A febre oropouche, uma doença até recentemente restrita à Amazônia, experimenta uma expansão alarmante e sem precedentes por todo o Brasil. Impulsionada por uma nova linhagem do vírus e por condições climáticas favoráveis, a enfermidade já atingiu dezoito estados e o Distrito Federal, acumulando 11.805 casos confirmados. Além disso, a doença já foi associada a cinco óbitos, com outras duas mortes atualmente sob investigação. A propagação da oropouche, que antes era uma preocupação predominantemente regional, agora desafia as autoridades de saúde pública em nível nacional, especialmente em áreas onde a população não possui imunidade prévia.
Avanço Inédito da Febre Oropouche no Brasil
Até o ano de 2023, a febre oropouche era considerada uma ocorrência quase exclusiva dos estados amazônicos. No entanto, o cenário mudou drasticamente. Neste ano, o Espírito Santo, localizado a quase 3 mil quilômetros da Amazônia, emergiu como o estado com o maior número de infecções, registrando impressionantes 6.318 casos. Este avanço geográfico representa um desafio significativo para pesquisadores e gestores de saúde, que buscam compreender os fatores por trás dessa disseminação e desenvolver estratégias eficazes de controle.
Atualmente, as infecções por oropouche já foram confirmadas em dezoito estados brasileiros, além do Distrito Federal, totalizando 11.805 diagnósticos positivos. O número de vítimas fatais inclui quatro óbitos registrados no Rio de Janeiro e um no Espírito Santo, com mais duas mortes sob apuração. É importante notar que, em quase todas as semanas, a contagem de casos deste ano tem superado os números do ano anterior. Projeções indicam que o total acumulado para o ano atual superará os 13.856 casos registrados em 2024. Adicionalmente, o número de mortes em 2024 foi de quatro, distribuídas entre Bahia (2), Espírito Santo (1) e Santa Catarina (1), um valor que já foi excedido nos dados mais recentes.
Compreendendo o Vírus e Seu Vetor
A febre oropouche é causada por um vírus e transmitida principalmente pelo mosquito Culicoides paraensis, popularmente conhecido como maruim ou mosquito-pólvora. Este inseto é amplamente encontrado em todo o território nacional. Os sintomas da doença assemelham-se aos de outras arboviroses transmitidas por mosquitos, como a dengue e a chikungunya, manifestando-se principalmente através de febre alta, dores de cabeça intensas e mal-estar nos músculos e articulações.
Além dos sintomas gerais, a infecção pelo vírus oropouche pode acarretar complicações severas em gestantes, incluindo microcefalia, malformações congênitas e óbito fetal, similarmente ao que ocorre com o Zika vírus. Diante disso, o Ministério da Saúde aconselha que grávidas residentes em áreas com registros da doença reforcem suas medidas de proteção contra picadas de mosquitos. Embora a transmissão sexual do vírus não tenha sido cientificamente comprovada, o uso de preservativos é recomendado como precaução para indivíduos sintomáticos durante as relações sexuais.
Nova Linhagem e Fatores Ambientais Facilitam a Dispersão
Estudos genéticos recentes revelam que a proliferação da febre oropouche no Brasil é impulsionada por uma nova linhagem do vírus. Segundo Felipe Naveca, chefe do Laboratório de Arbovírus e Hemorrágicos do Instituto Oswaldo Cruz, essa nova variante emergiu na Amazônia, circulou inicialmente pela Região Norte e, posteriormente, se espalhou para outras partes do país. Ele enfatiza que este cenário está intimamente ligado a áreas de desmatamento recente, especialmente no sul do Amazonas e no norte de Rondônia, que funcionaram como pontos cruciais para a dispersão viral. Indivíduos infectados, ao se deslocarem antes de manifestarem os sintomas, acabaram transportando o vírus para fora da região.
O maruim, embora presente em todo o país, necessita de ambientes úmidos e com matéria orgânica em decomposição para sua reprodução. Por conseguinte, ele é mais incidente em áreas florestais e de plantações, com destaque para as lavouras de banana. Os surtos têm sido observados predominantemente em regiões periurbanas, que representam a transição entre ambientes rurais e de mata, e áreas habitadas por seres humanos. É importante mencionar que apenas as fêmeas do maruim transmitem o vírus da febre oropouche, que também pode ser inoculado em animais.
As alterações ambientais, conforme ressaltado por Naveca, também desempenham um papel crucial na proliferação da doença. Eventos climáticos extremos, sejam períodos de seca ou de cheias dos rios, impactam as populações tanto do vetor quanto dos animais dos quais o mosquito se alimenta, modificando assim todo o ecossistema. Dados do Instituto Oswaldo Cruz indicam que a população do vírus aumentava justamente nos períodos de chuva na Região Amazônica. Corroborando essa perspectiva, um estudo internacional recente, que analisou dados de seis países sul-americanos, incluindo o Brasil, identificou que variáveis climáticas, como as mudanças nos padrões de temperatura e chuva, foram os principais fatores de influência para a disseminação da oropouche, contribuindo em 60% dos casos. Por conseguinte, os pesquisadores acreditam que fenômenos climáticos extremos, como o El Niño, provavelmente tiveram um papel fundamental no surto iniciado em 2023.
Resposta das Autoridades de Saúde
Diante do avanço da oropouche, o Ministério da Saúde intensificou o monitoramento dos casos. A pasta tem realizado reuniões periódicas e visitas técnicas aos estados, oferecendo orientações às autoridades locais sobre os procedimentos corretos para a notificação, investigação e encerramento de casos suspeitos. Além disso, em colaboração com a Fiocruz e a Embrapa, o Ministério da Saúde está conduzindo pesquisas sobre o uso de inseticidas para o controle do vetor, com resultados preliminares que se mostram promissores. Essas evidências são fundamentais para a definição de estratégias eficazes no enfrentamento da doença, especialmente durante surtos, visando à redução de seu impacto na população. As medidas preventivas incluem o uso de roupas que cubram a maior parte do corpo, sapatos fechados, instalação de telas de malha fina nas janelas e a eliminação de matéria orgânica acumulada.
Desafios Regionais: Espírito Santo e Nordeste
O Cenário no Espírito Santo
As autoridades de saúde do Espírito Santo permanecem em estado de alerta, considerando que o estado, com pouco mais de 4 milhões de habitantes, registrou o maior número de casos tanto no ano passado quanto no corrente. Orlei Cardoso, subsecretário estadual de Vigilância em Saúde, explicou que grande parte dos 78 municípios capixabas possui características periurbanas, com extensas áreas de plantação, o que facilita sobremaneira a reprodução do maruim. Com uma abundância de mosquitos e uma população sem imunidade prévia, o vírus encontrou condições ideais para se disseminar. Cardoso também observou que os primeiros casos coincidiram com o período da colheita do café, uma época de grande circulação de trabalhadores vindos de outros estados. Isso cria um momento propício para a transmissão, pois os trabalhadores permanecem em uma cidade por uma semana antes de se deslocarem para outra, contribuindo para a propagação da doença.
Enquanto pesquisadores trabalham para mapear as áreas de maior incidência do maruim, a secretaria de saúde local está intensificando o treinamento de profissionais. Conforme garantiu o subsecretário, a doença era desconhecida para muitos, e agora os profissionais estão começando a compreender sua dinâmica para identificar e agir adequadamente diante de um caso de oropouche. Consequentemente, a qualificação das equipes municipais está sendo realizada, focando no reconhecimento clínico e, crucialmente, na diferenciação da oropouche de outras arboviroses como a dengue. Além disso, os agentes comunitários de saúde também estão recebendo treinamento.
Oropouche no Nordeste, com Foco no Ceará
A febre oropouche também se tornou uma novidade indesejável em alguns estados da Região Nordeste, com destaque para o Ceará, que contabilizou 674 casos este ano. De acordo com Antonio Lima Neto, Secretário Executivo de Vigilância em Saúde do estado, os casos cearenses também tiveram início em áreas de plantio, principalmente de banana, mas também de cacau e mandioca. Lima Neto relatou que, no primeiro ano, foram registrados 255 casos, concentrados em distritos rurais com pequenos povoados, todos localizados na região serrana do Ceará, conhecida como Maciço de Baturité. Entretanto, em 2025 (ano corrente), quando a doença retornou, observou-se uma transição para a principal cidade da região, Baturité, onde a população passa de 500 para 20.000 moradores, potencializando a disseminação.
O secretário executivo ainda destacou que o Ceará está investindo em ações de manejo clínico e vigilância laboratorial para assegurar o diagnóstico correto da doença, especialmente em gestantes. O estado foi um dos que registraram a morte de um feto após a infecção da mãe por oropouche. No ano passado, pelo menos cinco casos de óbito fetal e um caso de anomalia congênita no Brasil foram atribuídos ao vírus. Antonio Lima Neto concluiu abordando a complexidade do controle vetorial do maruim, que difere significativamente do Aedes aegypti, cujo controle se baseia na eliminação de criadouros, renovação de água e cuidado com o lixo doméstico. Para o mosquito-pólvora, seria necessária uma barreira química entre as plantações e as áreas habitadas, uma tarefa que o Ministério da Saúde tem testado produtos eficientes, mas que não se mostra trivial.