Um novo relatório divulgado pela organização global da sociedade civil Oxfam revela uma disparidade alarmante nas emissões de carbono, indicando que o 0,1% mais rico da população mundial é responsável por uma pegada de carbono 400 vezes maior do que a metade mais pobre do planeta. Além disso, essa minúscula parcela de super-ricos consumiu impressionantes 89% do orçamento de carbono do planeta desde 1990, acelerando o aquecimento global e intensificando a crise climática global.
A Desigualdade Climática em Foco
De acordo com o relatório “Saque Climático: como poucos poderosos estão levando o planeta ao colapso”, lançado nesta quarta-feira (29), a elite global de alta renda emite, em apenas um dia, mais gases do efeito estufa do que metade das pessoas mais pobres. Para ilustrar, um indivíduo pertencente ao grupo de menor poder aquisitivo gera, em média, dois quilos de gás carbônico equivalente (CO₂e) diariamente. Por outro lado, uma pessoa do segmento mais rico produz, em média, 800 quilos de CO₂e por dia, uma proporção chocante de 400 para um.
O estudo da Oxfam utiliza cálculos do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC) como base. Em 1990, o IPCC estimou um limite de 1.149 Gigatoneladas (Gt) de CO₂e como o orçamento restante para garantir 50% de chance de conter o aquecimento global em 1,5 graus Celsius (°C) acima dos níveis pré-industriais, conforme as metas do Acordo de Paris. Entretanto, os dados atuais apontam para um cenário preocupante de consumo acelerado desse orçamento crítico.
Tendências de Emissão e Consumo do Orçamento de Carbono
Desde 1990, a participação do 0,1% mais rico nas emissões globais de CO₂ aumentou em 32%, enquanto a fatia da metade mais pobre da população mundial diminuiu em 3%. Este contraste acentuado demonstra como a desigualdade econômica se traduz diretamente em desigualdade climática. Conforme o relatório, nos últimos 24 anos, as emissões continuaram a subir, e alarmantes 89% desse orçamento de carbono remanescente já foram consumidos, deixando o planeta em uma situação precária.
Viviana Santiago, diretora-executiva da Oxfam Brasil, enfatiza que os achados do estudo reforçam a premissa de que os maiores contribuidores para as mudanças climáticas devem assumir a liderança na resolução do problema. Ela argumenta que o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, deve nortear as ações dos países na crise climática, refletindo também em nosso modo de vida enquanto sociedade.
Ainda mais revelador, os pesquisadores calcularam que se toda a população mundial adotasse o padrão de emissão de gases do efeito estufa dos mais ricos, o limite de emissões necessário para evitar um colapso climático seria esgotado em menos de três semanas. Isso sublinha a insustentabilidade do consumo e do estilo de vida dessa elite. “Essas pessoas possuem um estilo de vida particular, e a maneira como geram suas riquezas e consomem está intrinsecamente ligada à emissão de carbono. É uma emissão completamente desproporcional em relação ao resto do planeta”, explica Viviana Santiago.
Diante dessa realidade, os especialistas da Oxfam propõem uma redução drástica. Para manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C, os indivíduos mais ricos precisariam reduzir suas emissões individuais em 99% até 2030, uma meta ambiciosa, porém crucial.
A Urgência da Redução de Emissões e o Papel dos Investimentos
A questão não se limita apenas ao consumo direto, mas também se estende aos investimentos. Com seu imenso poder financeiro, a pequena fração mais rica da população global emite gases do efeito estufa indiretamente por meio de suas aplicações financeiras. O relatório detalha que 60% desses investimentos são direcionados a atividades econômicas de alta emissão, como petróleo, gás e mineração. Por conseguinte, um bilionário médio produz cerca de 1,9 milhão de toneladas de CO₂e por ano somente através de seus investimentos, evidenciando o vasto impacto de suas decisões financeiras.
Influência Política e Recomendações para a Ação Climática
Além de perpetuar padrões de consumo que impactam o clima, os investimentos dos mais ricos também financiam uma influência significativa em ambientes de tomada de decisão, como a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP). O relatório da Oxfam cita a COP29, que ocorreu em Baku, Azerbaijão, em 2024, como um exemplo. Nesta conferência, foram credenciadas 1.773 pessoas com ligações diretas aos setores de carvão, petróleo e gás. Notavelmente, essa delegação superou a média de participantes de todos os representantes dos dez países mais vulneráveis ao clima.
A diretora-executiva da instituição reforça essa observação: “Percebemos como esse poder e essa riqueza, de potenciais poluidores que constroem a crise climática, também estão presentes nesses espaços onde o mundo tenta construir acordos para conter o aquecimento global.” Por outro lado, a presença de tantos representantes da indústria de combustíveis fósseis levanta sérias questões sobre a integridade das negociações climáticas.
Em conclusão, o relatório apresenta recomendações claras para mitigar os impactos climáticos causados pela concentração de riqueza. Entre as medidas sugeridas estão a taxação e a limitação da atuação de super-ricos em ambientes de incidência política sobre decisões globais, uma melhor distribuição do orçamento climático global e o fortalecimento da participação da sociedade civil e de grupos tradicionais. Amitabh Behar, diretor-executivo da Oxfam Internacional, sintetiza a situação: “A crise climática é uma crise de desigualdade. Os indivíduos mais ricos do planeta financiam e lucram com a destruição do clima, enquanto a maioria da população mundial paga o preço das consequências fatais do seu poder sem controle.”



