A imposição de uma tarifa de 50% sobre todas as importações brasileiras pelos Estados Unidos, anunciada pelo presidente Donald Trump, representa uma séria ameaça ao agronegócio do Brasil. Conforme alerta o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), vinculado à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), a medida pode comprometer significativamente as receitas do setor, desencadear desequilíbrios mercadológicos e exercer pressão sobre os valores pagos aos produtores rurais brasileiros.
Impacto Abrangente no Agronegócio Brasileiro
Os pesquisadores do Cepea indicam que diversos segmentos do agronegócio estão particularmente vulneráveis a essa nova política tarifária. Dentre os mais expostos, destacam-se o mercado de suco de laranja, o setor cafeeiro, a pecuária de corte e o segmento de frutas frescas. Além disso, a magnitude dessa tarifa pode reconfigurar as estratégias de exportação e a dinâmica de preços no mercado interno, afetando diretamente a sustentabilidade de inúmeras cadeias produtivas.
Suco de Laranja: O Ponto Mais Sensível
No cenário atual, o suco de laranja é considerado o produto mais vulnerável à sobretaxa. Isso ocorre porque já existe uma tarifa fixa de US$ 415 por tonelada sobre o produto exportado para os EUA. Consequentemente, a adição de uma tarifa de até 50% elevaria drasticamente o custo de entrada no mercado norte-americano, comprometendo a competitividade do suco brasileiro no que é o segundo maior destino das exportações do país.
Ademais, os Estados Unidos importam aproximadamente 90% do suco que consomem, sendo que o Brasil responde por cerca de 80% desse volume. A professora Margarete Boteon, pesquisadora da área de citros do Cepea, vinculada à Esalq/USP, ressalta que essa instabilidade emerge em um período de safra promissora em São Paulo e no Triângulo Mineiro, com uma projeção de 314,6 milhões de caixas para 2025/26, um aumento de 36,2% em relação ao ciclo anterior. Dessa forma, com a restrição do canal norte-americano, torna-se provável um acúmulo de estoques e uma subsequente pressão sobre as cotações internas do produto.
Café: Impacto na Cadeia Norte-Americana
Os Estados Unidos figuram como o principal consumidor global de café, importando cerca de 25% de sua demanda total do Brasil, especialmente a variedade arábica, que é um insumo fundamental para a indústria local de torrefação. Visto que os EUA não produzem café em volume significativo, o aumento do custo de importação ameaça a viabilidade de toda a cadeia produtiva interna, que engloba torrefadoras, cafeterias, indústrias de bebidas e grandes redes de varejo.
Nesse sentido, o pesquisador de café do Cepea, Renato Ribeiro, enfatiza a importância estratégica da exclusão do café do pacote tarifário. Para ele, essa medida não é apenas desejável para a sustentabilidade da cafeicultura brasileira, mas também crucial para a estabilidade do abastecimento norte-americano. Entretanto, a instabilidade externa, causada principalmente pela elevação das tarifas, tem levado os produtores brasileiros a comercializar volumes mínimos, adiando negociações maiores na expectativa de definições sobre o cenário tarifário.
Carne Bovina: Cenário de Exportação
No que tange à carne bovina, os Estados Unidos se posicionam como o segundo maior comprador do produto brasileiro, atrás apenas da China, que concentra 49% do total exportado pelo Brasil. As empresas americanas são responsáveis por 12% das exportações brasileiras. Curiosamente, entre março e abril, foram observadas aquisições recordes de carne bovina, superando 40 mil toneladas por mês. Esse movimento pode sinalizar uma estratégia de formação de estoque por parte dos importadores, antecipando o temor de um aumento tarifário por parte de Washington.
Os estados brasileiros de São Paulo, Goiás e Mato Grosso do Sul são, respectivamente, os maiores fornecedores de carne bovina para os EUA. Não obstante, nos últimos meses, houve uma diminuição no volume exportado para o mercado norte-americano, ao passo que os embarques para a China e outros parceiros comerciais demonstraram crescimento em junho, comparado a maio. Segundo o Cepea, essa tendência indica uma capacidade dos frigoríficos brasileiros de diversificar seus mercados e ampliar as vendas para outras regiões.
Frutas Frescas: Dúvidas e Repercussões
O mercado de frutas frescas também sentirá o impacto da nova tarifa, com a manga sendo a mais afetada de imediato. Isso se deve ao fato de que o período crítico de exportação desse produto para os Estados Unidos tem início em agosto. De acordo com os pesquisadores da USP, já há relatos de adiamento de embarques em virtude da indefinição tarifária. Além disso, a uva brasileira, cuja safra tem um calendário de grande relevância para os EUA a partir da segunda quinzena de setembro, também passa a integrar o grupo de culturas em alerta.
Antes da imposição da tarifa, a expectativa era de um crescimento nas exportações de frutas frescas, impulsionada pela valorização cambial e pela recuperação produtiva de diversas culturas. Contudo, Lucas de Mora Bezerra, do Cepea, explica que a “projeção otimista foi substituída por dúvidas”. Além da esperada retração nas vendas para os EUA, existe o risco de um desequilíbrio entre oferta e demanda nos principais destinos, o que consequentemente pressionaria as cotações para o produtor. Em suma, as frutas originalmente destinadas aos Estados Unidos podem ser redirecionadas para outros mercados, como a União Europeia, ou até mesmo absorvidas pelo mercado interno, gerando uma pressão adicional sobre os preços pagos ao produtor.
Apelo por Articulação Diplomática
Diante desse cenário complexo que afeta o café, a carne bovina, o suco de laranja e as frutas frescas, o Cepea enfatiza a urgência de uma “articulação diplomática coordenada”. O objetivo central é buscar a revisão ou a completa exclusão das tarifas sobre os produtos agroalimentares brasileiros. Em conclusão, a instituição reitera que tal medida é de importância estratégica não apenas para o Brasil, mas também para os próprios Estados Unidos, cuja segurança alimentar e a competitividade de sua agroindústria dependem substancialmente do fornecimento brasileiro.