A Justiça do Trabalho impôs uma condenação à empresa Valor Ambiental, sediada em Brasília, obrigando-a a pagar uma indenização de R$ 15 mil a um varredor de rua. O trabalhador foi desligado de suas funções após denunciar episódios de preconceito e xingamentos motivados por sua fé na umbanda. A decisão judicial reconheceu que o funcionário foi vítima de racismo religioso, determinando a responsabilidade da companhia, que presta serviços de limpeza urbana no Distrito Federal.
A Decisão Judicial e Suas Implicações
Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) proferiu uma sentença que não apenas reconheceu o racismo religioso no ambiente de trabalho, mas também estabeleceu um precedente significativo. Essa resolução, datada do último dia 23, surge como um farol para outras pessoas que enfrentam violências semelhantes. Portanto, profissionais que são alvo de discriminação no ambiente corporativo têm o direito assegurado de buscar um espaço de trabalho pacífico, livre de preconceitos baseados em suas crenças.
Prevalência da Discriminação no Ambiente de Trabalho
Lamentavelmente, a discriminação no local de trabalho não representa um incidente isolado no Brasil. De acordo com informações do Ministério Público do Trabalho (MPT), as denúncias de discriminação, englobando questões de cor, origem ou etnia, alcançaram a marca de 515 até o dia 31 de julho. Em comparação, o ano anterior registrou 718 casos. Ademais, no que tange especificamente à discriminação contra religiões de matriz africana, como o ocorrido com o varredor na capital, o MPT enfatiza a crucial importância de registrar e denunciar esses atos criminosos.
A Manifestação do Preconceito e a Segregação
Danielle Olivares Corrêa, procuradora e coordenadora nacional da iniciativa de promoção da igualdade de oportunidades e eliminação da discriminação no trabalho, esclarece que o preconceito pode se manifestar de diversas formas sutis e explícitas. Por exemplo, piadas jocosas e a estigmatização de religiões de matrizes africanas são indicadores claros de discriminação. Nesse sentido, ela lamenta que tal preconceito frequentemente resulte no isolamento do indivíduo dentro de um grupo de trabalho. Além disso, a segregação pode vir tanto de colegas quanto de superiores hierárquicos, que podem, intencionalmente, reter a atribuição de certas tarefas ou engajar-se em brincadeiras inapropriadas. A procuradora denomina essas práticas como “racismo recreativo”, o qual também pode impedir a ascensão profissional do trabalhador, negando-lhe oportunidades de promoção.
Estratégias para Denúncia e Coleta de Provas
A procuradora Danielle Olivares reitera a importância fundamental de que as vítimas de comentários preconceituosos busquem os canais de denúncia. Primeiramente, o canal institucional da empresa pode ser acionado, seguido por instâncias externas, como a delegacia de polícia e o Ministério Público. Conforme ela pondera, “um caminho não exclui os outros”, indicando a multiplicidade de recursos disponíveis. Contudo, um dos maiores desafios é a obtenção de provas que corroborem a discriminação. A principal evidência, segundo ela, é a testemunhal, que provém de pessoas que presenciaram a conduta assediadora. Entretanto, o racismo também pode se manifestar em ambientes digitais, como redes sociais ou aplicativos de mensagens. Desse modo, é legítimo, inclusive, gravar conversas discriminatórias para uso em um futuro processo judicial. É vital que as empresas estabeleçam políticas internas robustas de combate ao racismo. Por exemplo, a criação de comitês de diversidade e a implementação de programas de educação para os trabalhadores são medidas eficazes para fomentar essa discussão e conscientização.
Legislação e Conscientização Antirracista
Para fortalecer a luta contra o racismo, a procuradora sugere a formação de parcerias estratégicas com coletivos negros e organizações antirracistas. Tais colaborações podem fomentar programas de incentivo à educação, cruciais para que situações de racismo sejam devidamente reconhecidas e combatidas. Essa temática, inclusive, deve ser parte integrante das capacitações sobre assédio moral oferecidas aos trabalhadores. A Lei nº 9.029, promulgada em 13 de abril de 1995, proíbe explicitamente todas as formas de discriminação racial nas relações de trabalho. Consequentemente, o empregador que negligencia a prevenção da discriminação em seu ambiente de trabalho pode enfrentar severas penalidades, incluindo multas e restrições para obter empréstimos em bancos públicos. Além disso, a empresa pode ser condenada a pagar indenização por dano moral coletivo em ações civis públicas movidas pelo Ministério Público do Trabalho. Nesse cenário de discriminação profissional, a mulher negra, lamentavelmente, encontra-se em uma posição ainda mais vulnerável do que os homens. Isso se deve, em parte, ao fato de já receber os menores salários, com uma média salarial 52,5% inferior à dos homens não negros, conforme levantamento dos ministérios da Mulher e do Trabalho e Emprego, divulgado em abril.
Detalhes do Caso: Demissão e Condenação
No que concerne ao caso do varredor de rua em Brasília, a empresa alegou que a demissão se deu por “baixa performance do empregado”, em meio a um suposto processo de reestruturação interna. No entanto, o Tribunal Regional do Trabalho, após analisar minuciosamente as provas documentais e testemunhais, concluiu que o trabalhador de fato foi alvo de racismo religioso. Assim, a corte verificou que o desligamento ocorreu pouco tempo depois que o funcionário levou suas queixas de tratamento preconceituoso aos superiores hierárquicos da Valor Ambiental. Na sentença, o juiz Acélio Ricardo Vales Leite, da 9ª Vara do Trabalho de Brasília, considerou que a empresa falhou em tomar quaisquer providências, mesmo após as denúncias apresentadas pelo empregado. Posteriormente, em segunda instância, o desembargador Pedro Luís Vicentin Foltran reforçou que a omissão do empregador diante de atos de racismo religioso constitui uma clara violação à dignidade do trabalhador, impondo, portanto, a responsabilização civil da empresa. O desembargador enfatizou que “a violência verbal também é violência” e que, para além de um mero xingamento, o reclamante, por ser seguidor da umbanda, sofreu racismo religioso por não professar religiões de origem eurocêntrica, advindas do cristianismo. Por conseguinte, a Valor Ambiental foi condenada a indenizar o trabalhador em um valor correspondente ao dobro de seis de seus salários, e a decisão de reconhecer o direito ao adicional de insalubridade em grau máximo (40%) devido às condições profissionais foi mantida.
Posicionamento da Empresa Ré
Em nota oficial, a Valor Ambiental manifestou “perplexidade” diante da decisão judicial. A empresa argumentou que a condenação teria sido fundamentada em um depoimento do empregado, colhido durante o período de seu aviso prévio. Além disso, a Valor Ambiental refutou a existência de provas que atestem o racismo religioso, afirmando que as alegações de discriminação só chegaram ao seu conhecimento após o ajuizamento da ação judicial. Por fim, a empresa declarou que irá recorrer da decisão, buscando reverter o veredito.