A dermatologia moderna tem focado cada vez mais na importância de tratamentos personalizados, especialmente para a pele negra, impulsionando recentes avanços tanto na academia quanto na indústria. Especialistas enfatizam que as necessidades cutâneas da população negra são únicas e exigem uma abordagem diferenciada para garantir saúde e bem-estar.
A Jornada de um Paciente: Descoberta e Transformação
O médico Thales de Oliveira Rios, por exemplo, enfrentou problemas persistentes com oleosidade e acne desde a adolescência. Ao longo dos anos, ele buscou diversos tratamentos sem sucesso, sentindo-se bastante incomodado com as manchas escuras que surgiam após as espinhas. Entretanto, um convite de um colega dermatologista mudou completamente sua perspectiva e a saúde de sua pele.
Thales relata que, após seguir o tratamento específico para seu tipo de pele, utilizando produtos adequados para clarear manchas e o protetor solar correto, percebeu uma melhora significativa em apenas três ou quatro meses. Até então, ele não tinha consciência de que sua pele negra demandava uma atenção particular e que esta característica deveria ser o ponto de partida para qualquer intervenção dermatológica.
Além disso, o Dr. Rios recorda um momento marcante em sua primeira consulta, quando seu colega demonstrou como certas lesões cutâneas se manifestam de maneiras distintas em pessoas brancas, pardas e negras retintas. Ele aponta que essa diferenciação é raramente abordada nos cursos de medicina, começando a ganhar espaço nas discussões acadêmicas apenas recentemente. Essa lacuna, portanto, ressalta a necessidade urgente de uma educação mais inclusiva na área.
Deficiências na Formação Médica e as Especificidades da Pele Negra
O colega que transformou a experiência de Thales é Cauê Cedar, chefe do Ambulatório de Pele Negra do Hospital Universitário Pedro Ernesto. Desde sua especialização, Cedar dedica-se ao estudo das demandas específicas de pessoas pretas e pardas, que, aliás, constituem a maioria da população brasileira. No entanto, ele enfrentou um obstáculo significativo: a escassez de materiais acadêmicos pertinentes.
Conforme explica Cedar, os recursos educacionais para médicos são predominantemente elaborados com foco em pessoas de pele clara. Consequentemente, muitos profissionais não recebem o treinamento necessário para identificar adequadamente como diversas condições dermatológicas podem se apresentar na pele negra. Além disso, a pele negra possui particularidades importantes, como uma maior propensão a desenvolver manchas e a cicatrização hipertrófica, que pode resultar em queloides.
Ainda assim, os cuidados específicos com cabelos cacheados e crespos também são um ponto crucial que necessita de treinamento adequado. O Dr. Cedar compartilha que, durante sua residência, não teve acesso a uma formação específica sobre esses tópicos, mesmo sendo uma área de seu interesse pessoal, o que o obrigou a buscar conhecimento por conta própria fora das instituições formais.
A Transformação da Indústria Dermatológica
Por muito tempo, a indústria de produtos dermatológicos negligenciou o público negro, de acordo com o especialista. Mesmo com a ampla conscientização sobre a importância do protetor solar, as opções disponíveis eram inadequadas. Os protetores solares com cor não se ajustavam às diversas tonalidades da pele negra, e as versões sem cor deixavam um indesejável resíduo esbranquiçado ou acinzentado, desestimulando o uso regular.
Entretanto, essa situação começou a mudar quando a indústria percebeu o potencial de consumo da população negra. Diante disso, houve um investimento no desenvolvimento de produtos especificamente adaptados à diversidade de tons e necessidades da pele negra, exemplificando uma evolução positiva na abordagem do mercado.
Avanços e Reconhecimento no Âmbito Acadêmico
Profissionais como Cauê Cedar têm sido fundamentais para consolidar a pauta da pele negra no meio acadêmico. Um marco importante ocorreu este ano, quando o Congresso da Sociedade Brasileira de Dermatologia, o principal evento da especialidade, dedicou pela primeira vez uma atividade exclusiva aos cuidados com a pele negra. Além disso, a regional do Rio de Janeiro da Sociedade Brasileira de Dermatologia criou recentemente um Departamento de Pele Étnica, do qual Cauê Cedar é um dos coordenadores, demonstrando um avanço significativo na institucionalização do tema.
De acordo com Regina Schechtman, presidente da regional, a criação deste departamento “estava mais do que na hora”. Ela enfatiza que o objetivo é aprimorar o conhecimento dos profissionais e, consequentemente, o atendimento oferecido a pessoas de diversos grupos não-brancos, incluindo indígenas e orientais, além da população negra. Schechtman destaca ainda que qualquer médico ou profissional da saúde deve incorporar esse conhecimento em sua prática. A dermatoscopia, por exemplo, que é um exame básico, apresenta-se de forma completamente diferente em cada tom de pele, exigindo que os médicos saibam interpretá-las corretamente.
Impacto na Saúde e Autoestima
A presidente da regional do Rio de Janeiro sublinha que problemas de pele podem impactar profundamente a autoestima dos pacientes. Além do desconforto estético, o maior órgão do corpo humano também está sujeito a perigos graves, como o câncer de pele. Embora o risco seja maior em indivíduos com menos pigmentação, isso não significa que a população negra esteja imune.
Portanto, as pessoas negras também necessitam proteger-se dos danos causados pela radiação ultravioleta. Esta conscientização e a oferta de tratamentos e produtos adequados são cruciais para a promoção da saúde dermatológica e do bem-estar de todos os grupos étnicos.



