Edição Brasília

O impacto das injustiças no reconhecimento fotográfico de jovens negros no Brasil

Casos de prisões injustas revelam falhas no uso do reconhecimento fotográfico, prejudicando principalmente a população negra
Reconhecimento fotográfico injusto
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Entre 2012 e 2020, 81% das pessoas presas injustamente com base em reconhecimento fotográfico eram negras, segundo dados da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ). O método tem sido utilizado como prova principal em muitos casos, gerando condenações sem investigação profunda. Relatos de vítimas revelam as consequências devastadoras desse sistema, especialmente para jovens negros de áreas periféricas.

Carlos Alexandre Hidalgo e Danillo Felix Vicente de Oliveira são exemplos de como esse procedimento pode ser falho. Ambos foram acusados injustamente de crimes que não cometeram, baseados em identificações fotográficas feitas de forma imprecisa. Os dois homens enfrentaram processos criminais prolongados, passando por diversas prisões antes de serem finalmente liberados.

Os Traumas Enfrentados Pelas Vítimas

Carlos, porteiro no Rio de Janeiro, foi surpreendido ao descobrir que existiam processos criminais em seu nome, apesar de sua inocência. Reconhecido através de fotos, ele teve que lutar para provar sua inocência em cinco processos distintos. Em dois desses processos, os crimes ocorreram simultaneamente em locais diferentes, o que evidenciou a inconsistência das acusações. “Ninguém acreditava em mim. Até os advogados duvidavam”, relatou Carlos à Agência Brasil.

Danillo Felix, educador social, passou 55 dias preso injustamente. Sua prisão foi baseada no reconhecimento fotográfico, e ele enfrentou o trauma de perder momentos importantes com sua família, como o primeiro passo de seu filho. “Meu filho aprendeu a andar e eu não vi”, lamenta.

A falta de investigação adequada e a confiança cega no reconhecimento fotográfico têm gerado uma onda de injustiças, especialmente entre jovens negros. A advogada Maysa Carvalhal, do Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), destaca que o método se tornou uma punição antecipada, usada para criminalizar a população negra sem evidências concretas.

Racismo Estrutural e Seus Reflexos no Sistema Penal

O reconhecimento fotográfico, embora permitido pela legislação, carrega consigo a sombra do racismo estrutural. O pesquisador Pedro Heitor Barros Geraldo, da Universidade Federal Fluminense (UFF), ressalta que o sistema policial se aproveita das vulnerabilidades sociais e raciais para sustentar prisões sem investigação adequada. O resultado é uma criminalização desproporcional da população negra, que acaba presa por crimes patrimoniais, como assaltos e roubos, que frequentemente utilizam esse método de identificação.

Essa seletividade também se reflete no acesso das delegacias às fotografias usadas nos reconhecimentos. Muitas vezes, as fotos são obtidas de forma questionável, e a polícia não consegue explicar sua origem. Além disso, características superficiais, como “homem negro de 1,70m”, são comumente usadas para descrever suspeitos, o que amplia o risco de erros.

O Impacto do Racismo Algorítmico

Além do reconhecimento fotográfico tradicional, surge uma nova preocupação: o racismo algorítmico. Sistemas de inteligência artificial usados em investigações criminais podem aprofundar ainda mais as desigualdades raciais. Esses sistemas são treinados com dados históricos que carregam as mesmas opressões, criando um ciclo de injustiça.

O pesquisador Tarcízio Silva, especialista no tema, explica que esses algoritmos reforçam preconceitos existentes, pois utilizam padrões passados para identificar suspeitos. Como resultado, pessoas negras são mais frequentemente associadas a crimes, o que aumenta o número de prisões injustas.

Soluções para o Futuro

Diante desse cenário, o Estado do Rio de Janeiro tem começado a implementar mudanças. Em 2023, foi aprovada uma lei que proíbe o uso do reconhecimento fotográfico como única prova em pedidos de prisão. Essa medida é um passo importante para evitar que mais inocentes sejam encarcerados injustamente.

Por outro lado, vítimas como Carlos e Danillo ainda lutam para limpar seus nomes e recuperar suas vidas. A exclusão de suas fotos dos registros policiais depende da absolvição total em todos os processos. Até lá, continuam expostos ao risco de novas acusações injustas.