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Vacinação brasileira: avanços e desafios persistentes

**Cobertura vacinal brasileira apresenta recuperação, mas desigualdades persistem.** Apesar de avanços em 2023, o Anuário VacinaBR revela que metas de imunização infantil não foram atingidas em nenhum estado, com sérias lacunas na prevenção de doenças como poliomielite e sarampo. Desigualdades entre regiões e esquemas incompletos ameaçam a saúde pública.
Cobertura vacinal infantil Brasil
Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Apesar da recuperação observada nas taxas de cobertura vacinal no Brasil em 2023, o Anuário VacinaBR, elaborado pelo Instituto Questão de Ciência (IQC) em parceria com a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), revela desafios persistentes que ameaçam a saúde pública. A principal conclusão do estudo aponta para a não-consecução das metas de imunização infantil em nenhum estado brasileiro, expondo fragilidades no sistema de prevenção de doenças como poliomielite e sarampo.

Desigualdades Regionais e Cobertura Vacinal Insuficiente

O Anuário VacinaBR detalha a preocupante realidade da vacinação infantil no país. Em 2023, nenhuma vacina do calendário nacional atingiu a meta de cobertura em todos os estados. A situação é particularmente crítica para os imunizantes contra poliomielite, meningococo C, varicela e Haemophilus influenzae tipo B. Nenhum estado conseguiu alcançar a taxa de 95% de vacinação necessária para interromper a transmissão dessas doenças. Isso demonstra uma lacuna significativa na proteção da população infantil contra doenças graves e potencialmente letais.

Ainda mais preocupante, menos de 32% dos mais de 5.570 municípios brasileiros (apenas 1.784) conseguiram atingir a meta de cobertura para quatro vacinas consideradas prioritárias: pentavalente, poliomielite, pneumo 10 e tríplice viral. O Ceará apresentou o melhor desempenho, com 59% de seus municípios imunizando o público-alvo, enquanto o Acre registrou apenas 5%, ilustrando a gritante disparidade entre as regiões do país. Essa variação regional acentua a complexidade do problema e a necessidade de soluções adaptadas às realidades locais.

Mesmo a vacina BCG, aplicada logo após o nascimento para prevenir formas graves de tuberculose, não atingiu a meta de cobertura em todos os estados. Onze unidades federativas apresentaram taxas abaixo de 80%, com o Espírito Santo registrando menos de 58% de cobertura. Essa heterogeneidade na cobertura vacinal, com variações significativas entre estados e até mesmo dentro de cada estado, reflete a necessidade de uma abordagem mais abrangente e eficiente para a imunização infantil.

Desafios e Necessidade de Soluções Inovadoras

Segundo Paulo Almeida, diretor executivo do IQC e organizador do Anuário VacinaBR, a saúde é uma competência concorrente entre União, estados e municípios, o que torna a implementação de estratégias de imunização um desafio complexo em um país de dimensões continentais com realidades locais muito diferentes. Ele destaca a necessidade de se reconhecer que estratégias eficazes no passado podem não ser suficientes para os desafios atuais. A comunicação, por exemplo, se tornou mais fragmentada com a proliferação de canais online, tornando a tarefa de alcançar a população mais difícil.

Por outro lado, Almeida também ressalta o surgimento de novas ferramentas que podem contribuir para melhorar a cobertura vacinal. Lembretes via SMS, por exemplo, podem ser eficazes para incentivar a ida aos postos de saúde, compensando a falta de tempo ou a escassez de informação. Além disso, a conveniência, com postos de vacinação abertos em horários mais flexíveis, é um fator crucial para garantir o acesso à vacinação.

Isabela Balallai, diretora da SBIm, reforça a importância do protagonismo dos gestores municipais na implementação das recomendações do Ministério da Saúde e a necessidade de um planejamento estadual que leve em conta as especificidades locais. Ela aponta a baixa percepção de risco como principal combustível da hesitação vacinal, ressaltando a importância da informação precisa e acessível. O acesso físico também é crucial, afirma Balallai. Apesar do grande número de salas de vacinação (38 mil), a falta de informação, horários inadequados e a escassez de vacinas em alguns postos dificultam o acesso à imunização. A combinação de falta de informação e baixa percepção de risco resulta em baixa adesão à vacinação.

Taxas de Abandono e a Importância da Vacinação Completa

As curvas de vacinação no Brasil mostram uma tendência de queda desde 2015, com uma queda mais acentuada em 2021 e uma recuperação gradual em 2022 e 2023. Entretanto, as taxas de abandono (pessoas que iniciam, mas não completam o esquema vacinal) permanecem estáveis desde 2018. A vacina tríplice viral, por exemplo, ilustra bem essa situação. Em 2023, a maior parte do país vacinou entre 80% e 85% do público-alvo na primeira dose, mas apenas quatro estados atingiram a cobertura ideal. A aplicação da segunda dose ficou abaixo de 50% em 14 estados, e a meta não foi atingida em nenhuma unidade federativa. A tríplice viral previne contra sarampo, caxumba e rubéola, doenças que podem levar a quadros graves e até mesmo à morte, especialmente em crianças pequenas.

Com surtos de sarampo em diversos países e cinco casos isolados registrados no Brasil em 2025, a diretora da SBIm alerta para o perigo da não conclusão do esquema vacinal, deixando as pessoas desprotegidas. A solução passa por uma abordagem multifacetada, incluindo campanhas de conscientização mais eficazes, uso de novas tecnologias para comunicação e lembretes, e a utilização estratégica de escolas como postos de vacinação e educação vacinal, destaca Balallai. A escola, segundo ela, facilita o acesso, proporciona informação e permite o contato direto com as famílias para monitorar a situação vacinal de crianças e adolescentes.