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Povos Ciganos: luta por inclusão e políticas públicas no Brasil

No Dia Nacional do Povo Cigano, lideranças romani cobram inclusão no Censo, acesso a políticas públicas e a aprovação do Estatuto dos Povos Ciganos, denunciando séculos de perseguição e invisibilidade no Brasil, onde vivem entre 800 mil e 1 milhão de pessoas. O recente Plano Nacional de Políticas para Povos Ciganos representa um avanço, mas a luta por direitos básicos continua.
Direitos ciganos Brasil
Foto: Aluízio de Azevedo/Arquivo pessoal

No Dia Nacional do Povo Cigano, comemorado em 24 de maio, lideranças da comunidade romani no Brasil reforçaram suas demandas por inclusão social e políticas públicas efetivas. A luta por direitos básicos, como moradia, educação e trabalho, continua intensa, apesar do recente avanço representado pela criação do Plano Nacional de Políticas para Povos Ciganos.

Uma história de resistência e invisibilidade

O povo romani, composto principalmente pelas etnias calon, rom e sinti, possui uma rica história marcada por séculos de diáspora e perseguição, mas também por uma forte cultura e tradição. Entretanto, apesar desse legado, a comunidade cigana permanece entre os grupos mais invisibilizados do país, com pouca representatividade no debate público e nas políticas governamentais. Assim, a busca por direitos fundamentais se torna ainda mais desafiadora.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estima-se que entre 800 mil e 1 milhão de ciganos vivam no Brasil. Essa população, também conhecida como romani, enfrenta um histórico de discriminação que remonta a séculos. Além disso, a comunidade cigana sofreu higienização étnica, genocídio e perseguição, incluindo atos violentos perpetrados pelos nazistas. Ironicamente, considerando sua presença no Brasil desde pelo menos 1574, quando João Torres, um calon, chegou ao país vindo de Portugal, acompanhado de sua família.

Séculos de perseguição e as consequências atuais

A perseguição aos ciganos se intensificou ao longo dos séculos. Por exemplo, em 1686, Portugal iniciou a deportação de ciganos para o Brasil, inicialmente para colônias africanas e, posteriormente, para o Maranhão. Aluízio de Azevedo, multiartista, pesquisador, ativista e produtor cultural da etnia calon, destaca a forte ligação histórica de seu povo com a Península Ibérica, mesmo sem origem direta na região. Ele explica que a repulsa dos colonizadores portugueses aos calon era replicada no trato com outras etnias ciganas.

Azevedo detalha as políticas repressivas de Portugal e Espanha, que proibiam os ciganos de falar sua língua, praticar ofícios tradicionais, como a leitura de mãos, e de permanecer por mais de 48 horas em um mesmo lugar, forçando, portanto, o nomadismo. “Portugal e Espanha sempre rejeitaram muito os ciganos e os proibiam de falar a sua língua, de praticar ofícios tradicionais, como a leitura de mãos, de uma série de coisas. Por exemplo, de ficar mais de 48 horas em um mesmo lugar. Daí o nomadismo ser uma coisa um pouco forçada. E as penas eram degredo para seu país e suas colônias”, afirma Azevedo. Esse legado de repressão, segundo ele, se estendeu ao Brasil, tanto no período colonial quanto após a independência, perpetuando um “modus operandi” de exclusão.

Ainda segundo Azevedo, “Durante séculos, o Estado brasileiro foi muito mau com os ciganos, foi muito ruim. Inclusive, ocorreram episódios que ficaram conhecidos como as correrias ciganas, que era a polícia invadir acampamento, matar todo mundo e provocar a correria de todo mundo em fuga”. Ele completa: “Isso aconteceu até muito recentemente, com mais força até a década de 1970, mas ainda acontece”.

Demandas presentes e a luta por reconhecimento

Atualmente, os principais desafios enfrentados pela comunidade romani no Brasil são o racismo, o preconceito e a falta de acesso a políticas públicas específicas. Wanderley da Rocha, presidente administrativo da Associação Nacional das Etnias Ciganas (Anec), reforça a necessidade de igualdade de oportunidades: “Sempre o racismo, o preconceito e a discriminação têm nos distanciado de acessarmos as oportunidades e feito uma diferença entre nós e a sociedade em geral. Nosso sangue é vermelho, igual ao dos outros, também sentimos fome, sede, dor, alegria, paixão. Somos seres humanos comuns, iguais a todos”, declara.

Claudio Iovanovitchi, rom do Paraná e fundador da Associação de Preservação da Cultura Cigana (Apreci), ressalta que as demandas da comunidade não são excepcionais. “Não queremos inventar a roda, o fogo, novos caminhos para as Índias, coisas diferentes. Não é isso. Queremos o que já existe: o acesso à educação, à escola, à saúde, à habitação. Tudo que queremos já existe. Respeitando as especificidades dos ciganos”, afirma Iovanovitchi. Ele ainda acrescenta: “Eu não quero gueto. Não quero gueto na escola. Quero que meu ciganinho seja bem-vindo na escola, com professores preparados”.

O peso da invisibilidade e a busca por justiça

O pesquisador Felipe Berocan Veiga, em seu artigo científico “A incriminação pela Diferença”, aponta que a aversão ao povo romani possui raízes profundas no imaginário social, na iconografia, na literatura e nos contos populares, ativando medos e intolerância que resultam em atos de violência contra membros da comunidade. Esse contexto de invisibilidade e preconceito alimenta a luta pela aprovação do Estatuto dos Povos Ciganos (PL nº 1.387/22), atualmente parado na Câmara dos Deputados, após aprovação no Senado. Este projeto, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), é considerado essencial pelas lideranças ciganas, pois obrigaria o Estado a cumprir seus deveres para com a comunidade romani. Além disso, a comunidade ainda pleiteia uma contagem atualizada e precisa da sua população.

Avanços e desafios: o Plano Nacional de Políticas para Povos Ciganos

Em agosto de 2024, o governo federal lançou o Plano Nacional de Políticas para Povos Ciganos (Decreto 12.128/24), um avanço significativo que estabelece ações para o período de 2024 a 2027, incluindo a criação de um comitê gestor. Com essa iniciativa, o Brasil se tornou o segundo país do mundo a implementar uma política nacional voltada exclusivamente para o povo romani. O plano abrange dez objetivos, entre eles o combate ao anticiganismo, reconhecimento da territorialidade, acesso à educação, saúde, documentação, segurança alimentar, trabalho e valorização da cultura cigana. Apesar desse importante passo, a luta pela inclusão e o respeito aos direitos da comunidade romani continua, exigindo ações efetivas e contínuas do Estado e da sociedade brasileira.