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OTCA em Bogotá: Mais coordenação, mas metas ambientais e fósseis ficam aquém

Líderes da OTCA em Bogotá divulgam Declaração com avanços na coordenação regional, mas sem metas concretas para frear o desmatamento e a exploração de fósseis na Amazônia.
OTCA Bogotá Amazônia
Foto: Ricardo Stuckert / PR

Os líderes das nações membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) reuniram-se recentemente em Bogotá, Colômbia, resultando na adoção da Declaração de Bogotá. Este documento significativo, divulgado no sábado (23), emergiu da quinta cúpula de líderes regionais, um evento que contou com a presença de figuras como o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. Embora a declaração assinale avanços no fomento da coordenação regional entre os países que compartilham a maior floresta tropical do planeta, ela, entretanto, falhou em estabelecer metas concretas e ambiciosas para conter o desmatamento e frear a exploração de combustíveis fósseis na vasta Amazônia.

Contexto da Cúpula e Primeiros Avanços

Este encontro serviu como uma plataforma crucial para que os países membros da OTCA atualizassem seus compromissos na proteção do bioma amazônico. Além disso, a cúpula reforçou a oportunidade de engajar as nações vizinhas nos esforços de participação na vindoura Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que ocorrerá em Belém, no Pará. Esta será a primeira vez que o evento será sediado em solo amazônico, o que lhe confere um simbolismo particular. O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) avaliou o desfecho da cúpula de Bogotá como positivo. A declaração, segundo a pasta, fortalece o ciclo iniciado em Belém, ratificando a Declaração de Belém (2023) como o principal referencial para a cooperação regional amazônica. Consequentemente, o documento traça direções nítidas para ações imediatas em áreas como clima, florestas, biodiversidade, restauração ambiental, bioeconomia, proteção dos povos indígenas, segurança ecológica e aprimoramento institucional, impulsionando diretamente a colaboração entre as nações da região.

Desafios Ambientais e a Urgência do “Ponto de Não Retorno”

Os países amazônicos, ao longo da declaração, enfatizaram a necessidade urgente de implementar ações coordenadas no combate ao desmatamento e à contínua perda de biodiversidade. Tais medidas buscam alinhar-se com os princípios do Acordo de Paris, visando primordialmente evitar o temido “ponto de não retorno” da floresta. Este limite crítico representa um estágio a partir do qual a Amazônia poderia perder sua capacidade de regeneração, culminando em um colapso irreversível. Subsequentemente, o bioma se transformaria em uma paisagem mais seca e menos densa, perdendo sua vital função de absorver carbono e regular o clima global. Contudo, a ausência de metas mais explícitas e rigorosas para combater este cenário gerou frustração entre diversos representantes da sociedade civil presentes na cúpula de Bogotá.

João Pedro Galvão Ramalho, coordenador de articulação do coletivo Pororoka e membro do Comitê Internacional do Fórum Social Pan-Amazônico (FOSPA), expressou essa preocupação. Ele destacou que, em 2023, a principal luta era prevenir que a Amazônia atingisse o ponto de não retorno. Agora, em Bogotá, especialistas, líderes indígenas, ribeirinhos e povos da floresta apontam que este ponto crítico já pode ter sido alcançado, elevando os riscos e desafios a um patamar absoluto. Dados sobre queimadas na Amazônia em 2024, especialmente na Bolívia e no Brasil, corroboram essa percepção dos povos da floresta, evidenciando a urgência da situação. Nesse sentido, é alarmante que, mais uma vez, não tenham sido estabelecidas metas firmes e concretas para combater o desmatamento e a perda da floresta.

Por outro lado, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) ponderou que a questão do ponto de não retorno ainda não possui uma definição concreta na literatura científica. A pasta ressaltou que a literatura não atingiu um consenso exato sobre qual seria esse ponto para a Amazônia. Todavia, existem referências importantes, como os trabalhos do professor Carlos Nobre. A criação de um Painel Intergovernamental Técnico-Científico da Amazônia, no âmbito da OTCA, decidida na Cúpula de Belém em 2023, visa avançar na busca por essa resposta.

A Controvérsia da Exploração de Combustíveis Fósseis

A preocupação com a falta de metas ambientais não se restringe apenas ao desmatamento; ela se estende igualmente à questão da transição energética e à exploração de combustíveis fósseis, um tema que, por sua vez, gerou divisões entre os países da região durante a elaboração da Declaração de Bogotá. João Pedro Ramalho notou que o assunto é mencionado apenas no preâmbulo da declaração, reconhecendo a “necessidade de avançar em direção a uma transição energética justa, ordenada e equitativa.” O governo colombiano, por exemplo, empenhou esforços consideráveis para incluir na declaração a urgência de uma economia menos dependente do extrativismo fóssil, como a exploração de petróleo e gás. Entretanto, o governo brasileiro manteve sua posição oficial, refletida no preâmbulo. Em contraste, Peru, Equador e Venezuela expressaram oposição a medidas mais rigorosas nesse quesito.

Para Ramalho, a expansão da exploração de combustíveis fósseis na Amazônia projeta um cenário ameaçador para o bioma. Ele destacou que quase um quinto das novas descobertas de petróleo globalmente, entre 2022 e 2024, ocorreram na Amazônia. Além disso, a maioria dessas descobertas coincide com territórios de povos e comunidades indígenas, tradicionais, ou áreas de conservação. O ativista climático alertou que a Amazônia se tornando uma nova fronteira para a exploração de combustíveis fósseis representa um perigo imenso, ameaçando esta região sensível e megadiversa. Essa área, se devidamente protegida, desempenha um papel absolutamente fundamental no enfrentamento da crise climática global.

Avanços em Mecanismos de Coordenação e Participação Social

Em um tom mais otimista, a expansão da participação social no escopo do Tratado de Cooperação Amazônica tem sido amplamente celebrada pelas organizações da sociedade civil. João Pedro Ramalho, por exemplo, apontou que uma das maiores conquistas em Bogotá foi a menção, pelo presidente Lula em seu discurso, da importância de se criar a OTCA Social. Este mecanismo, proposto pela sociedade civil, permitiria sua integração permanente e oficial à OTCA. Adicionalmente, a implementação do Mecanismo Amazônico de Povos Indígenas representa outro avanço significativo, sendo um instrumento para garantir a participação exclusiva dos povos indígenas. Ramalho enfatizou que, se e quando plenamente implementados, esses mecanismos permitirão que os povos da Amazônia continuem a desempenhar o papel crucial que possuem na política regional.

Outros progressos na coordenação regional, conforme informações do Ministério do Meio Ambiente (MMA), ocorreram no âmbito da cooperação policial, judicial e de inteligência. Isso inclui esforços na rastreabilidade do ouro, no enfrentamento da mineração ilegal e no combate ao tráfico de fauna e flora. Em termos institucionais, a Declaração de Bogotá também impulsionou um protocolo de emenda que eleva a reunião de presidentes à instância máxima da organização. Finalmente, houve um compromisso mútuo com o fortalecimento da Secretaria Permanente, vital para a operacionalização das ações.

Outras Medidas e Perspectivas Futuras

A Declaração de Bogotá ainda reafirmou a proteção diferenciada aos Povos Indígenas em Isolamento e Contato Inicial (PIACI). Esta proteção baseia-se nos princípios de não contato e intangibilidade. Além disso, houve um compromisso explícito de fortalecer a salvaguarda de conhecimentos ancestrais e do patrimônio cultural imaterial da Amazônia, reconhecendo sua inestimável contribuição para a sustentabilidade regional. O bloco de países também manifestou apoio, inclusive por meio de um comunicado conjunto próprio, ao lançamento do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, da sigla em inglês), previsto para a COP30 em Belém. Este fundo possui o potencial de beneficiar diretamente cerca de 70 países, incentivando-os a manter suas reservas florestais protegidas. Em conclusão, embora a cúpula tenha solidificado mecanismos de cooperação e participação social, os desafios persistentes em relação ao desmatamento e à exploração de combustíveis fósseis sublinham a necessidade de futuras ações mais decisivas para a preservação integral da Amazônia.

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