Edição Brasília

Pelo Incentivo Responsável ao Empreendedorismo

Empreendedorismo
Foto: Freepik


O ser humano responde a incentivos. Como Charlie Munger, conhecido investidor americano, dizia “mostre-me os incentivos e eu te direi os resultados”. Implemente uma estrutura de incentivos correta e terá chances de sucesso, já uma estrutura de incentivos equivocada é quase certeza de problemas. No artigo “Uma fábula de improdutividade”, Marcos Mendes explora a equivocada estrutura de incentivos existente no Brasil e que leva o país a uma baixa produtividade, link aqui.


Tendo trabalhado por cerca de 30 anos no mercado de capitais brasileiro sou testemunha viva de como incentivos equivocados distorcem o comportamento e a atitude das pessoas, como por exemplo o assessor de investimento que é comissionado pelos produtos financeiros que recomenda a seus clientes, as corretoras que incentivam seus clientes a rotacionar periodicamente seus portfólios publicando carteiras mensais recomendadas como se o investimento em ações fosse uma gincana mensal, entre outros. Mas existe algo que recentemente tem me incomodado bastante: o incentivo irresponsável ao empreendedorismo.


Nos últimos anos, uma onda de incentivo ao empreendedorismo — especialmente entre os jovens — explodiu. Universidades, programas de governo, incubadoras e aceleradoras pintam uma imagem vibrante, até glamourosa, do que significa ser empreendedor. Termos como “unicórnio”, “IPO”, e “valuation” viraram manchetes e o imaginário popular, enquanto figuras de sucesso como Bill Gates e Mark Zuckerberg tornaram-se ícones culturais. Entretanto, a conversa sobre aptidão, riscos e custos pessoais de empreender é muitas vezes deixada de lado.


Este “lado B” do empreendedorismo, embora menos glamouroso, merece muita atenção, pois empreender envolve riscos financeiros, desgaste emocional e um impacto pessoal que nem sempre é discutido ou compreendido.


Tendo atuado há mais de 10 anos no setor de Venture Capital no Brasil pude testemunhar diversos episódios de empreendedores que, incentivados por governos, incubadoras e aceleradoras, engajaram na atividade de empreender e tiveram custos pessoais enormes, são episódios de burnout, de agravamento de doenças, de endividamento pessoal, divórcios, e até tentativa de suicídio. Só que quando o problema acontece, nenhum desses incentivadores aparece para ajudar a pagar essa conta.


As pessoas, principalmente jovens, em geral são crédulas e acreditam na fala de empreendedores bem-sucedidos recomendando coisas como realize seus sonhos, destrave seu potencial, seja resiliente, entre vários outros jargões motivacionais. Chamo isso de Disneylândia da atividade de empreender, onde o Mickey vira uma mesa de ping-pong no meio do escritório e o Pateta é o próprio empreendedor que acredita nessas baboseiras motivacionais. O cardápio de incentivos equivocados é amplo.


A atividade de empreender é uma atividade de alto risco, e deveria ser caracterizada como tal. Na minha opinião, ao abrir uma empresa e se tornar sócio de um CNPJ, o empreendedor nacional deveria assinar um termo de ciência aos Fatores de Risco da atividade de empreender, assim como investidores assinam um termo de ciência aos Fatores de Risco de um fundo ao investir nele. Isso deveria ser obrigatório. Não poderíamos permitir que alguém abrisse uma empresa no Brasil sem ter ciência dos riscos que está assumindo, pois trata-se de uma atividade de risco elevado e com impactos significativos na vida pessoal dos envolvidos.


Se para investir em um fundo, pular de paraquedas, descer uma cachoeira de rapel, etc. exige-se uma declaração de ciência dos fatores de risco, então por que para se abrir uma empresa isso não é exigido?


Para ajudar você, leitor desse artigo a entender se a atividade de empreender é para você ou não, preparei um breve checklist de alguns riscos que você deveria ter ciência antes de se aventurar a empreender.

  1. Você está ciente de que ao emitir uma Nota Fiscal de prestação de serviço ou entrega de um produto, a sua empresa se torna responsável e devedora de tributos federais, estaduais e/ou municipais, mesmo que seu cliente não te pague? Ou seja, você está ciente de que, em última instância, você será o responsável por pagar o fisco os tributos incidentes sobre a Nota Fiscal emitida, mesmo que seu cliente não honre com o pagamento do produto ou serviço contratado?
  2. O mercado brasileiro é competitivo e, em muitos setores, altamente saturado. Pequenas empresas enfrentam dificuldades para competir com grandes corporações estabelecidas, o que limita o crescimento e dificulta a diferenciação. O Brasil tem uma característica muito peculiar que é o poder dos oligopólios, com vários mercados muito difíceis de se penetrar. Você conhece em profundidade o mercado que pretende atuar? Você possui vivência e experiência prática nesse setor?
  3. A estatística joga contra você. Mais de 90% das startups fecham antes de completar cinco anos de vida. Portanto, tenha ciência de que a estatística não está a seu favor e providencie um colchão financeiro. Você está ciente disso e aceita correr esse risco?
  4. Empreendedores frequentemente sacrificam tempo com a família e amigos, e suas vidas pessoais sofrem pela falta de equilíbrio entre trabalho e lazer. Empreender não é um “trabalho das 9h às 18h”, especialmente no estágio inicial. Isso se reflete em uma demanda contínua que acaba por invadir o tempo pessoal. Muitas vezes a vida social fica em segundo plano, impactando a convivência familiar e os relacionamentos dos empreendedores. Você está ciente disso e aceita correr esse risco?
  5. Empreendedores apresentam índices mais elevados de ansiedade e depressão do que a média da população. Em um ambiente onde o sucesso é a única opção aceitável, lidar com obstáculos e incertezas se torna uma fonte contínua de stress. Muitos fundadores, principalmente no início da empresa, enfrentam jornadas de trabalho extenuantes, privação de sono e, em casos mais extremos, isolamento social. Certifique-se que você inicie sua jornada empreendedora com um estoque alto de saúde, pois você vai precisar desse estoque ao longo da jornada. Você está ciente disso e aceita correr esse risco?
  6. Ao desenvolver negócios, a empresa poderá acumular passivo. E no Brasil alguns tipos de passivo (ambiental, trabalhista e fiscal) podem cair no colo dos sócios, independentemente do instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Em outras palavras, esteja ciente de que se sua empresa acumular passivos de natureza trabalhista, fiscal ou ambiental, todo seu patrimônio pessoal conquistado até aquele momento estará em risco. Você está ciente disso e aceita correr esse risco?
  7. A carga tributária no Brasil é uma das mais altas do mundo, e o sistema tributário é complicado e propenso a interpretações divergentes. Muitas empresas acabam cometendo erros ou incorrendo em custos elevados com contabilidade e consultoria para garantir conformidade. Você está ciente disso e aceita correr esse risco?
  8. O ambiente de negócios é instável. Flutuações econômicas e instabilidade do real afetam diretamente o planejamento e as margens de lucro das empresas. A inflação e a volatilidade cambial também impactam os custos de operação, especialmente para negócios que dependem de importações ou que são altamente sensíveis ao preço de insumos internacionais. Você está ciente disso e aceita correr esse risco?
  9. Insegurança Jurídica. A incerteza em relação à aplicação das leis – sejam elas de natureza cível, trabalhistas ou tributária – cria dificuldades e aumenta o risco de se empreender. A insegurança jurídica gera receio de processos ou penalidades que podem comprometer o caixa da sua empresa e o seu patrimônio pessoal. Você está ciente disso e aceita correr esse risco?
  10. Por fim, você como empreendedor é o capitão do navio. Na medida em que sua empresa cresce e absorve mais e mais pessoas na operação sua responsabilidade aumenta, pois mais famílias passam a tirar o seu sustento da empresa que você fundou. Suas decisões sobre o negócio passam a impactar cada vez mais pessoas e famílias e dado o ambiente de negócios extremamente volátil no Brasil, decisões equivocadas podem disparar a demissão de colaboradores para adequação da estrutura de custos. Demitir um colaborador por um erro seu, especialmente quando ele é o principal ou único provedor de renda na sua família, representa um dos aspectos mais difíceis e delicados do papel do empreendedor. No Brasil, onde o desemprego pode ter consequências severas, o impacto dessa decisão é ainda mais sensível. Você está preparado para se olhar no espelho e assumir o peso dessa responsabilidade?


Obviamente trata-se de uma lista não exaustiva baseada apenas na minha vivência prática e problemas que tenho observado no dia a dia de se empreender no Brasil. Entretanto, outros riscos poderiam ser inseridos, como por exemplo sua empresa será achacada por Conselhos Regionais de diversas categorias tentado te coagir a registrar a empresas nos conselhos de classe e consequentemente pagar suas anuidades, caso contrário multa, entre outros, mas procurei ser suscinto e me ater a apenas 10 itens.


Meu caro leitor, se você respondeu sim à maioria dessas questões acima, então vá em frente e empreenda. Empreender é o principal motor para o desenvolvimento econômico e social de um país. As novas empresas criam empregos, aumentam a competitividade dos mercados e estimulam o crescimento econômico. Além disso, o empreendedorismo tem um papel transformador na sociedade, pois negócios que surgem para resolver problemas específicos ajudam a melhorar a qualidade de vida da população.


Agora se você respondeu não para a maioria dos itens acima, sugiro que repense seu ímpeto para se tornar um empreendedor. Empreender pode não lhe fazer bem. Procure desenvolver uma carreira corporativa, fazer concurso público, ou qualquer outra atividade. Certamente você será mais feliz e evitará problemas para sua vida.


Se esse texto conseguir ajudar uma única pessoa a evitar essa armadilha dos incentivos equivocados, o objetivo do artigo terá sido atingido.