Um estudo recente aponta que uma parcela significativa da população na Amazônia Legal, cerca de um terço dos residentes, já vivencia diretamente os desdobramentos das alterações climáticas. Conforme o levantamento, esses impactos se traduzem em custos de vida mais elevados e uma ocorrência crescente de desastres ambientais por toda a região.
A pesquisa de percepção pública, intitulada “Mais Dados Mais Saúde – Clima e Saúde na Amazônia Legal”, divulgada nesta quarta-feira (8), detalha que 32% dos habitantes da área já percebem as consequências diretas dessas mudanças. Além disso, esse percentual sobe para 42,2% entre aqueles que se identificam como membros de povos e comunidades tradicionais, incluindo indígenas, quilombolas, ribeirinhos e seringueiros, evidenciando uma vulnerabilidade ampliada para esses grupos.
Luciana Vasconcelos Sardinha, diretora adjunta de Doenças Crônicas Não Transmissíveis da Vital Strategies e coordenadora técnica do estudo, ressalta que as alterações climáticas já influenciam profundamente o cotidiano dos moradores. Conforme explicou à Agência Brasil, modelos de desenvolvimento que privilegiam grandes empreendimentos, como hidrelétricas e vastos projetos agropecuários, juntamente com o desmatamento, geram um impacto predatório e excludente. consequentemente, essas práticas exacerbam a pobreza e as desigualdades sociais, afetando de forma mais intensa os povos tradicionais.
Impactos Tangíveis no Cotidiano
Os moradores da Amazônia Legal mencionam uma série de efeitos concretos das mudanças climáticas. Entre os mais sentidos, destaca-se o aumento da conta de energia elétrica, citado por 83,4% dos entrevistados. Ademais, 82,4% percebem um incremento na temperatura média da região, e 75% notam uma piora na poluição do ar. A maior incidência de desastres ambientais aflige 74,4% da população, enquanto 73% relatam o aumento nos preços dos alimentos.
O levantamento, uma iniciativa da Umane e Vital Strategies com o apoio do Instituto Devive, está disponível no Observatório da Saúde Pública. Para a sua realização, foi utilizada uma metodologia online, coletando dados de 4.037 pessoas entre 27 de maio e 24 de julho de 2025. Os participantes residem em um dos nove estados que compõem a Amazônia Legal: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.
Experiências Climáticas Extremas
A pesquisa também revelou a frequência de fenômenos climáticos extremos vivenciados pelos moradores. De fato, dois em cada três entrevistados (64,7%) relataram ter enfrentado ondas de calor intensas, com temperaturas acima da média local, nos últimos dois anos. Em seguida, aproximadamente um terço dos residentes (29,6%) observou secas persistentes, intensificadas pelo calor e pela escassez de chuvas no mesmo período. Além disso, 29,2% acompanharam incêndios florestais com fumaça densa, que comprometeram suas atividades diárias.
Nessa mesma linha, durante os últimos dois anos, a população também testemunhou o avanço do desmatamento ambiental (28,7%), uma deterioração na qualidade do ar (26,7%) e, similarmente, a piora na qualidade da água (19,9%) na região. Notavelmente, entre os povos e comunidades tradicionais, as preocupações mais fortes incidiram sobre a degradação da qualidade da água (24,1%) e os desafios na produção de alimentos (21,4%), demonstrando uma conexão ainda mais intrínseca com os recursos naturais.
Adaptação e Respostas Comunitárias
O estudo também indica que as mudanças climáticas já estão provocando alterações nos padrões de comportamento dos habitantes da Amazônia Legal. Por exemplo, mais da metade da população (53,3%) afirmou ter diminuído práticas que consideram contribuir para o problema. Por outro lado, 38,4% dos entrevistados declararam sentir culpa por desperdiçar energia. A maioria dos residentes (64%) adota a prática de separar o lixo para reciclagem, um hábito ainda mais difundido entre povos e comunidades tradicionais, atingindo 70,1%.
Segundo a coordenadora da pesquisa, embora os povos tradicionais sejam os mais vulneráveis aos impactos climáticos, eles também demonstram uma capacidade notável de gerar respostas eficazes. Em suas palavras, o respeito pela diversidade cultural e pelos conhecimentos tradicionais é crucial para encontrar soluções e melhorar a qualidade de vida. Ademais, Luciana enfatiza que, apesar de estarem mais expostos devido a fatores como menor renda e escolaridade, esses povos exibem um potencial significativo para se reinventar. A organização comunitária e em rede, características marcantes desses grupos, tem se mostrado fundamental na mitigação das consequências das mudanças climáticas.
Portanto, para além da resiliência comunitária e dos saberes ancestrais, a pesquisadora aponta que as soluções para mitigar os efeitos das alterações climáticas dependem também de políticas públicas que se concentrem na redução das desigualdades regionais. Para Luciana, esta não é uma questão futura, mas sim um problema urgente com impactos profundos. Ela defende o fortalecimento de governanças, o planejamento integrado e a união de esforços para aumentar recursos financeiros, logísticos e humanos, que são historicamente escassos. Uma abordagem integrada, aliás, prometem resultados mais eficazes. Por conseguinte, um modelo de desenvolvimento que inclua participação democrática, socialização das políticas e, primordialmente, sustentabilidade, é essencial. O protagonismo dos povos tradicionais, neste contexto, deve ser integralmente considerado.