O governo federal está em negociações avançadas na Câmara dos Deputados para promover alterações significativas no substitutivo do Projeto de Lei Antifacção (PL Antifacção). Principalmente, as discussões visam preservar a autonomia e as atribuições da Polícia Federal (PF) no combate ao crime organizado. Além disso, o Executivo busca assegurar que as penalidades contra facções sejam estabelecidas com base na Lei das Organizações Criminosas, e não na Lei Antiterrorismo. Esta postura, portanto, reflete uma preocupação central: evitar que a classificação de grupos criminosos como terroristas crie um pretexto para intervenções de nações estrangeiras nos assuntos internos do Brasil.
Debates sobre a Atuação da Polícia Federal
As negociações governamentais se concentram em pontos cruciais do substitutivo apresentado pelo relator Guilherme Derrite (PP-SP), que abordam tanto o papel da Polícia Federal quanto o arcabouço legal para a punição de facções. Inicialmente, o texto de Derrite propunha condicionar operações conjuntas entre policiais federais e estaduais à solicitação prévia de um governador. Consequentemente, esta exigência gerou forte oposição de especialistas, do próprio governo federal e da Polícia Federal, que manifestaram severa preocupação com a possível restrição de suas capacidades operacionais. Entretanto, após a intensa repercussão e as críticas recebidas, o relator demonstrou flexibilidade em relação a esse ponto.
Guilherme Derrite, que havia se licenciado do cargo de secretário de Segurança Pública de São Paulo para relatar o projeto, subsequentemente apresentou uma nova versão do texto. Nesta revisão, ele removeu a controversa exigência de aval governamental para as investigações conjuntas entre as polícias. Contudo, manteve a determinação de que a Polícia Federal notifique os estados sobre as operações que realiza contra o crime organizado. Desse modo, a autonomia e a fluidez das ações da PF continuam sendo um tema sensível nas discussões.
A Defesa Enérgica da Autonomia da PF
Em uma reunião de líderes da Câmara, realizada na terça-feira (11), o deputado José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Casa, sublinhou a necessidade de manter inalteradas as prerrogativas da Polícia Federal. “Não se deve alterar a Polícia Federal; o ideal é que permaneça como está. A Polícia Federal tem autonomia para conduzir as operações que julgar necessárias. Portanto, buscaremos firmemente esse entendimento,” declarou o parlamentar. Essas negociações, por conseguinte, seguem intensas, com a expectativa de que a votação da matéria ocorra na quarta-feira (12), conforme o cronograma estabelecido pelo líder governista.
O Impasse da Lei Antiterrorismo
Outro ponto de intensa divergência diz respeito à proposta de incluir modificações na Lei Antiterrorismo. O substitutivo de Guilherme Derrite sugere que penas mais severas para membros de facções criminosas sejam incorporadas a esta legislação. Embora o governo concorde com a necessidade de aumentar as penalidades para esses grupos, o Executivo insiste que tais medidas sejam implementadas por meio da Lei das Organizações Criminosas, e não através da Lei Antiterrorismo. Esta distinção é crucial para a estratégia governamental.
O argumento central do governo é enfático: classificar facções como terroristas poderia expor o Brasil a riscos geopolíticos e econômicos desnecessários. Como explicou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, as consequências econômicas seriam consideráveis. “Somos favoráveis a aumentar a pena, então por que inserir na Lei Antiterrorista? Os prejuízos econômicos serão imensos,” justificou o parlamentar. Além disso, ele citou que muitos fundos de investimento estrangeiros, como os da Arábia Saudita, possuem cláusulas que impedem aportes em países que abrigam organizações classificadas como terroristas, o que, consequentemente, impactaria negativamente a atração de capital e o desenvolvimento nacional.
Visões Conflitantes: Relator vs. Governo
Em sua defesa, o relator Guilherme Derrite argumenta que o risco de interferência estrangeira estaria afastado, pois seu projeto não classificaria as facções como terroristas “em sentido estrito.” Ele esclarece que a intenção é “reconhecer que certas práticas cometidas por essas estruturas produzem efeitos sociais e políticos equivalentes aos atos de terrorismo, justificando, portanto, um tratamento penal equiparado quanto à gravidade e às consequências jurídicas.” Dessa forma, a proposta buscaria uma equivalência de tratamento jurídico sem a equiparação nominal direta. No entanto, essa justificativa não encontra respaldo junto ao governo federal.
Mário Sarrubbo, secretário Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, explicou a posição do governo à Agência Brasil. “Para um país estrangeiro, não haverá distinção alguma nessa questão. Ou seja, o estrangeiro vai olhar e vai dizer que estamos equiparando [criminoso] a terrorista. Vão afirmar que o Brasil abriga grupos terroristas,” reafirmou Sarrubbo. Assim, a interpretação do governo é que a justificativa do relator é insuficiente para mitigar os riscos percebidos, prevendo sérias implicações para a imagem internacional e a soberania do país.
Perspectivas para a Votação do PL Antifacção
Diante das marcadas divergências, o debate na Câmara dos Deputados permanece aquecido. O deputado Doutor Luizinho (PP-RJ), líder de seu partido na Casa, expressou sua confiança na capacidade de Guilherme Derrite de conduzir o processo de forma adequada. Ele defendeu o relator, assegurando que o Poder Legislativo conseguirá chegar a uma proposta que também satisfaça os anseios do governo. “Estamos sendo extremamente corretos com o governo na maioria absoluta das matérias, e não será diferente desta vez. Teremos um deputado progressista que atuará corretamente, acima de tudo com o Brasil, e teremos um relatório que possa ser aprovado em plenário,” declarou Doutor Luizinho. Portanto, a expectativa é de que, mesmo com os pontos de atrito evidentes, um consenso seja alcançado antes da votação, buscando um texto que garanta a segurança pública sem comprometer a soberania e a economia nacionais.



