A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) promoveu uma significativa alteração em seu entendimento, validando, por três votos a dois, a conduta policial de realizar abordagens e buscas pessoais motivadas unicamente pelo nervosismo demonstrado por indivíduos ao avistar a polícia. Essa decisão, proferida nesta terça-feira (16), representa uma virada jurisprudencial que pode redefinir os parâmetros das ações policiais em todo o país.
A Reversão de um Entendimento Consolidado
Nos últimos anos, o colegiado vinha adotando uma postura mais rigorosa, frequentemente anulando buscas pessoais, veiculares e domiciliares que eram efetuadas sem mandado judicial. Anteriormente, a corte considerava insuficientes justificativas como denúncias anônimas ou a mera “intuição subjetiva” dos policiais para embasar tais ações. Em outras palavras, a prática conhecida popularmente como “baculejo” ou “enquadro”, que se refere à revista pessoal aleatória, enfrentava resistências na jurisprudência do STJ.
Entretanto, ao julgar um habeas corpus (HC) nesta terça-feira, a Sexta Turma formou uma nova maioria, optando por validar uma condenação de cinco anos e seis meses de prisão por tráfico de drogas. Essa condenação teve como ponto de partida uma abordagem policial justificada exclusivamente pela “atitude suspeita” de um homem, fundamentada em seu aparente nervosismo.
Detalhes do Caso Concreto
No episódio que motivou a mudança de entendimento, policiais militares do estado de Goiás relataram ter abordado o indivíduo porque ele usava tornozeleira eletrônica e conversava com outra pessoa em um veículo. Além disso, o nervosismo demonstrado pelo suspeito ao perceber a presença da viatura policial identificada foi considerado um indicativo de atitude suspeita pelos agentes.
Posteriormente, ao ser abordado, o suspeito confessou que estava vendendo drogas. Segundo o relato policial, ele também autorizou a entrada dos agentes em sua residência, onde foram encontrados entorpecentes. Desse modo, a sequência dos fatos culminou na condenação que agora é mantida.
A Fundamentação do Ministro Relator
O ministro Og Fernandes, relator do caso, argumentou que houve “fundadas razões” para a abordagem policial. Ele baseou seu voto no contexto observado e no “nervosismo” manifestado pelo suspeito. Em sua análise, o flagrante de drogas e a confissão de tráfico, ocorridos ainda do lado de fora da residência, justificaram plenamente a busca domiciliar realizada sem um mandado prévio.
Para sustentar seu posicionamento, Og Fernandes aplicou uma tese estabelecida em 2015 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Conforme essa tese, a entrada em domicílio sem mandado judicial é legal “quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito”. Portanto, a situação descrita no caso se encaixaria nesse precedente.
Mudança na Composição e Votos Favoráveis
Os ministros Antonio Saldanha Palheiro e Carlos Pires Brandão acompanharam o voto do relator. A participação de Brandão foi crucial para a formação da nova maioria, visto que ele assumiu o cargo no final de agosto, substituindo o desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo. Anteriormente, Otávio de Almeida Toledo, que atuava interinamente na Sexta Turma, mantinha um posicionamento contrário a abordagens policiais baseadas unicamente em um julgamento subjetivo dos agentes de segurança. Com efeito, a chegada de Brandão inverteu o placar e, consequentemente, o entendimento da Turma.
Essa nova decisão contraria expressamente a posição que a própria Sexta Turma vinha adotando desde 2022. Naquele ano, em outro julgamento de HC, o colegiado havia considerado ilegal qualquer revista pessoal justificada exclusivamente pela suspeita dos policiais sobre o comportamento de indivíduos na rua. Por conseguinte, a atual decisão marca um retrocesso em relação a essa linha interpretativa mais restritiva.
A Divergência e as Preocupações com Direitos Individuais
Os ministros Sebastião Reis Júnior e Rogério Schietti ficaram vencidos na questão, manifestando profunda divergência. Para eles, a reviravolta no entendimento da turma representa um significativo retrocesso na garantia de direitos individuais. Além disso, eles alertam que a decisão pode abrir caminho para condutas “arbitrárias” por parte dos agentes estatais, afetando a segurança jurídica e a liberdade dos cidadãos.
Ao apresentar seu voto divergente, o ministro Schietti proferiu um discurso mais extenso, expressando sua grande preocupação com a mudança da jurisprudência da Sexta Turma. “Estamos voltando aos tempos em que a polícia, simplesmente alegando a suspeita de alguém por nervosismo, autorizava, com esse nervosismo, algo absolutamente subjetivo, a abordagem policial”, criticou Schietti. Ele complementou, afirmando que “nesta turma eu vejo que estamos caminhando para um retorno a um status quo que consolida um autoritarismo que marca a atuação do Estado perante o indivíduo”.
Impacto na Sociedade e Próximos Passos
Schietti enfatizou ainda que o tema “afeta a vida de qualquer pessoa que esteja transitando nas ruas e que possa estar sujeita a uma abordagem policial sem a objetividade que se espera, conforme o Estado Democrático de Direito”. Desse modo, o debate transcende o caso concreto e atinge a esfera dos direitos fundamentais da população.
Por esse motivo, o ministro Rogério Schietti anunciou que pretende levar a discussão para a Terceira Seção do STJ. Esse colegiado, composto por um número maior de ministros, tem a responsabilidade de consolidar a jurisprudência em questões criminais. Portanto, a decisão da Sexta Turma, embora já estabelecida, pode ainda ser reavaliada em uma instância superior do próprio tribunal, mantendo o tema em destaque no cenário jurídico.