O senador Alessandro Vieira (MDB-SE), relator do Projeto de Lei (PL) Antifacção no Senado, propôs recentemente um novo substitutivo ao texto original vindo da Câmara dos Deputados. Esta nova versão inclui uma medida inovadora: a criação de um imposto sobre apostas esportivas e de jogos de azar, popularmente conhecidas como “bets”, com o objetivo de gerar aproximadamente R$ 30 bilhões anuais. O montante será integralmente destinado ao fortalecimento do combate às organizações criminosas e facções em todo o território nacional.
A justificação para essa alocação de recursos é clara e estratégica, segundo o senador. Ele defende que o dinheiro arrecadado será crucial para investimentos em inteligência, aprimoramento da integração entre forças de segurança e modernização da infraestrutura carcerária. Vieira alertou que, à medida que a legislação avança e responde aos anseios da população, haverá um aumento significativo no número de prisões. Dessa forma, é imperativo garantir um investimento adequado para evitar que a solução de um problema não resulte na criação de outro ainda maior.
O substitutivo, formalmente identificado como PL 5582 de 2025, será submetido à análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Entretanto, como é praxe em processos legislativos complexos, cabe um pedido de vista, o que pode postergar sua votação imediata. Posteriormente, devido às alterações significativas realizadas no Senado, o texto deverá retornar à Câmara dos Deputados para uma nova apreciação, garantindo o devido processo bicameral.
Superando Impasses e Redefinindo o Crime Organizado
Na visão do relator, a proposta de aumentar substancialmente os recursos destinados ao Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) possui um mérito adicional: ela resolve uma antiga disputa entre o Poder Executivo e a redação anterior do relatório da Câmara, elaborado pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP), atual secretário de segurança de São Paulo. A controvérsia residia no texto da Câmara, que previa a divisão de recursos e bens apreendidos do crime organizado entre os estados e a União, o que, consequentemente, reduziria a parcela atualmente gerida pelo Executivo federal.
Além disso, o substitutivo de Vieira rejeita a criação de uma lei autônoma específica para “organizações criminosas ultraviolentas”, um conceito presente no texto inicial da Câmara. Essa inovação havia sido alvo de críticas contundentes tanto do governo federal quanto de especialistas da área, os quais argumentavam que a terminologia genérica poderia, na prática, dificultar a correta qualificação e enquadramento das facções. Em contraste, o senador esclareceu que a equipe reformulou a disposição sobre o favorecimento do crime de facção, aproveitando a base da Câmara, mas restringindo os tipos penais para eliminar ambiguidades interpretativas. Nesse sentido, o substitutivo do Senado estabelece um crime específico de facção criminosa dentro da Lei de Organizações Criminosas, definindo grupos que exercem controle territorial por meio de violência, coação e ameaça, com pena prevista de 15 a 30 anos de reclusão.
Equiparação de Milícias e Reestruturação de Fundos
Um ponto crucial adicionado ao substitutivo do Senado é a inclusão de um dispositivo expresso que equipara milícias privadas a facções criminosas. Tal medida visa garantir que esses grupos, que operam com métodos análogos aos das facções, sejam enquadrados sob a mesma rigorosidade legal. Em decorrência dessa equiparação, o relator também propôs o aumento das penas para crimes como homicídio, lesão corporal, roubo, ameaça, extorsão e estelionato, quando comprovadamente praticados por membros de facções criminosas ou milícias privadas. Essa alteração busca fortalecer a punição contra a violência e a intimidação promovidas por esses grupos.
Adicionalmente, o substitutivo do relator estabelece um prazo de 180 dias para que o governo federal apresente uma proposta de reestruturação dos fundos de segurança pública existentes. Vieira ressaltou a existência de sobreposição de funções, desperdício de recursos e uma má alocação generalizada, afirmando que o Brasil, em diversas áreas, não padece da falta de dinheiro, mas sim de uma gestão ineficiente dos mesmos. Portanto, a proposta visa otimizar o uso dos recursos disponíveis.
Em consonância com a busca por uma gestão mais eficaz, o substitutivo altera a governança do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), instituindo a paridade na indicação de seus membros entre a União, os estados e o Distrito Federal. O senador sugeriu, por exemplo, que pelo menos 60% do valor do Fundo seja investido nos estados, e que sua nova composição inclua representantes das cinco regiões do país, garantindo uma discussão mais equitativa sobre a aplicação desses recursos. Atualmente, o FNSP é composto por sete integrantes indicados pela União e apenas dois pelos estados, evidenciando a necessidade de uma representação mais equilibrada.
Preservação do Júri e Salvaguardas Constitucionais
No que tange ao sistema judiciário, o relatório apresentado no Senado manteve a prerrogativa do julgamento por meio de tribunal do júri nos casos de crimes contra a vida cometidos por membros de facções. Esta decisão contrasta com o texto original da Câmara, que havia afastado a competência do júri, sob o argumento de que os jurados estariam mais suscetíveis a pressões dessas organizações. Por outro lado, Alessandro Vieira defendeu enfaticamente que o julgamento de crimes contra a vida por tribunais do júri é uma determinação constitucional inalterável por projeto de lei ordinária. Para mitigar as preocupações da Câmara, contudo, o substitutivo inseriu novos mecanismos específicos de proteção para os jurados que atuarem em casos envolvendo integrantes de milícias e facções.
Finalmente, Vieira também excluiu trechos do projeto aprovado na Câmara que visavam proibir o uso do auxílio-reclusão e restringir o direito ao voto de membros de facções ou milícias. A justificativa para essa exclusão baseia-se na compreensão de que essas disposições afrontariam direitos de status constitucional, os quais não podem ser modificados por legislação infraconstitucional. Assim, o senador reafirma o compromisso com os princípios fundamentais da Constituição Federal no âmbito da segurança pública.



