Ícone do site Edição Brasília

Novas frentes de petróleo: risco ambiental ou corrida contra o tempo?

Exploração petróleo Brasil impactos ambientais

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Novas áreas de exploração petrolífera no Brasil estão gerando acaloradas discussões, colocando em xeque a sustentabilidade ambiental e o futuro da indústria no país. Pescadores relatam danos ambientais significativos, enquanto especialistas questionam a estratégia nacional de expandir a produção de combustíveis fósseis, especialmente considerando a desaceleração prevista na demanda global.

Impactos Ambientais e a Voz dos Pescadores

A exploração de petróleo no Brasil tem um histórico de acidentes e vazamentos, além de altas emissões de gases de efeito estufa. Em São Sebastião, litoral paulista, Humberto Sales Almeida, pescador com 42 anos de experiência, descreve como a indústria petrolífera alterou profundamente a pesca artesanal da região. Ele relembra com nostalgia a pesca de caceio com seu pai, contrastando com a realidade atual, onde o intenso tráfego de navios e petroleiros impede a atividade pesqueira em áreas antes produtivas. “A gente não pode mais pescar nessa área devido ao tráfego de embarcações de navios, também do prático que passa ali e já passou por cima de pessoas, quase tirando a vida”, relata Humberto, enfatizando o risco à vida e a falta de consideração pelas comunidades tradicionais.

A cerca de 30 quilômetros dali, em Caraguatatuba, Ladisla Crispim dos Santos corrobora o relato, afirmando que a abundância de pescado e mariscos, outrora fonte de sustento de sua família, desapareceu após vazamentos de petróleo. “Quando teve o primeiro vazamento de petróleo aqui no litoral, não acabou por completo a gente ainda encontrava, mas veio o segundo vazamento, pronto. Não tem mais nem para contar a história”, lamenta a pescadora, destacando a devastação causada pelos acidentes.

Aumento de Acidentes e Danos Ambientais

O ano passado registrou um número recorde de 731 acidentes marítimos comunicados à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), um aumento significativo em relação aos 349 registrados em 2012, início da série histórica da agência. A ANP destaca que esses incidentes incluem falhas em equipamentos, poços, acidentes com funcionários e doenças, entre outros. No litoral paulista, o vazamento de 2013, que resultou na condenação da Transpetro por crime ambiental, é apenas um exemplo dos impactos negativos relatados pelos pescadores. Humberto Almeida denuncia o uso de dispersantes que contaminam o ecossistema marinho, “Eles jogam dispersante em cima do convés [do navio] e batem água. Então vem todo esse dispersante para o mar que, com o tempo, afunda e vai parar no recife e mata todos os ovos de peixes”, explica.

Relatório de Perdas e Danos e a Perspectiva das Comunidades

Um relatório da Fiocruz e do Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT), por meio do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS), detalha os prejuízos econômicos, sociais, culturais e emocionais causados pela indústria do petróleo. Ana Flávia Pinto, pescadora e coordenadora da Frente Luta da Pesca Artesanal do FCT, destaca a diminuição do pescado e o risco constante para pescadores em meio ao tráfego intenso de navios. “A gente vem sentindo muito medo mesmo”, afirma ela, expressando a insegurança e a angústia vividas pelas comunidades pesqueiras.

Novas Frentes de Exploração: Uma “Corrida Contra o Tempo”?

Em 17 de junho, a ANP realizará o 5º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão (OPC), leiloando 332 blocos de petróleo e gás, incluindo 47 na bacia da Foz do Amazonas, considerada o novo pré-sal. A Petrobras estima reservas de pelo menos 30 bilhões de barris nessa área. Apesar de uma nota técnica dos Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente permitir os leilões enquanto o licenciamento ambiental está em andamento, a aprovação do Ibama do plano da Petrobras sobre a fauna para o bloco FZA-M-59 é apenas uma das etapas para a obtenção da licença ambiental para perfuração.

Juliano Bueno de Araújo, diretor técnico do Instituto Internacional Arayara, critica a realização dos leilões antes mesmo da avaliação completa da viabilidade ambiental. Ele descreve a situação como uma “corrida contra o tempo” para aproveitar os últimos anos de alta demanda por petróleo, antes da transição energética global. “Quando você faz um leilão novo, a gente vai ter o primeiro galão de petróleo, dessas novas explorações, sendo disponibilizado daqui a oito anos”, explica Araújo, enfatizando a lentidão do processo e a falta de visão de longo prazo.

Araújo também questiona a narrativa de que o petróleo representa desenvolvimento econômico para as regiões exploradas. “Existe o canto da sereia de que a indústria do petróleo significa riqueza, mas a gente tem que se perguntar: a riqueza é para quem? Porque, no passado, nós ouvimos que o pré-sal resolveria o problema da saúde e da educação do país e não resolveu”, questiona ele, apontando para a desigualdade na distribuição dos benefícios.

Demanda Decrescente e a Competitividade do Petróleo Brasileiro

Um relatório da Agência Internacional de Energia (IEA) prevê uma desaceleração na demanda mundial por petróleo nos próximos anos, impulsionada pela adoção de veículos elétricos, energias renováveis e políticas de eficiência energética. A Petrobras reconhece o pico da produção em 2029, mas defende a abertura de novas frentes enquanto houver demanda, alegando que a produção na margem equatorial é estratégica para evitar a importação de petróleo em dez anos. O governo justifica o investimento em combustíveis fósseis como forma de financiar a transição energética.

Ricardo Fuji, especialista em conservação da WWF-Brasil, argumenta que o petróleo brasileiro terá baixa competitividade em termos de custo e emissões em relação a outros países produtores, como Emirados Árabes e Arábia Saudita. Ele critica a postura do Brasil nos fóruns internacionais de discussão climática, apontando a oportunidade perdida de assumir uma liderança global em energias renováveis.

Carolina Marçal, gestora ambiental do ClimaInfo, destaca a contradição entre a expansão da exploração de combustíveis fósseis e a urgência climática. Ela reforça que a produção brasileira já excede a demanda interna, e que a queima de petróleo agrava as mudanças climáticas globalmente. Marçal propõe investimentos em industrialização verde, expansão de energias renováveis e salvaguardas socioambientais como alternativas de desenvolvimento sustentável.

Reservas e o Futuro da Indústria Petrolífera no Brasil

Um estudo da InfoAmazonia indica que as reservas de petróleo já provadas no Brasil são suficientes até 2040, considerando o cumprimento dos acordos internacionais de redução de emissões. Sem exportações, as reservas durariam até 2045. Mesmo considerando um cenário de redução de 75% no consumo e exportação até 2050 (acordo Net Zero), as reservas seriam suficientes até 2039 ou 2042, dependendo da perspectiva de produção. “É evidente que o Brasil não precisa explorar novas fronteiras para repor seus estoques de petróleo. Ainda mais considerando o freio na demanda”, conclui Carolina Marçal, reforçando a necessidade de repensar a estratégia nacional de exploração de petróleo.

A Petrobras, por sua vez, argumenta que a falta de produção na margem equatorial pode levar o Brasil a importar petróleo em menos de dez anos, conforme afirmado pela diretora de Exploração e Produção (E&P), Sylvia Anjos. A divergência entre as perspectivas reforça a complexidade do debate e a necessidade de uma avaliação criteriosa dos impactos socioambientais e econômicos da exploração de novas fronteiras petrolíferas no Brasil.

Sair da versão mobile