O senador Alessandro Vieira (MDB-SE), relator da chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem, solicitou formalmente a rejeição integral da matéria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, nesta quarta-feira (24). O parlamentar emitiu um alerta contundente, argumentando que a aprovação da proposta representaria um perigoso precedente, abrindo as portas do Congresso Nacional ao crime organizado e comprometendo a integridade da instituição legislativa.
Crítica Contundente: “Portas Abertas ao Crime Organizado”
Alessandro Vieira sustentou que a PEC 3, de 2021, não tem como objetivo primordial a defesa do exercício do mandato parlamentar, ao contrário do que afirmam seus defensores. Na verdade, segundo ele, a intenção subjacente é conceder uma proteção indevida a deputados e senadores contra processos criminais. Ao ler seu parecer na CCJ do Senado, o senador sergipano classificou a proposta como um “golpe fatal” na legitimidade do Congresso.
Nesse sentido, ele enfatizou que a emenda constitucional pode transformar o Poder Legislativo em um refúgio seguro para indivíduos envolvidos em atividades ilícitas. Consequentemente, a PEC da Blindagem seria uma medida que, de fato, facilitaria a entrada do crime organizado nas esferas do Congresso Nacional, ameaçando a soberania e a ética parlamentar.
A proposta em questão exige que a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal autorizem previamente, por meio de voto secreto, a abertura de processos criminais contra seus membros. Entretanto, até o momento da votação na CCJ, nenhum senador havia se manifestado favoravelmente à PEC. Por outro lado, a matéria já havia sido aprovada na Câmara com uma expressiva maioria, obtendo 353 votos no primeiro turno.
Obstáculos à Justiça e a Incompatibilidade com o Mandato Parlamentar
Para o relator, a criação de barreiras para a investigação de crimes graves, como homicídio, corrupção passiva, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, é incompatível com a proteção legítima dos mandatos parlamentares. Ele ressaltou que a população demonstrou sua insatisfação em protestos recentes, especialmente no domingo (21), contra a proposta e suas possíveis implicações.
Além disso, Vieira refutou a tese de que a atividade parlamentar estaria sendo cerceada no Brasil, uma narrativa frequentemente defendida pela oposição e por figuras como o presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB). Motta havia argumentado que alguns parlamentares estariam sendo processados por “crime de opinião”.
Análise de Casos Específicos e a Imunidade Parlamentar
Em contrapartida, Alessandro Vieira desafiou essa premissa, salientando que muitos parlamentares proferem discursos contundentes, inclusive críticas a decisões de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), sem que isso resulte em processos. Ele citou “casos raros” de processos relacionados a discursos, como o do deputado governista André Janones (Avante-MG), alvo de queixa-crime do ex-presidente Jair Bolsonaro por proferir ofensas. De igual modo, mencionou os deputados de oposição Gilvan da Federal (PL-ES) e Gustavo Gayer (PL-GO), que respondem a queixas-crime da deputada federal Gleisi Hoffman (PT-RS) por declarações consideradas ofensivas.
Nesse contexto, o relator ponderou que, em situações como as de Janones, Gilvan e Gayer, é “absolutamente impossível atrelar tais agressões ao legítimo exercício do mandato parlamentar”. Ademais, ele garantiu que, mesmo nesses casos, a proteção constitucional a opiniões, palavras e votos dos parlamentares já é assegurada, o que reforça a redundância da PEC.
Salvaguardas Constitucionais e a Experiência Histórica
Vieira argumentou que o §3º do Art. 53 da Constituição Federal já prevê a sustação do processo, tornando a emenda apresentada “completamente inútil na prática”. Ele também frisou que a imunidade de opinião, palavras e votos de parlamentares não é absoluta, citando uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reitera a não aplicabilidade da imunidade material a pronunciamentos difamantes, injuriosos ou caluniosos sem vínculo com a atividade parlamentar.
Posteriormente, o senador defendeu a Emenda Constitucional nº 35, aprovada em 2001, que eliminou a exigência de autorização prévia para processar parlamentares. Ele lembrou que, nos 13 anos anteriores a essa emenda, de quase 300 pedidos de investigação, apenas um foi aprovado pela Câmara dos Deputados, contra o deputado Jabes Rabelo, acusado de receptação de veículo roubado. Isso demonstra, portanto, a ineficácia do sistema anterior de “blindagem”.
Senadores Mudam de Posição Diante da Repercussão Pública
A discussão na CCJ também revelou uma mudança de posicionamento de outros parlamentares. O senador Jorge Seif (PL-SC), por exemplo, retirou um voto em separado que havia apresentado para manter a PEC, embora com algumas alterações. Sua decisão ocorreu após a leitura do parecer do relator.
Jorge Seif justificou sua mudança, afirmando que, embora a PEC tenha surgido de uma demanda parlamentar por queixas de “pressões” do STF, os componentes adicionados à proposta — como o voto secreto e a extensão do foro privilegiado a presidentes de partidos — “envenenam a massa”. Ele reconheceu, além disso, que a população, independentemente de ideologia política, tem se manifestado contra a proposta, exigindo sensibilidade dos legisladores às “vozes das ruas”.
Em conclusão, o senador Eduardo Girão (Novo-CE), defensor da tese de “perseguição política” pelo Supremo, avaliou que a Câmara “errou na mão” ao propor uma reação tão abrangente aos processos contra parlamentares. Girão criticou enfaticamente a ideia de voto secreto para a admissibilidade de processos contra parlamentares, classificando-a como algo que “não faz o menor sentido” no século 21.