Edição Brasília

O subfinanciamento à indústria de Capital de Risco no Brasil e suas consequências

No primeiro artigo dessa coluna, abordei como o processo de criação de riqueza desempenha um papel fundamental na melhoria contínua e no avanço das sociedades. No artigo apresentei um comparativo em termos de riqueza criada pelas 10 maiores empresas de capital aberto no Brasil e nos Estados Unidos, onde verifica-se que das 10 maiores empresas americanas de capital aberto, 7 foram empresas investidas por fundos de Venture Capital (Capital de Risco). No início eram empresas deficitárias, que queimavam caixa, mas graças ao aporte de investidores de risco essas companhias puderam ser financiadas, se desenvolveram e hoje valem individualmente mais do que TODAS as empresas brasileiras listadas em bolsa somadas. No referido artigo foram apresentados casos de diversas outras empresas de tecnologia que em poucos anos criaram mais valor de mercado do que as maiores empresas de capital aberto brasileiras somadas, como por exemplo o caso da Salesforce, empresa de software fundada em 1999, portanto com 24 anos de existência, que possui um valor de mercado equivale ao valor de Petrobrás, Vale e Itaú Unibanco somados. Enfim, existem inúmeros outros exemplos. O ponto a ser ressaltado é que se a indústria de Capital de Risco americana não fosse uma indústria desenvolvida, muito provavelmente essas empresas não existiriam e essa elevada criação de riqueza não seria capturada. Ou seja, nas economias modernas, ter uma indústria de Capital de Risco desenvolvida corresponde a se ter uma “infraestrutura” para criação de riqueza e desenvolvimento econômico.

E no Brasil? Nessa última semana, tive a oportunidade de participar do congresso anual da ABVCAP (Associação Brasileira de Venture Capital e Private Equity) e conversando com os demais colegas gestores de fundos percebi que a situação do financiamento da indústria de Capital de Risco no país é preocupante. Os investidores institucionais, especialmente os Fundos de Pensão, que em outros países são os grandes alocadores de capital dessa indústria, no Brasil estão totalmente fora desse mercado, com raríssimas exceções.

Para se ter uma ideia da dimensão dessa discrepância, de acordo com dados da Preqin[1], nos Estados Unidos, um total de 560 Fundos de Pensão investem ativamente em fundos de Capital de Risco em fase inicial, conhecidos por early stage. O montante investido por esses Fundos de Pensão nessa categoria de fundos de Capital de Risco early stage corresponde a 26% do volume total captado pela indústria. Os Endowments e Fundações são responsáveis por mais 23% do volume captado. Ou seja, cerca de metade do volume investido nos fundos de Capital de Risco early stage americano provém de Fundos de Pensão, Fundações e Endowments. Já no Brasil esse percentual é praticamente nulo. Os poucos Fundos de Pensão que investem em fundos de Capital de Risco no Brasil quando o fazem investem em fundos late stage, que normalmente investem em empresas de maior porte (Private Equity).

Enfim, o investidor institucional local simplesmente desapareceu do mercado e isso tem algumas implicações importantes.

A primeira, obviamente, é que o volume de capital investido nas companhias caiu vertiginosamente. Menos capital investido, menor a capacidade de criação de riqueza e geração de empregos.

A segunda implicação é que com menos dinheiro no mercado, a competição pelas transações diminui e o retorno potencial dos fundos dessa safra aumenta. Como os fundos de pensão estão fora do mercado, não irão se beneficiar dos retornos auferidos por essa safra de fundos que foram captados majoritariamente com investidores pessoas físicas de alta renda e investidores estrangeiros. Esse fenômeno já ocorreu no passado quando a grande valorização obtida pela primeira leva de unicórnios brasileira, como Nubank, Stone, Loggi, entre outros beneficiou os investidores estrangeiros e pessoas físicas de alta renda que estavam alocados nos fundos que investiram nessas companhias. Ou seja, o participante do fundo de pensão local ficou, e continuará, de fora desse processo de criação de riqueza das empresas nacionais investidas por fundos de Capital de Risco.

A terceira implicação tem a ver com a estratégia de captação dos gestores, que mudaram seu foco de captação para investidores pessoas físicas de alta renda e/ou investidores estrangeiros. Os gestores de fundos de Capital de Risco são indivíduos que buscam permanentemente as melhores alternativas para alocação de capital para seus investidores. Estão constantemente estudando as tendências tecnológicas e buscando bons empreendimentos e empreendedores para serem financiados. A atividade de gestão de fundos de Capital de Risco é uma atividade ESSENCIAL nas economias modernas, pois é através desses gestores que a poupança, seja pública ou privada, flui de forma mais eficiente para as empresas promissoras que possuem um elevado potencial de crescimento. Ou seja, os gestores de fundos de Capital de Risco são os catalizadores desse processo de criação de riqueza exponencial.

Enquanto os Fundos de Pensão brasileiros permanecerem fora do mercado, essa situação de subfinanciamento irá perdurar e a indústria de Capital de Risco brasileira continuará operando muito aquém do seu potencial. Menos capital investido, menos riqueza criada, menos geração de empregos.

Como já pontuado nesse artigo, nas economias modernas, ter uma indústria de Capital de Risco desenvolvida significa ter “infraestrutura” para criação de riqueza e desenvolvimento econômico. Quais são as empresas que estão nascendo hoje e que em alguns anos terão mais valor de mercado do que Petrobrás, Vale, Itaú, entre outros ícones nacionais? Certamente essas empresas existirão, resta saber se serão gestadas em terras tupiniquins ou não. A depender da atual situação de financiamento da indústria de Capital de Risco nacional tudo indica que não. Infelizmente, esse fenômeno da criação de riqueza de forma exponencial utilizando a indústria de Capital de Risco como alavanca ainda não é muito bem compreendido pela maior parte dos Fundos de Pensão e pelos formuladores de políticas públicas no Brasil.


[1] https://www.preqin.com/insights/research/blogs/venture-capital-pension-plans-dominate-early-stage-investing-in-north-america

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