Uma pesquisa recente lançada pela Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) revela um dado preocupante no cenário da saúde nacional: um em cada cinco hospitais no Brasil não realiza o ajuste correto da dosagem de antibióticos. Este erro, segundo o estudo, eleva significativamente o risco de desenvolvimento de resistência antimicrobiana, uma ameaça crescente à saúde pública global.
Detalhes da Pesquisa e o Uso Empírico
O levantamento, que envolveu pouco mais de cem instituições de saúde brasileiras, foi conduzido pelo Instituto Qualisa de Gestão (IQG). Abrangendo hospitais tanto públicos quanto privados, a pesquisa integra a campanha “Será que precisa? Evitando a resistência antimicrobiana por antibióticos e antifúngicos”. Além disso, os resultados apontam que, entre os 104 hospitais avaliados, expressivos 87,7% ainda adotam a prescrição empírica de antibióticos. Em outras palavras, os profissionais de saúde prescrevem medicamentos e suas dosagens por tentativa e erro, sem um protocolo de ajuste específico, aumentando o risco de infecções por bactérias resistentes.
A presidente do IQG, Mara Machado, enfatizou a urgência da situação. Conforme sua avaliação, “todos os indicadores reforçam a necessidade premente de políticas públicas robustas”. Ela ainda ressaltou a importância de combater o uso indiscriminado desses medicamentos para evitar o surgimento de microrganismos contra os quais os antibióticos se tornam ineficazes. Consequentemente, a resistência antimicrobiana impede o controle efetivo de muitas infecções, tornando tratamentos simples cada vez mais complexos.
Consequências da Má Dosagem e a Crise Silenciosa
A falta de um ajuste adequado na dosagem de antibióticos não só agrava o risco de infecções hospitalares, mas também contribui para o aumento da resistência bacteriana, gerando impactos negativos no meio ambiente. No Brasil, estima-se que 48 mil indivíduos morram anualmente devido a infecções resistentes, projetando um total de mais de 1,2 milhão de óbitos acumulados até 2050 se a tendência persistir. Portanto, o controle rigoroso da cadeia, desde a prescrição até o descarte dos antibióticos, é crucial para mitigar a resistência.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), por sua vez, já classifica a resistência antimicrobiana como uma “crise silenciosa”, com potencial para superar o câncer em número de mortes até 2050. Anualmente, mais de 5 milhões de óbitos globalmente estão associados a essa condição, o que faz com que infecções comuns, como urinárias, pneumonias e ferimentos cirúrgicos, se tornem progressivamente mais difíceis, ou até impossíveis, de tratar. Por exemplo, a infectologista Ana Gales, coordenadora do Comitê de Resistência Antimicrobiana da SBI, alertou que o uso empírico e sem evidências científicas pode acarretar sérios problemas de saúde pública. Ademais, a resistência aos antibióticos agrava muitos casos de morte, especialmente em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), configurando riscos desnecessários que poderiam ser prevenidos com maior controle, apesar da existência de comissões de controle de infecção hospitalar nos hospitais.
Implicações Ambientais e Apelos por Mudança
A pesquisa revelou outro ponto crítico: a ausência de protocolos de descarte de antibióticos e de análise de efluentes hospitalares em todos os hospitais avaliados. Essa lacuna não só potencializa a resistência, mas também representa um grave problema ambiental. A disposição inadequada de resíduos farmacêuticos contribui para a disseminação de resíduos no meio ambiente, o que pode acelerar ainda mais o desenvolvimento de microrganismos resistentes fora do ambiente clínico. Sendo assim, a questão transcende as paredes dos hospitais, afetando ecossistemas e, consequentemente, a saúde humana de forma indireta.
Nesse contexto, a presidente da Associação de Hospitais e Serviços de Saúde do Estado de São Paulo (AHOSP), Anis Ghattás, enfatizou o papel central dos hospitais no combate à resistência antimicrobiana. Em suma, ela afirmou que as instituições estão engajadas na implementação de protocolos rigorosos e na capacitação de equipes para o uso racional de antimicrobianos. Além disso, a AHOSP está comprometida em fornecer orientação técnica, visando promover uma resposta coletiva e coordenada a essa ameaça global.