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Pescadores artesanais aprovam 1º Plano Nacional e priorizam demarcação territorial

Pescadores artesanais aprovaram em Brasília, neste sábado (6), o 1º Plano Nacional que prioriza a demarcação de seus territórios tradicionais.
Demarcação territorial pescadores artesanais
Foto: Foto: Felipe Araújo.

Os pescadores artesanais brasileiros alcançaram um marco significativo neste sábado (6), em Brasília, ao aprovarem o 1º Plano Nacional do Pescador Artesanal. Este documento estratégico prioriza fundamentalmente a demarcação de seus territórios tradicionais, uma demanda vital para os cerca de dois milhões de trabalhadores que dependem da pesca artesanal em todo o país, com 50% deles concentrados no Nordeste e 30% na região Norte.

A Proposta de Demarcação e Seu Impacto

O cerne deste plano reside na defesa do Projeto de Lei (PL) 131 de 2020, que visa assegurar a demarcação dos territórios tradicionais da pesca artesanal. Ana Flávia Pinto, pescadora e coordenadora do Fórum Nacional da Pesca Artesanal, sublinhou a urgência da medida. Ela explicou que “sem território, não há vida”, enfatizando que a aprovação deste PL possibilitará a delimitação dos espaços pesqueiros, garantindo-os para as presentes e futuras gerações. Além disso, o reconhecimento de que o território pesqueiro abrange a terra, o mar, as roças e as manifestações culturais é uma parte integral dessa iniciativa.

Cerca de 150 delegados, representando diversas comunidades pesqueiras nacionais, participaram da aprovação do Plano Nacional. Este documento, que contou com a contribuição de aproximadamente 650 representantes da categoria, será o guia das políticas públicas para o setor pelos próximos dez anos. Portanto, essa iniciativa é fruto do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) e reflete um esforço colaborativo extenso.

Os Desafios Enfrentados Pelas Comunidades

A pescadora Ana Flávia Pinto, em entrevista à Agência Brasil, identificou o avanço de grandes empreendimentos como o principal problema que ameaça os territórios tradicionais dessas comunidades. Frequentemente, a especulação imobiliária, projetos de petróleo e gás, hidrelétricas e até mesmo a energia eólica – que ela descreve como uma “falsa solução” para os pescadores – impedem as comunidades de praticar a pesca, mesmo quando possuem a documentação de suas terras. Assim, o reconhecimento formal desses territórios é crucial para sua proteção.

O PL 131/2020, por sua vez, estabelece garantias para as comunidades pesqueiras tradicionais. Ele prevê o acesso preferencial aos recursos naturais e seu usufruto permanente, além da consulta prévia e informada sobre planos e decisões que possam afetar seu modo de vida ou a gestão de seus territórios. Consequentemente, a implementação efetiva deste projeto de lei representa um escudo protetor contra as pressões externas.

O Apoio Governamental e a Visão Estratégica

A Plenária Nacional de Pescadores Artesanais em Brasília representou a etapa final de um processo coordenado pelo Ministério da Pesca e Aquicultura para formular o 1º Plano Nacional de políticas públicas. Este documento servirá de alicerce para o Programa Povos da Pesca Artesanal, instituído pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro de 2023. Ana Flávia Pinto classificou o momento como “histórico”, vendo o Plano Nacional da Pesca Artesanal como um instrumento de “defesa e luta” que assegurará a chegada das políticas públicas aos pescadores e permitirá a cobrança de sua efetividade.

Cristiano Ramalho, secretário nacional da pesca artesanal, afirmou à Agência Brasil que o governo apoiará a demarcação dos territórios. Ele destacou a lacuna na legislação, pois atualmente não existe uma política governamental específica para reconhecer os territórios pesqueiros, ao contrário do que ocorre com comunidades quilombolas e povos indígenas. Portanto, há uma demanda clara por um reconhecimento similar. Além disso, o secretário frisou a importância vital dos pescadores artesanais para a segurança alimentar do Brasil, ressaltando seu valioso patrimônio cultural e seu papel fundamental no combate à emergência climática.

Debates Sobre o Seguro Defeso

No decorrer da plenária, as lideranças dos pescadores também levantaram a necessidade de ajustes nas novas regras do seguro defeso, instituídas pela Medida Provisória 1303 de 2025. Este auxílio financeiro, concedido aos pescadores durante o período de reprodução dos peixes, passará a ter critérios mais rigorosos a partir de outubro. Entre as novidades, exige-se a apresentação de notas fiscais de venda do pescado, comprovantes de contribuição previdenciária, endereço residencial e relatórios mensais de atividade.

Ana Flávia Pinto expressou preocupação com essas exigências, afirmando que a obrigatoriedade de notas fiscais para cada venda de peixe é “muito difícil” para a pesca artesanal. Ela explicou que muitos membros da comunidade pesqueira, apesar de possuírem um vasto saber tradicional, enfrentam dificuldades com processos burocráticos, leitura e escrita. Diante disso, a liderança informou que está em diálogo com as autoridades, incluindo o ministro André de Paula, para adequar as regras por meio de regulamentação infralegal, antes que a medida provisória seja convertida em decreto, evitando assim “cair de novo numa armadilha”.

O secretário Cristiano Ramalho, por sua vez, garantiu que o ministério levará as demandas da categoria ao “centro do governo”. Embora defenda a necessidade de regras mais rigorosas para combater fraudes e garantir direitos, ele reconheceu que ajustes estão sendo feitos em diálogo com as comunidades pesqueiras.

Outras Políticas e Perspectivas Futuras

O 1º Plano Nacional de Pescadores Artesanais não se limita à demarcação territorial e ao seguro defeso. Ele abrange também projetos para educação diferenciada e popular nas comunidades tradicionais, a implementação de medidas de saúde pública específicas para esses grupos, apoio ao turismo de base comunitária e ações para desenvolver estruturas que agreguem valor ao pescado artesanal, entre outras iniciativas. Além disso, na abertura da Plenária Nacional, um acordo foi assinado para o Programa Jovem Cientista da Pesca Artesanal, que prevê a criação de mais 800 bolsas para jovens de comunidades pesqueiras em todo o Brasil.

Em um passo adiante, o secretário Cristiano Ramalho antecipou que o Ministério da Pesca e Aquicultura está em conversações com o Ministério da Saúde para lançar um programa pioneiro de saúde voltado para os povos da água, com previsão de início no início de 2026. Por fim, outro tema relevante em debate é a contínua valorização das mulheres pescadoras, através de políticas de crédito e apoio às organizações produtivas que elas estabelecem em seus territórios, reconhecendo seu papel essencial na subsistência e cultura dessas comunidades.

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