O Supremo Tribunal Federal (STF) dará início, em 2 de setembro, ao julgamento crucial do ex-presidente Jair Bolsonaro e de sete aliados, em um processo que investiga a suposta tentativa de golpe de Estado para reverter o resultado das eleições de 2022. Esta sessão inaugural marca uma etapa decisiva na apuração dos fatos relacionados à trama golpista, prometendo desvendar os pormenores das acusações e as respectivas defesas.
O Rito Processual e os Primeiros Passos
A sessão está agendada para as 9h, sob a presidência do ministro Cristiano Zanin, que comanda a Primeira Turma da Corte. Em seguida, o ministro Zanin formalizará a abertura do julgamento, concedendo a palavra ao ministro Alexandre de Moraes, relator do processo. Moraes, por sua vez, apresentará o relatório completo, um documento extenso que sintetiza todas as fases do inquérito, desde o início das investigações até a conclusão das alegações finais – etapa que se encerrou na última quarta-feira, 13 de agosto. Após a leitura detalhada deste relatório, o presidente da turma, ministro Zanin, abrirá espaço para a manifestação da acusação e, posteriormente, para as defesas dos réus.
É relevante destacar que esta ação penal se concentra no que a Procuradoria-Geral da República (PGR) considera o “núcleo crucial” da suposta trama. A competência da Primeira Turma para julgar o caso decorre da participação do ministro Alexandre de Moraes como relator. Ademais, o procedimento adotado neste julgamento encontra respaldo tanto no Regimento Interno do STF quanto na Lei 8.038 de 1990, que estabelece as normas processuais para o tribunal, garantindo, assim, a observância das formalidades legais.
Os Acusados e as Imputações Criminais
Neste primeiro núcleo da denúncia, os réus são figuras proeminentes do cenário político e militar. São eles: Jair Bolsonaro, ex-presidente da República; Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal; Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; Walter Braga Netto, ex-ministro e candidato a vice na chapa de 2022; e Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
Todos os mencionados respondem perante o Supremo Tribunal Federal por uma série de crimes graves. As acusações englobam: organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado por violência e grave ameaça; e deterioração de patrimônio tombado. Contudo, há uma particularidade na situação de Alexandre Ramagem, que, por ser atualmente deputado federal, teve parte das acusações suspensas, conforme prerrogativa constitucional. Ramagem não responderá pelos crimes de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, ambos relacionados aos atos de 8 de janeiro. Não obstante, ele permanece respondendo por golpe de Estado, organização criminosa armada e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
A Voz da Acusação e o Direito à Defesa
A representação da acusação caberá ao procurador-geral da República, Paulo Gonet. Ele terá o prazo de até uma hora para apresentar os argumentos que embasam o pedido de condenação dos réus, delineando a visão do Ministério Público sobre as evidências e a gravidade dos atos imputados. Posteriormente, será a vez dos advogados de defesa dos réus, que terão tempo similar, também de até uma hora para cada um, para realizar suas sustentações orais. Neste momento crucial, as defesas buscarão contestar as acusações, apresentar provas em favor de seus clientes e pleitear a absolvição ou a redução de eventuais penas.
O Processo de Votação e Possíveis Desfechos
Após as manifestações da acusação e das defesas, inicia-se a fase de votação. O primeiro a proferir seu voto será o ministro Alexandre de Moraes. Antes de adentrar o mérito da questão — ou seja, decidir sobre a condenação ou absolvição dos acusados e a eventual fixação de pena —, Moraes abordará as questões preliminares suscitadas pelas defesas. Isso inclui, por exemplo, pedidos de anulação da delação premiada de Mauro Cid, alegações de cerceamento de defesa, solicitações para que o caso seja retirado do STF e os pleitos de absolvição. O ministro poderá optar por deliberar imediatamente sobre essas questões ou agrupá-las para uma votação conjunta com o mérito principal.
A sequência de votação dos demais ministros da Primeira Turma seguirá a ordem: Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e, por fim, Cristiano Zanin. A decisão, seja de condenação ou absolvição, será proferida pela maioria simples, necessitando do voto de três dos cinco ministros que compõem a turma. É importante considerar a possibilidade de um “pedido de vista”, um recurso regimental que permite a qualquer ministro solicitar mais tempo para analisar o processo, suspendendo o julgamento temporariamente. Contudo, caso ocorra, o processo deverá ser devolvido para continuidade do julgamento em um prazo máximo de 90 dias.
Consequências de uma Condenação
Vale ressaltar que a eventual prisão dos réus, caso sejam condenados, não ocorrerá de forma imediata. A efetivação da pena de prisão dependerá do esgotamento de todos os recursos cabíveis contra a condenação, em conformidade com o rito processual. Além disso, no caso de militares, como os cinco oficiais do Exército e um da Marinha que compõem este núcleo, e os dois delegados da Polícia Federal, o Código de Processo Penal (CPP) prevê o direito à prisão especial. Isso significa que, se condenados à prisão, eles não seriam detidos em presídios comuns, mas em instalações específicas que garantem um regime diferenciado.
Por fim, a denúncia sobre a trama golpista foi estruturada pela PGR em quatro núcleos distintos. O “núcleo crucial”, ou núcleo 1, que inclui Jair Bolsonaro, é o primeiro a ser julgado. As demais ações penais, relativas aos outros núcleos, encontram-se atualmente na fase de alegações finais, a última etapa antes de serem levadas a julgamento. A expectativa é que essas outras ações também sejam julgadas ainda no decorrer deste ano, completando, assim, o panorama judicial das investigações sobre a tentativa de golpe de Estado.