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UFRJ é referência em acolhimento humanizado ao luto gestacional e neonatal

A Maternidade Escola da UFRJ, no Rio de Janeiro, é referência em acolhimento humanizado para o luto gestacional e neonatal, com 15 anos de práticas inovadoras em apoio a famílias enlutadas.
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Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

A Maternidade Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), localizada na zona sul da capital fluminense, firmou-se como um modelo exemplar no acolhimento humanizado a famílias que enfrentam o luto gestacional e neonatal. Com uma trajetória de 15 anos dedicada à inovação em práticas de suporte, a instituição abriu suas portas neste mês de outubro – período que, pela primeira vez no Brasil, destaca a pauta do luto gestacional, neonatal e infantil – para compartilhar sua abordagem e evolução.

Novas Diretrizes Nacionais e o Pioneirismo da UFRJ

Em agosto deste ano, uma importante legislação entrou em vigor: a política de humanização do luto materno e parental. Esta normativa estabelece um atendimento respeitoso, visando auxiliar na recuperação de indivíduos afetados por essa experiência traumática. Entre as determinações para maternidades públicas e privadas, incluem-se a permissão para que as famílias tenham um derradeiro contato com o bebê, registrem fotos ou recebam lembranças, como as digitais dos pezinhos, e possam realizar despedidas. Além disso, a política formaliza a possibilidade de registrar o nome do bebê na certidão de óbito e, conforme o desejo familiar, proceder com o sepultamento ou cremação.

A Maternidade Escola da UFRJ, entretanto, já se destacava por incorporar muitas dessas práticas há mais de uma década e meia. A instituição antecipou-se a diversas disposições da nova legislação, consolidando-se como referência no suporte emocional e prático a pais e familiares em um momento tão delicado.

O Espaço da Despedida: O “Morge” e o Afeto nos Detalhes

Um dos diferenciais da unidade da UFRJ é o ambiente dedicado à despedida, carinhosamente apelidado de “morge”, um local que frequentemente permanece inacessível às famílias em outras instituições. Neste espaço, momentos de singeleza e profundo afeto são vivenciados, conforme relatou a psicóloga Paula Zanuto.

“Nesta semana, uma despedida emocionou toda a equipe. Um pai e uma avó vieram se despedir de um bebê que nasceu a termo, com cerca de 38 semanas, mas que viveu apenas por um dia”, descreveu a psicóloga. Segundo ela, “o pai e a avó agiram com extremo cuidado e carinho com o corpinho do bebê. O pai colocou a roupinha, as luvinhas e as meinhas com grande zelo, enquanto a avó pedia ‘cuidado para ele não sentir frio’, mesmo após o falecimento do bebê. A avó ainda o ninou um pouco no ombro, enrolou-o na mantinha. O pai posicionou a alcinha do nosso coração [de pano] em volta do bracinho do neném, na altura do coração verdadeiro. Foi uma cena linda; todos contiveram o choro, e eles enfrentaram uma perda difícil juntos”, enfatizou Paula, sublinhando a importância do “morge”.

Para tornar esse adeus mais acolhedor, a maternidade preparou o local com adesivos coloridos nas paredes, mantinhas com estampas infantis, cueiros e roupinhas de recém-nascido, disponíveis caso a família não possua. Outro elemento distintivo são os coraçõezinhos de pano, confeccionados por voluntárias e ofertados às famílias como uma lembrança simbólica. “Oferecemos um par: uma unidade permanece com a mãe ou o pai, e a outra é embalada junto ao bebê”, explicou Daniela Porto Faus, chefe da Unidade de Atenção Psicossocial e psicóloga clínica da maternidade.

Protocolos Sensíveis e a Necessidade de Expansão

A equipe da UFRJ, por sua vez, prioriza o respeito ao tempo da família e o cuidado em cada despedida, seja no centro obstétrico ou na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Daniela Porto Faus, por exemplo, exemplificou outro protocolo de extrema sensibilidade: “Quando um bebê na UTI está em estado muito grave e prevemos um desfecho desfavorável, oferecemos antecipadamente que ele seja acolhido no colo da mãe, permitindo que a passagem ocorra ali, pertinho dela”.

Entretanto, apesar do esforço e da dedicação, a estrutura física representa um desafio. Andrea Marinho Barbosa, chefe da Divisão de Gestão do Cuidado e responsável pela implementação da política, revelou a intenção de expandir o “morge” para oferecer mais espaço às famílias, uma prática considerada vital para o processo de luto. “Nosso principal problema atualmente é a estrutura física. O local do morge, onde os corpos são mantidos, é um tanto pequeno para acolher toda a família na despedida do neném”, pontuou Andrea. Além disso, as mães, tanto na enfermaria quanto na UTI, recebem o tempo necessário para suas despedidas, com a equipe da UTI providenciando biombos para garantir a privacidade do momento.

“Elas ficam extremamente gratas, agradecem muito, sentem-se acolhidas, não é mesmo?”, comentou Andrea, acrescentando que a possibilidade de incluir o nome do bebê na certidão de óbito também gera grande alívio. Anteriormente, “algumas mães já solicitavam isso, mas como não havia nada formalizado, apenas registrávamos ‘natimorto’. Agora, a grande maioria pede para incluir o nome escolhido pelos pais”, afirmou.

Enfermaria da Finitude e Apoio Pós-Alta

Há 15 anos, a maternidade implementou a Enfermaria da Finitude, um espaço exclusivo para mães enlutadas. Essa medida pioneira surgiu da observação de que a convivência com outras mães de filhos vivos ou em aleitamento intensificava o sofrimento psíquico das puérperas. Embora muitas unidades de saúde enfrentem problemas de superlotação e falta de espaço para essa separação, a nova política torna essa medida obrigatória. Ademais, a Lei 15.139 garante às mulheres com perdas gestacionais o direito à investigação da causa do óbito e a um acompanhamento específico em futuras gestações.

Outra determinação legal é o atendimento psicológico pós-alta. A UFRJ oferece suporte presencial e por telefone, contudo, reconhece as limitações, como a dificuldade das mães em retornar à unidade e a própria capacidade das equipes, um gargalo identificado na política. “Ainda não temos condições de realizar esse atendimento [domiciliar], oferecemos apenas em nossa unidade e à distância. Contudo, almejamos parcerias com outras unidades para que as pessoas não precisem se deslocar até aqui”, esclareceu Andrea Marinho Barbosa. A nova lei inclusive permite colaborações entre unidades de saúde e organizações do terceiro setor, que se apresentam como uma alternativa viável.

Musicoterapia e a Mudança de Mentalidade

No âmbito da política de humanização do luto, a Maternidade Escola da UFRJ também se destaca pela inclusão da musicoterapia para pacientes e equipes de saúde. Segundo Andrea, essa prática “ajuda a aliviar um pouco desse peso”, contando com o suporte de psicólogas e assistentes sociais da própria equipe. A lei também recomenda a inclusão da discussão sobre o luto materno na formação de profissionais da área da saúde, o que favorece o compartilhamento de experiências entre técnicos, médicos e enfermeiros.

A implementação plena da política, mesmo respaldada por lei, exige uma profunda mudança de mentalidade, conforme enfatizou Penélope Saldanha, diretora da unidade. Ela traçou um paralelo com o processo de garantir a presença de um acompanhante no parto: “Inicialmente, muitos pensaram que seria inviável, que as maternidades não teriam capacidade, que não haveria espaço no centro cirúrgico. Aqui, pedimos para que as acompanhantes priorizassem alguém do sexo feminino para assegurar a privacidade das parturientes. Demorou um tempo para reconhecermos que as mulheres desejavam a participação de seus companheiros no parto e, então, tivemos que nos adaptar e garantir esse direito”.

A Maternidade da UFRJ, que serve como referência para seis unidades básicas de saúde no Rio de Janeiro, também realiza pré-natal de gestações de alto risco e recebe, de todo o estado, grávidas diagnosticadas com doença trofoblástica gestacional – um tipo de tumor que pode evoluir para câncer de placenta –, além de atender partos de emergência. Seu trabalho não apenas honra a memória dos bebês, mas também fortalece o apoio às famílias em um dos momentos mais frágeis da existência.