O Senado Federal aprovou, na última quarta-feira (28), um projeto de decreto legislativo (PDL 717/2024) que suspende a demarcação de duas terras indígenas em Santa Catarina: Toldo Imbu, em Abelardo Luz, e Morro dos Cavalos, em Palhoça. A decisão, tomada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e encaminhada ao plenário da Casa, está diretamente ligada à polêmica lei do marco temporal e gerou forte reação de organizações indígenas, que denunciam violação de direitos.
Suspensão das demarcações e a Lei do Marco Temporal
A aprovação do PDL na CCJ representa um passo significativo para a suspensão das demarcações. Se aprovado também no plenário do Senado, o projeto seguirá para a Câmara dos Deputados. O cerne da controvérsia reside na Lei do Marco Temporal (Lei 14.701), aprovada em 2023 pelo Congresso Nacional e atualmente sob questionamento no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de ação de inconstitucionalidade. O parecer contrário às demarcações, acolhido pelo Senado, argumenta que três decretos presidenciais que homologaram as terras indígenas em questão – um de 1996 e dois de 2024 – contrariam a referida lei.
Em específico, o PDL suspende o artigo 2º do Decreto nº 1.775 de 1996, que regulamenta o processo administrativo de demarcação, além dos decretos de 2024 que homologaram as terras indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) manifestou sua profunda preocupação com a decisão, afirmando que a medida fere os direitos indígenas e coloca em risco todas as demais demarcações no país. A Apib destaca que o processo de demarcação dessas terras foi embasado em fundamentos legais e históricos sólidos.
Divergências entre Senadores e Reação do Governo
A aprovação do PDL na CCJ contou com um desfecho controverso. O relator Alessandro Vieira (MDB-SE) propôs a sustação apenas do artigo do decreto de 1996, preservando as demarcações. Entretanto, a CCJ rejeitou esse parecer. O voto do senador Sérgio Moro (União-PR), que acolheu integralmente a proposta do senador Espiridião Amim (PP-SC), autor do PDL, prevaleceu, resultando na suspensão das demarcações. Moro argumentou que as demarcações ignoraram a nova legislação do marco temporal, aprovada mesmo com a derrubada de um veto presidencial.
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), expressou sua discordância com a decisão, lembrando que o processo de demarcação tem uma longa história, iniciada antes da recente legislação. Ele também destacou a existência de um processo de conciliação no STF para buscar um acordo sobre o assunto, e que um dos decretos já havia sido suspenso pelo Judiciário. Apesar disso, os senadores favoráveis à suspensão rejeitaram a sugestão de aguardar uma decisão definitiva do Supremo. O autor do PDL, Espiridião Amim, justificou sua posição argumentando que, como a suspensão determinada pelo Supremo também é provisória, o Senado deveria agir de forma coerente.
Implicações para os Povos Indígenas e o Debate do Marco Temporal
A Apib criticou duramente o PDL, alertando que ele exacerba a violência no campo, enfraquece a proteção ambiental e representa uma grave ameaça aos direitos indígenas, sendo uma consequência direta da lei do marco temporal. A entidade destaca que as demarcações foram precedidas de estudos técnicos abrangentes e consultas às comunidades afetadas. A Apib também ressalta a discordância da exigência do marco temporal, que ignora a violência histórica sofrida pelas comunidades indígenas que as expulsou de seus territórios, inviabilizando processos de demarcação legítimos. Vale lembrar que, após o STF declarar o marco temporal inconstitucional, o Congresso aprovou uma nova lei reforçando a validade dessa tese, gerando nova ação no Supremo e uma mesa de conciliação proposta pelo ministro Gilmar Mendes, que foi rejeitada pelas organizações indígenas.
Em conclusão, a suspensão das demarcações em Santa Catarina acirra o debate sobre o marco temporal, colocando em confronto a legislação recente e os direitos históricos dos povos indígenas, com o futuro das demarcações pendente de decisões judiciais e do processo legislativo.