O Supremo Tribunal Federal (STF) formou recentemente uma maioria decisiva para invalidar uma liminar que, provisoriamente, autorizava a atuação de enfermeiros em procedimentos de interrupção legal da gravidez. A decisão, tomada pelo plenário em sessão extraordinária virtual, representa uma reviravolta significativa na regulamentação da participação desses profissionais de saúde em casos de aborto previsto pela legislação brasileira.
Contexto da Liminar Original e Sua Reversão
Até o momento, sete ministros votaram pela não manutenção da medida cautelar concedida inicialmente pelo ministro Luís Roberto Barroso. Essa liminar, agora derrubada, havia permitido que enfermeiros desempenhassem um papel ativo em procedimentos de aborto legal. Vale lembrar que a legislação brasileira permite a interrupção da gestação em circunstâncias específicas: quando há risco iminente à vida da gestante, em situações de gravidez resultante de estupro, e também nos casos de gestação de feto anencéfalo.
A decisão provisória de Barroso, estabelecida em uma sexta-feira (17), estava submetida a referendo do plenário. Além disso, o ministro havia determinado, em sua liminar, que os órgãos públicos de saúde não poderiam impor quaisquer obstáculos não previstos em lei para a realização do aborto legal. Essas restrições, segundo o contexto da decisão, frequentemente envolviam questões como a idade gestacional ou a exigência de um registro de ocorrência policial, elementos que Barroso considerava barreiras indevidas ao acesso a um direito garantido.
A Divergência que Levou à Maioria
A divergência em relação ao voto do ministro Barroso foi iniciada pelo ministro Gilmar Mendes. Sua posição foi crucial para a formação da maioria e, consequentemente, foi acompanhada por outros seis ministros. Entre eles, destacam-se Cristiano Zanin, Flávio Dino, Nunes Marques, André Mendonça, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. Com a união desses votos, a balança se inclinou para a derrubada da liminar, modificando o panorama jurídico para os profissionais de enfermagem.
As Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental
A liminar inicialmente concedida por Barroso, conforme detalhado pelo próprio STF, fundamentava-se nas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) de números 989 e 1207. A ADPF 989 foi apresentada por entidades da sociedade civil, como a Sociedade Brasileira de Bioética e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Elas buscavam o reconhecimento da violação massiva de direitos fundamentais na saúde pública, ocasionada pelas diversas barreiras enfrentadas para o acesso ao aborto legal. Portanto, essa ação visava garantir a efetividade do direito à interrupção da gravidez nas hipóteses permitidas por lei.
Paralelamente, a ADPF 1207 foi protocolada por associações de enfermagem em conjunto com o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). O objetivo principal dessa arguição era solicitar que, além dos médicos, outros profissionais de saúde também fossem autorizados a atuar nesses procedimentos. Consequentemente, a liminar de Barroso atendia a essa demanda, buscando ampliar o espectro de profissionais habilitados a prestar auxílio, visando uma maior acessibilidade e efetividade dos serviços de saúde.
Impacto da Decisão Revertida
Na decisão original, o ministro Barroso havia determinado a suspensão de procedimentos administrativos e penais, bem como de processos e decisões judiciais, que estivessem em curso contra profissionais de enfermagem que prestassem auxílio à interrupção da gestação nas hipóteses legalmente admitidas. Essa medida visava garantir a segurança jurídica e profissional desses enfermeiros, protegendo-os de eventuais retaliações ou processos por sua atuação. Entretanto, com a formação da maioria contra a liminar, essa proteção específica é agora revogada.
Em conclusão, a decisão recente do STF reafirma o entendimento de que a participação de enfermeiros em procedimentos de aborto legal requer uma análise rigorosa e potencialmente novas discussões legislativas ou regulatórias. A reintrodução das restrições para esses profissionais, anteriormente flexibilizadas pela liminar, levanta questões importantes sobre a autonomia profissional, o acesso aos serviços de saúde e a interpretação das competências dentro do sistema de saúde brasileiro.