Carolina Caraballo, da Agência Brasília I Edição: Débora Cronemberger
“Alecrim, alecrim dourado que nasceu no campo sem ser semeado.” A cantiga, entoada por vozes femininas, toma conta de uma fazenda no meio do PAD-DF. Na varanda de uma casa simples, mais de 30 mulheres soltam a voz de mãos dadas. É com a ajuda da música que elas se preparam para compartilhar suas angústias e conquistas, seus medos e suas alegrias.
Em um espaço seguro e amoroso, onde o julgamento não tem vez, as trabalhadoras do campo falam. Uma celebra a formatura do neto. A outra se revolta diante do seu próprio divórcio. Uma jovem chora a relação conflituosa com a mãe, dependente química. Todas ouvem, acolhem, respeitam, compartilham. O relato de experiências semelhantes traz uma nova perspectiva para quem se sente perdida diante dos seus problemas.
Ao final, elas se abraçam, cantam e dançam. Respiram aliviadas como quem tira um peso das costas. E termina, assim, mais uma roda de Terapia Comunitária Integrativa (TCI). Desde junho de 2022, o projeto da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (Emater-DF) leva apoio psicológico a cerca de 80 mulheres da zona rural. As sessões quinzenais são feitas em São Sebastião, PAD-DF, Rio Preto, Vargem Bonita e Itaquara.
A TCI é uma prática genuinamente brasileira. Foi criada pelo psiquiatra Adalberto Barreto, que, trabalhando em uma comunidade carente do Ceará, incentivava as pessoas a falarem sobre suas dores como forma de encontrar a solução dos seus problemas. “É um método muito eficaz, que pode ser aplicado por qualquer profissional, sem a necessidade de ter uma formação em psicologia”, afirma Maria Bereza, assistente social da Emater-DF.
As sessões organizadas pela empresa pública são comandadas por 12 terapeutas voluntárias formadas no método, que atuam como facilitadoras das conversas. “A premissa da terapia comunitária é: se tem problema na roda, tem solução também”, ensina Maria. “No momento em que a pessoa fala da sua dor, ela pode encontrar outra que tenha passado por uma dor parecida. E que fez algo para superar aquela situação difícil”.
Mudança de vida
Participar das rodas de TCI foi um divisor de águas para a futura professora Fernanda Dias, como a própria jovem de 17 anos gosta de se apresentar. A moradora do PAD-DF tem uma história de vida difícil, marcada principalmente pela ausência materna. A frustração, o sentimento de rejeição e um impressionante amadurecimento precoce estão presentes nas falas da jovem em mais de um ano de terapia comunitária.
“Cheguei aqui grávida, achando que era uma simples roda de conversa. Mas encontrei muito mais do que isso”, conta Fernanda. “Encontrei acolhimento, ajuda. Aqui, eu falo, sou ouvida, conheço histórias de superação e posso contar com a experiência de mulheres mais velhas para enxergar meus problemas com outros olhos. É um empoderamento, né? Tem sido muito importante pra mim.”
A terapia abriu os olhos de Fernanda para a busca por uma carreira. A jovem começou a fazer cursos voltados para administração e pedagogia e já está matriculada para retomar os estudos no próximo ano. “Vou concluir o ensino médio e me tornar professora. Porque esse é o meu sonho. E se outras mulheres que passaram por histórias parecidas com a minha conseguiram, eu também vou conseguir”, garante a jovem.
Resposta rápida
A profundidade que as sessões de terapia comunitária alcançam impressiona a terapeuta Fernanda Ramos Martins. Voluntária do projeto há um ano, ela se surpreende com os resultados das rodas. “As mulheres rurais conseguem falar de suas dores e traçar estratégias para superá-las de forma muito pragmática”, avalia. “O problema existe e elas estão lá para buscar a solução. É descomplicado”.
A terapeuta ressalta que, no campo, a vivência de outras mulheres costuma ser mais valorizada do que no meio urbano. “Para elas, basta conhecer uma história de superação para que passem a acreditar na mudança de suas histórias”, observa Fernanda. “Essas mulheres se fortalecem com as experiências umas das outras”.
Para a produtora rural Lázara Pereira da Rocha, 44 anos, escutar a história de vida de outras mulheres é transformador. “Eu sofri muito na infância, saí de casa muito nova. E isso sempre refletiu na forma como tratava meus filhos, meu marido”, aponta. “Na terapia, abro meu coração, conheço gente que já passou por coisas que eu passei. Isso me ajuda a buscar uma solução para meus problemas e, principalmente, traz um grande alívio”.
Lázara diz que foi nas sessões que ela aprendeu a respeitar e acolher com mais amor e carinho seus filhos. Foram as rodas que a ensinaram a ser uma mãe melhor. “Eu tive meu primeiro filho com 15 anos, era muito nova na época. Não tinha quem me ensinasse nada”, recorda. “Aprendi a ter mais paciência dentro de casa, a ser mais harmoniosa com minha família e até com meus vizinhos. Tem sido um processo bonito”.
Fonte: Agência Brasília – https://www.agenciabrasilia.df.gov.br/2023/11/26/rodas-de-terapia-levam-acolhimento-para-mulheres-do-campo/