O Calçadão da Resistência, uma iniciativa que celebra jornalistas e defensores da democracia, foi inaugurado na Praça Vladimir Herzog, localizada no centro da capital paulista. Neste espaço simbólico, 51 nomes de personalidades notáveis foram gravados em tijolos, marcando a primeira etapa de uma homenagem duradoura àqueles que lutaram e continuam a lutar pela liberdade de expressão e pelos direitos humanos no Brasil.
Um Memorial Vivo pela Democracia
A Praça Memorial Vladimir Herzog, posicionada estrategicamente atrás da Câmara Municipal de São Paulo e próxima ao Terminal Bandeira, constitui um monumento significativo. Este local recorda o legado do jornalista Vladimir Herzog, assassinado brutalmente pela ditadura militar, e simultaneamente honra a memória de inúmeros outros indivíduos que dedicaram suas vidas à consolidação democrática no país. Para perpetuar essa luta incessante, o espaço agora abriga o Calçadão da Resistência.
Esta obra é um projeto do Coletivo Cultural Associação de Amigos da Praça Memorial Vladimir Herzog, composto por tijolos intertravados que exibem os nomes de jornalistas e outras figuras ilustres. Tais nomes pertencem a agraciados pelo prestigiado Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, estabelecido em 1979. Conforme o plano, o calçadão, ao ser concluído, reunirá os nomes de 1.625 pessoas que já receberam a distinção.
Na manhã desta terça-feira, 26 de outubro, uma cerimônia especial assinalou o início da instalação dos tijolos. A ocasião prestou tributo a 51 vencedores da categoria especial do prêmio, que foi criada em 2009. Entre os homenageados, figuram nomes de grande relevância como Tim Lopes, Sueli Carneiro, Mino Carta, Caco Barcellos, Luiz Gama, dom Paulo Evaristo Arns, Perseu Abramo, Dom Phillips, Rubens Paiva e Ziraldo. Além disso, os trabalhadores da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) também foram reconhecidos, tendo recebido o Prêmio Especial Vladimir Herzog de Contribuição ao Jornalismo em 2022, em virtude de sua resistência em defesa da comunicação pública brasileira.
O Significado do Reconhecimento
Ivo Herzog, filho de Vladimir Herzog e presidente do Conselho Consultivo do Instituto Vladimir Herzog, destacou a fundamental importância do prêmio. “Uma das ações mais relevantes — e que manteve viva a memória do meu pai — é o prêmio de jornalismo Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos”, afirmou ele. O prêmio, ao longo de 47 anos, já laureou mais de 1.500 jornalistas que, consequentemente, produziram reportagens denunciando violações de direitos humanos e agressões contra cidadãos e a sociedade. Segundo Sérgio Gomes, diretor da Oboré Projetos Especiais em Comunicações e Artes, o calçadão representa um monumento. “Assim como Aldir Blanc se referia ao Almirante Negro e as ‘pedras pisadas no cais’, os grandes jornalistas que recebem o Prêmio Vladimir Herzog terão, a partir de agora, este monumento, estes tijolos que indicam o que há de melhor no jornalismo”, explicou Gomes, ressaltando que esta etapa inicial contempla os agraciados com o prêmio especial pelo conjunto da obra.
Mouzar Benedito e a Memória da Resistência
O primeiro tijolo já instalado no Calçadão da Resistência homenageia o jornalista Mouzar Benedito, vencedor da primeira edição do prêmio na antiga categoria Jornal. Presente à cerimônia, Benedito recordou à Agência Brasil seus tempos de pseudônimo Rezende Valadares Netto e sua prisão durante a ditadura militar. “Eu fui fazer jornalismo, mas já era formado em geografia e passei dois anos fugindo para o interior de São Paulo antes de retornar à capital para continuar militando contra a ditadura”, relatou ele. O jornalista explicou que sua militância não era pela luta armada, mas sim pelos jornais alternativos. “Naquela época, tínhamos um sonho quixotesco de mudar o mundo, e conseguimos mudar algumas coisas”, complementou.
Entretanto, Mouzar Benedito expressou um certo pessimismo em relação ao futuro, ainda que reconheça a função vital de sua profissão. “A imprensa é essencial para a democracia, sem dúvida”, pontuou. Ele relembrou um evento no Largo da Batata, durante o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, onde reencontrou colegas das manifestações de 1968. “Quem diria que, beirando os 70 anos, teríamos que correr da polícia de novo?”, questionou, mencionando a repressão com bombas de gás lacrimogêneo. “Naquela época, tínhamos uma militância muito forte e esperança de que, com o fim da ditadura, tudo melhoraria, e a democracia nunca mais correria risco. Mas hoje, não vejo tanta esperança, tenho medo do futuro”, confessou. Apesar das apreensões, ele enfatiza a importância de seguir resistindo.
A Luta Pela Comunicação Pública: O Caso da EBC
Os trabalhadores da EBC foram honrados em 2022 com o Prêmio Especial Vladimir Herzog de Contribuição ao Jornalismo. Este reconhecimento celebrou sua resiliência e combate à censura, ao governismo e à perseguição que se alastraram na empresa durante o governo de Jair Bolsonaro. Para Andre Basbaum, presidente da EBC e entusiasta da democracia, a inclusão do nome dos trabalhadores em um tijolo do Calçadão da Resistência possui uma importância singular, especialmente em um local tão carregado de memória e simbolismo.
“Essa praça é um lugar que evoca a história dolorosa do país, porque ao falarmos de Vladimir Herzog, precisamos lembrar de seu assassinato brutal pelo terrorismo de Estado”, explicou Basbaum. Ele acrescentou que a placa dedicada aos trabalhadores da EBC “mostra o compromisso das empregadas e dos empregados da empresa com a democracia, com o país, com o serviço público, com a comunicação pública, com o jornalismo profissional e com a qualidade da informação”.
A EBC, que completou 18 anos em outubro, trilha agora um caminho de reconstrução após resistir a diversas tentativas de censura e desmantelamento. “Nos dois anos do governo Temer e quatro anos do governo Bolsonaro, houve, de fato, uma tentativa de desmonte da empresa. Ela chegou a entrar na lista de privatização”, recordou Basbaum. No entanto, desde a posse do presidente Lula, a situação se reverteu, e a EBC foi retirada dessa lista. “Agora, estamos em um novo momento. Completamos a maioridade, e este é um grande passo para pensarmos o futuro”, disse o presidente. A empresa planeja um seminário em Brasília, na UnB, com figuras como Eugênio Bucci, Helena Chagas, Tereza Cruvinel, Ricardo Melo e Hélio Doyle, com o intuito de debater a comunicação pública e conceber um novo Fórum Nacional de Comunicação Pública.
Jornalismo como Pilar da Democracia
A Praça Memorial Vladimir Herzog, inaugurada em 2013, é um espaço que, portanto, relembra o assassinato do jornalista Vladimir Herzog em 25 de outubro de 1975, morto sob tortura nas dependências do Doi-Codi durante a ditadura militar. Meio século após a morte de seu pai, Ivo Herzog reitera a função primordial do jornalismo como instrumento democrático. “O Estado Democrático de Direito contempla os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, mas também um quarto poder, que é a imprensa”, destacou. Segundo ele, a imprensa fiscaliza os outros três poderes e informa a sociedade sobre as ações, tanto positivas quanto negativas, do governo eleito, auxiliando os cidadãos a escolher seus representantes em cada ciclo eleitoral.
Sérgio Gomes, por sua vez, defende que a democracia seria inviável sem o jornalismo. “É como uma grande enchente: qual é a primeira coisa que temos que levar às vítimas? Não é comida, mas água potável, um paradoxo. Da mesma forma, excesso de informação equivale à ausência de informação”, argumentou. Ele enfatiza, desse modo, a necessidade de um jornalista profissional, capaz de, com critérios técnicos e éticos, verificar o que é importante, fornecendo um quadro de referência à população. “Sem jornalismo profissional, não há democracia”, concluiu.
Andre Basbaum finalizou enfatizando que a democracia é um exercício diário. “Precisamos nos questionar: ‘o que fiz hoje pela democracia?'”, afirmou. Para ele, agir pela democracia implica ouvir o outro, respeitar e lutar por direitos, compreender o bem coletivo, acatar as regras e reconhecer a verdade factual. “O hábito da democracia deve fazer parte do nosso dia a dia. Herzog é um símbolo disso, e a EBC é fruto dessa luta, um lugar estratégico para pensar e defender a democracia”, concluiu Basbaum. Entre os nomes que adornam os tijolos, encontram-se: Mouzar Benedito, Abdias Nascimento, Alberto Dines, Alex Silveira, Audálio Dantas, Bernardo Kucinski, Caco Barcellos, Cláudio Abramo, D. Angélico Bernardino, D. Paulo Evaristo Arns, Daniel Herz, David de Moraes, Dom Phillips, Dorrit Harazim, Dráuzio Varella, Eduardo Galeano, Elaíze Farias, Elifas Andreato, Élio Gaspari, Fernando Morais, Flávia Oliveira, Gizele Martins, Glenn Greenwald, Glória Maria, Henfil, Hermínio Sacchetta, José Marques de Melo, Kátia Brasil, Laerte, Lourenço Diaféria, Lúcio Flávio Pinto, Luiz Gama, Marco Antônio Coelho, Mauro Santayana, Mino Carta, Neusa Maria Pereira, Patrícia Campos Mello, Perseu Abramo, Raimundo Pereira, Rede Wayuri, Ricardo Kotscho, Rose Nogueira, Rubens Paiva, Sandra Passarinho, Sônia Bridi, Sueli Carneiro, Tim Lopes, Trabalhadores da EBC, Zé Hamiltom Ribeiro, Ziraldo e Zuenir Ventura.



