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Pix na mira dos EUA: Concorrência e alternativa ao dólar motivam investigação

Os EUA iniciaram investigação interna contra o Brasil na terça-feira (15), apontando o Pix por concorrência desleal com serviços americanos e por ser alternativa ao dólar.
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Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

Os Estados Unidos deflagraram, na última terça-feira (15), uma investigação interna contra o Brasil, com o foco principal no sistema de pagamentos instantâneos Pix. A medida visa apurar o que Washington considera “práticas comerciais desleais” por parte do país sul-americano, alegando que a popular ferramenta brasileira concorre de forma injusta com serviços norte-americanos, como o WhatsApp Pay e bandeiras de cartão de crédito, e se posiciona como uma alternativa ao dólar em transações internacionais.

EUA Miram Serviços de Pagamento Eletrônico Governamentais

A investigação foi oficialmente anunciada por Jamieson Greer, representante de Comércio dos Estados Unidos, por meio de um documento intitulado “Investigação da Seção 301 sobre Práticas Comerciais Desleais no Brasil”. Embora o Pix não seja mencionado nominalmente no texto, há uma referência explícita a “serviços de pagamento eletrônico desenvolvidos pelo governo”. O documento, portanto, sinaliza que as autoridades americanas estão atentas ao rápido crescimento e à abrangência do sistema brasileiro.

Conforme o teor do relatório, “o Brasil também parece se envolver em uma série de práticas desleais com relação a serviços de pagamento eletrônico, incluindo, entre outras, a vantagem de seus serviços de pagamento eletrônico desenvolvidos pelo governo”. Essa é a única passagem que aborda diretamente a questão, sublinhando a preocupação com o aparente favorecimento estatal a uma ferramenta específica.

Nesse contexto, especula-se que um dos principais motivadores da medida norte-americana seja a suposta preferência do Banco Central (BC) pelo Pix em detrimento do WhatsApp Pay, ocorrida em 2020. Vale ressaltar que o aplicativo de pagamentos é de propriedade da Meta, empresa de Mark Zuckerberg, conhecido por sua proximidade com o ex-presidente dos EUA, Donald Trump.

A Suspensão do WhatsApp Pay e o Posicionamento do BC

Em junho de 2020, o WhatsApp anunciou que o Brasil seria o país pioneiro a receber uma nova funcionalidade que permitiria o envio e recebimento de dinheiro via cartões cadastrados diretamente no aplicativo de mensagens. Entretanto, apenas uma semana após o lançamento, tanto o Banco Central quanto o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) suspenderam a operação da ferramenta.

Na ocasião, as justificativas apresentadas pelas autoridades brasileiras incluíam a necessidade de avaliar os riscos inerentes, garantir o funcionamento adequado do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) e mitigar potenciais ameaças à concorrência no mercado. Ademais, Cristina Helena Mello, economista da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), endossa a decisão do BC e do Cade. Segundo Mello, o WhatsApp Pay estava operando uma modalidade de transferência de valores de pessoa para pessoa fora do sistema financeiro regulamentado.

A economista enfatiza que a iniciativa da Meta não se integrava ao sistema financeiro nacional, o que a colocava à margem da fiscalização do Banco Central. Consequentemente, isso representaria uma violação às normativas brasileiras que regem o acompanhamento de transações monetárias, justificando a intervenção das entidades reguladoras.

A Trajetória e a Inclusão Financeira Proporcionadas pelo Pix

O Pix foi oficialmente lançado no Brasil em 16 de novembro de 2020. Todavia, os estudos para a implementação desse inovador sistema de pagamentos remontam a maio de 2018. Naquele ano, o Banco Central instituiu um grupo de trabalho específico, o “GT – Pagamentos Instantâneos”, com o objetivo de desenvolver a nova modalidade. Subsequentemente, em dezembro do mesmo ano, o BC divulgou um comunicado detalhando os requisitos fundamentais para o que chamou de “ecossistema de pagamentos instantâneos brasileiro”.

O propósito central, conforme os documentos oficiais da época, era criar um sistema que se caracterizasse pela neutralidade em relação a modelos de negócio ou participantes de mercado específicos. Além disso, buscava-se um sistema que fosse inerentemente eficiente, competitivo, seguro e, primordialmente, inclusivo para toda a população.

O Pix como Alternativa ao Dólar e Novas Funcionalidades

Ainda conforme a avaliação da economista Cristina Helena Mello, o Pix representa um incômodo para o governo norte-americano por ter se consolidado como uma alternativa viável ao dólar em determinadas transações internacionais envolvendo cidadãos brasileiros. Por exemplo, alguns países, como Paraguai e Panamá, já aceitam pagamentos de brasileiros diretamente via Pix. Em diversos estabelecimentos comerciais dessas nações, é comum encontrar sinalizações incentivando “brasileiros a pagar com Pix”, uma vez que os comerciantes locais abriram contas no Brasil para facilitar essas operações.

Historicamente, tais transações eram intermediadas pelo dólar. Em contraste, a ascensão do Pix nessa função diminui a demanda pela moeda norte-americana, o que é percebido como prejudicial aos interesses de controle financeiro dos Estados Unidos. Naturalmente, quanto menor a procura por uma determinada moeda, menor tende a ser seu valor no mercado global.

Por outro lado, Mello também projeta que operadoras de cartão de crédito norte-americanas podem vir a se sentir ameaçadas com a introdução do “Pix Parcelado”, que está previsto para começar a funcionar em setembro de 2025. Essa funcionalidade permitirá que os usuários brasileiros parcelem suas transações de maneira similar ao cartão de crédito, enquanto o recebedor continuará a receber o valor total de forma instantânea, reconfigurando a dinâmica de pagamentos parcelados.

Defesa e Impacto Social do Pix

Independentemente das críticas e das motivações por trás da investigação norte-americana, a economista da PUC-SP defende vigorosamente o Pix, caracterizando-o como um sistema de pagamento extremamente eficaz e inclusivo. Dados recentes do Banco Central reforçam essa perspectiva, revelando que o Pix movimentou expressivos R$ 26,4 trilhões somente em 2024.

Conforme Mello, o sistema, de fato, proporcionou que uma vasta parcela da população de menor renda tivesse acesso a uma forma de transação monetária de baixo custo. Isso abrange desde pequenos negócios até indivíduos em diversas profissões, como pedreiros, faxineiras, e até mesmo pessoas em situação de rua, que agora contam com uma ferramenta acessível. Além disso, o Brasil desenvolveu um meio de pagamento que oferece uma série de vantagens evidentes. O Pix é notavelmente ágil e promoveu um significativo processo de bancarização, integrando pessoas que antes não possuíam conta bancária ao sistema financeiro. Por conseguinte, ele se alinha com o princípio da livre concorrência, que busca constantemente oferecer produtos e serviços cada vez melhores à sociedade.