlindo. Ademais, Arlindinho expressou seu firme compromisso de seguir adiante, honrando o nome e a história de seu pai com dedicação e afinco.
Amigos e Parceiros
Carlinhos de Jesus, coreógrafo e passista, fez questão de comparecer para homenagear o amigo, mesmo atravessando um problema de saúde que o levou a usar cadeira de rodas. Ele descreveu Arlindo como um irmão, afirmando que, embora a matéria se vá, sua obra, história e memória permanecerão eternamente. Para Carlinhos, Arlindo ascendeu ao patamar de maior poeta do samba, capturando em suas letras a essência das vivências humanas, desde as alegrias e amores até as dores e tristezas. As canções do artista, ele pontuou, retratam um Madureira que transcende o local físico, tornando-se um símbolo de identidade e pertencimento.
Marquinhos de Oswaldo Cruz, outro renomado cantor e compositor, também teceu elogios a Arlindo, definindo-o como um “gênio”. Marquinhos enfatizou a habilidade de Arlindo em popularizar o samba tradicional, tornando-o acessível a um público diversificado que, antes, não se identificava com o gênero. Além disso, ele descreveu Arlindo como a pessoa de coração mais generoso que conheceu na música brasileira, um amigo e parceiro inestimável.
A Visão da Escola
Paula Maria, vice-presidente do Império Serrano, recordou a profunda amizade, compadrio e a relação profissional que mantinha com Arlindo Cruz. Ela expressou imensa gratidão por ter tido a oportunidade de conviver e testemunhar a genialidade do sambista. Paula relatou que Arlindo gravou a canção “Estrela de Madureira” em sua própria casa. Naquela ocasião, ele intuía que essa música seria um divisor de águas, transformando-o de um grande compositor para um cantor reconhecido. De fato, Paula Maria confirmou que foi exatamente o que aconteceu, marcando a ascensão de Arlindo também como intérprete.
Presente na quadra, o imperiano Wagner Francisco, de 64 anos, com um vasto conhecimento da história da escola, expressou sua admiração. Ele comparou a chegada de Arlindo à perda de Roberto Ribeiro, afirmando que, com sua genialidade e voz rouca e suave, Arlindo preencheu o vazio, transmitindo claramente suas mensagens musicais. Wagner fez questão de lembrar que Arlindo Cruz conquistou mais de dez sambas-enredo para o Império Serrano, assegurando sua presença constante na mente e nos corações dos fãs, ao lado de ícones como Roberto Ribeiro e Dona Ivone Lara.
O Adeus Final e a Memória Viva
As homenagens a Arlindo Cruz na quadra do Império Serrano estavam programadas para serem concluídas às 10h da manhã deste domingo (10). Nesse horário, haveria uma despedida mais íntima, reservada a familiares e amigos próximos. Posteriormente, o corpo do artista seguiria para o cemitério Jardim da Saudade, localizado em Sulacap, onde o sepultamento estava marcado para as 11h.
A memória de Arlindo Cruz também foi celebrada em diversas plataformas de mídia. Neste sábado, às 23h, a TV Brasil reexibiu o programa “Samba na Gamboa”, que contou com uma emocionante homenagem de Arlindinho Cruz ao pai, sob a apresentação da cantora Teresa Cristina. Anteriormente, na sexta-feira, o programa “Sem Censura”, também da TV Brasil, exibiu uma edição temática já gravada e programada para ir ao ar. Apresentado por Cissa Guimarães, esse episódio especial contou com a participação de Arlindinho, da produtora Babi Cruz (esposa do músico), e do escritor Marcos Salles, que lançou a biografia “O Sambista Perfeito” sobre o consagrado artista, tendo a jornalista Fabiane Pereira como debatedora.