No Rio de Janeiro, uma iniciativa pioneira está revolucionando o combate à reincidência de agressores de mulheres. Em um presídio de São Gonçalo, grupos reflexivos demonstraram um sucesso notável, reduzindo a taxa de reincidência para um patamar mínimo de apenas 1,5%, um resultado inédito e altamente promissor no país.
Programa de Reeducação Reduz Drasticamente Reincidência
O Serviço de Educação e Responsabilização do Homem (SerH), implementado na Cadeia Pública Juíza Patrícia Acioli, em São Gonçalo, tem sido fundamental para essa transformação. Desde dezembro do ano passado, aproximadamente mil internos condenados por violência de gênero já participaram das atividades. Por conseguinte, os resultados preliminares são impressionantes.
De acordo com os dados, dos 195 homens que já cumpriram suas penas e deixaram o sistema prisional, apenas três foram novamente denunciados por novas agressões ao longo de seis meses de acompanhamento. Este índice de 1,5% representa uma queda drástica em comparação com a taxa anterior de 17% observada na região. Além disso, essa redução evidencia a eficácia da abordagem.
A participação no SerH é estritamente voluntária e não oferece nenhum benefício de redução de pena. Após a conclusão das sentenças, todos os participantes são monitorados por um ano, a fim de verificar qualquer registro de reincidência. O programa prevê a realização de oito sessões coletivas, cada uma com 50 minutos de duração. Nessas sessões, grupos de até 35 homens debatem intensamente sobre masculinidade e as diversas formas de violência contra as mulheres. Consequentemente, o principal objetivo é promover a reflexão e a responsabilização dos agressores por seus atos, visando uma mudança efetiva de comportamento.
Quebrando o Ciclo da Violência
Luciano Ramos, diretor do Instituto Mapear, organização responsável pela condução das atividades, explica que a unidade prisional frequentemente recebia homens condenados repetidamente por violência de gênero. “São homens que apresentam padrões elevados de violência. Eles entram na cadeia acreditando que estão naquela situação porque a mulher os colocou ali e permanecem nutrindo essa revolta”, destaca Ramos. Ele complementa que, por meio de uma metodologia própria, os grupos reflexivos os ajudam a compreender que foram seus próprios atos que os levaram à prisão, uma vez que cometeram crimes previstos em lei. Portanto, o projeto busca ativamente quebrar esse ciclo vicioso.
A secretária de Estado da Mulher, Heloisa Aguiar, ressalta a inovação do projeto. Segundo ela, esta é a primeira vez no Brasil que um programa com este modelo e nesta escala é desenvolvido dentro de uma unidade prisional. “Investimos em fazer diferente porque precisamos de resultados diferentes”, declarou a secretária, sublinhando a necessidade de abordagens inovadoras para obter êxito.
Impacto nas Percepções e Consciência
O SerH divulgou os resultados de uma pesquisa que avaliou o perfil dos participantes e mensurou seu aprendizado após as oito sessões reflexivas. Os questionários, aplicados antes e depois dos grupos, revelaram uma mudança significativa na percepção dos participantes.
Em primeiro lugar, o entendimento de que forçar a parceira a ter relações sexuais constitui violência subiu de 83,4% para 91,6%. Além disso, a compreensão de que esconder dinheiro e documentos é uma forma de violência patrimonial aumentou de 34% para impressionantes 76,5%. Ademais, 80% dos participantes reconheceram, após o programa, que controlar a vestimenta da companheira configura violência psicológica, um percentual que era de apenas 57,1% anteriormente. Essas mudanças demonstram a eficácia do programa em educar e transformar mentalidades.
Os primeiros resultados do projeto, que é uma parceria entre as secretarias estaduais da Mulher e de Administração Penitenciária, foram apresentados durante o Seminário Nacional sobre Masculinidades e Prevenção às Violências, realizado na capital fluminense. Marcos Nascimento, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, que estuda masculinidades e violência de gênero, participou do evento e enfatizou que a estratégia dos grupos reflexivos já é reconhecida e, inclusive, está prevista na Lei Maria da Penha. “Se os homens são parte do problema, eles precisam ser considerados como parte da solução do problema”, afirmou Nascimento. Ele prossegue, explicando que a possível ressignificação dessa masculinidade e a responsabilização por esses atos são cruciais para a proteção de mulheres e meninas. Embora os conflitos continuem a existir, o pesquisador defende a necessidade de aprender formas alternativas à violência para resolvê-los. Ele finaliza afirmando que, embora os meninos sejam socializados para resolver conflitos baseados em violência, a violência não é patológica, mas sim um produto social que deve ser enfrentado de diferentes maneiras.
Perfil dos Participantes
O levantamento das informações básicas dos participantes do SerH revelou um perfil demográfico e social específico. A maioria dos envolvidos, por exemplo, tem até 34 anos, sendo que quase 40% deles possuíam menos de 23 anos. Isso sugere que o programa atinge um público jovem.
Além disso, 73% dos participantes se declararam negros, e 63,4% identificaram-se como evangélicos. Um terço significativo do grupo não completou sequer o ensino fundamental, indicando desafios educacionais. A dependência de substâncias também se mostrou um fator relevante: 64% declararam adição em álcool, 38% em cocaína e 28% em crack. Posteriormente, verificou-se que 26% afirmaram ter vício em jogos. Quanto aos motivos da prisão, 45% estavam detidos por violência física, 31% por algum tipo de violência psicológica ou verbal e 20% por terem descumprido medidas protetivas. Em conclusão, esse perfil abrangente auxilia na compreensão e adaptação das estratégias de intervenção.