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STF valida recusa de transfusão por religião e rejeita CFM

STF confirma o direito de recusar transfusões de sangue por fé, rejeitando recurso do CFM. A decisão tem repercussão geral, beneficiando fiéis como Testemunhas de Jeová.
STF recusa transfusão religião
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou recentemente o entendimento sobre o direito de indivíduos recusarem tratamentos médicos, como transfusões de sangue, com base em suas convicções religiosas. Uma decisão crucial foi tomada ao rejeitar um recurso interposto pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que buscava reverter uma determinação anterior favorável a grupos religiosos, notadamente as Testemunhas de Jeová.

Supremo Reafirma Autonomia Religiosa em Procedimentos Médicos

A saber, o julgamento dos embargos ocorreu em plenário virtual, estendendo-se até a noite de segunda-feira, 18 de dezembro. Votaram de maneira decisiva pela negação do recurso o relator, ministro Gilmar Mendes, e os ministros Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Flávio Dino, André Mendonça e Dias Toffoli. Em seguida, a confirmação dessa maioria dependeria apenas da ausência de pedidos de vista ou destaque, que remeteriam o caso para análise adicional ou para o plenário físico, respectivamente.

É fundamental destacar que esta deliberação possui repercussão geral, o que significa que sua aplicação se estende a todos os tribunais do território nacional. Dessa forma, a decisão serve como um precedente vinculante, garantindo que casos semelhantes sejam julgados sob a mesma ótica, reforçando a autonomia individual frente a questões de saúde permeadas pela fé.

Fundamentos da Decisão: Tese e Condicionantes

Anteriormente, em setembro de 2024, o plenário do STF já havia estabelecido por unanimidade o direito dos cidadãos de recusarem procedimentos médicos por motivos religiosos. Por exemplo, esse é o caso emblemático das Testemunhas de Jeová, cuja doutrina proíbe estritamente as transfusões de sangue. A tese vencedora na ocasião sublinhou a necessidade de uma recusa a tratamento de saúde por razões religiosas ser “condicionada à decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente, inclusive quando veiculada por meio de diretivas antecipadas de vontade”.

Além disso, a mesma tese contemplou a possibilidade da adoção de procedimentos alternativos que não envolvam transfusão sanguínea. No entanto, tal alternativa está sujeita a condições específicas: a existência de viabilidade técnico-científica para o sucesso do tratamento, a anuência da equipe médica responsável e, crucialmente, uma “decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente”. Essa flexibilidade demonstra o esforço do tribunal em equilibrar a liberdade religiosa com a proteção à vida e a ciência médica.

Recurso do CFM e Esclarecimentos do Relator

Por outro lado, o Conselho Federal de Medicina (CFM) apresentou o recurso alegando omissões na medida original do Supremo. A entidade questionava a ausência de diretrizes claras para cenários nos quais o consentimento esclarecido do paciente não pudesse ser obtido, como em casos de inconsciência, ou em situações de risco iminente de morte. A preocupação do CFM residia na segurança jurídica e na conduta ética dos profissionais de saúde diante de emergências.

Contudo, em seu voto, que foi seguido pela maioria da Corte e que rejeitou o recurso do CFM, o ministro Gilmar Mendes refutou as alegações de omissão. O relator explicou que os pontos levantados pelo conselho já haviam sido minuciosamente abordados e elucidados durante o julgamento inicial. O ministro reiterou ainda que, em situações de risco à vida do paciente, o profissional de saúde tem o dever de agir com máximo zelo, empregando “todas as técnicas e procedimentos disponíveis e compatíveis com a crença professada pelo paciente”. Portanto, a decisão não deixa o profissional desamparado, mas o orienta a buscar soluções alinhadas com a fé do indivíduo sempre que possível e seguro.

Casos Concretos que Fundamentaram a Deliberação

Dois casos específicos foram essenciais para a fundamentação da decisão do Supremo. O primeiro envolvia uma mulher residente em Maceió, Alagoas, que manifestou sua recusa em receber uma transfusão de sangue necessária para a realização de uma cirurgia cardíaca complexa. Subsequentemente, o segundo caso concreto referia-se a uma paciente do Amazonas que exigia da União o custeio de uma cirurgia de artroplastia total em outro estado, com a condição de que o procedimento fosse realizado sem a necessidade de transfusão sanguínea.

Esses exemplos práticos ilustraram a complexidade e a relevância das questões que envolvem a autonomia do paciente e a liberdade religiosa no contexto da saúde. Consequentemente, a resolução desses dilemas pelo STF reforça o arcabouço legal que protege as convicções individuais, ao mesmo tempo em que orienta a prática médica a buscar soluções que respeitem tais crenças, sempre que a ciência e a ética permitirem.

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