Edição Brasília

Priscilla é trágico conto de fadas com Elvis como príncipe às avessas

Do primeiro quadro até a última cena de Priscilla, a diretora Sofia Coppola não esconde qualquer intenção de repetir os temas que a fizeram brilhar no cinema. A trajetória da renomada cineasta é recheada de histórias sobre jovens crescendo numa cultura de opressão ou relacionamentos que englobam a forma dura e diminutiva com que olham para mulheres.

Agora, adaptando o livro de Priscilla Presley, a primeira esposa de Elvis, sobre sua própria vida, ela monta um conto de fadas infantil que se transforma ao passo que a protagonista amadurece e vê seus próprios sonhos destruídos. Dizer que Priscilla é uma história de princesa não é exagero. Coppola faz questão de trazer à superfície todo o encantamento que a jovem tem pelo Rei do Rock, dando a ela as cores e maquiagem que a tornam o bibelô tão desejado por Elvis.

O triunfo do filme, porém, está na sutileza com que desconstrói essa fantasia sem perder a estética de sonho e assume a coragem de expor o comportamento problemático de um dos maiores artistas da Terra. Sob os olhos de Priscilla, pouco há para se falar do gênio Elvis, mas muito para se discutir sobre o homem que ali vivia e se negava a crescer.

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Diferente da cinebiografia de Baz Luhrmann, que esquece qualquer traço de polêmica na vida do astro, Priscilla toca músicas de Elvis como pano de fundo, mas as faz dividir espaço com vários outros cantores. Não existem performances, momentos de êxtase, nada. Existe a visão idealizada da jovem de 15 anos que conheceu um ídolo, se apaixonou e testemunhou a quebra de cada perfeição construída pela mídia ou por ela mesma.

Enquanto quebra as expectativas, Coppola dá espaço para Priscilla questionar o relacionamento com um olhar no consentimento revoltado de uma adolescente. Ao mesmo tempo, ela impõe a sexualidade feminina como um traço crucial na protagonista, que se descobre e se decepciona com o amor da sua vida.

Interpretada de forma serena por Cailee Spaeny, Priscilla serve como veículo perfeito para a dolorosa exposição da infantilidade de Elvis. Assim, o cantor vira. aos poucos, um príncipe encantado às avessas, ainda mais colocado sob uma lente contemporânea, devido ao amor pelas armas, adultérios, drogas e tratamento agressivo às mulheres ao seu redor (caso ela não fossem serviçais).

Este Elvis uma figura quase impossível de se gostar, se não fosse por Jacob Elordi. O ator de Euphoria compõe o personagem na medida certa para vermos um adulto que se nega a crescer, enquanto sua esposa o faz de forma obrigatória devido aos problemas causados por ele — de agressões até cárcere privado.

Por mais que Priscilla seja outro fábula de Coppola sobre amadurecimento feminino, o filme parece mais um testemunho consternado do que um debate temático como Maria Antonieta ou As Virgens Suicidas. A dor sentida pela protagonista ao longo do terceiro ato é calada e contida, culminando com “I’ll Always Love You” para dar à música a sensação de uma carta de amor que também sofreu com a opressão de anos dentro de Graceland. Esse cinismo quase velado é o que torna Priscilla especial, ainda que careça da acidez conhecida de Coppola, que opta por uma abordagem menos intimidadora de seus objetos de estudo.

Tudo bem que transformar o Rei do Rock em um garoto mimado por amigos e incapaz de satisfazer a própria esposa não é algo simples para um símbolo de virilidade como Elvis. Por outro lado, a leveza com que o texto da própria Coppola leva estes problemas não se ajusta à forma sombria que o relacionamento se desdobra, fazendo o conto permanecer encantador demais para uma tragédia de anos atrás, mas com traços tão contemporâneos.

Priscilla será lançado nos cinemas brasileiros em 26 de dezembro

Fonte: https://www.chippu.com.br/criticas/priscilla-elvis-presley-sofia-coppola-critica-cailee-spaeny-jacob-elordi

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