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Nordeste: Investigação sobre óleo esbarra em entraves com autoridades estrangeiras

MPF aguarda cooperação internacional para identificar culpados pelo desastre de 2019. Investigação enfrenta entraves e comunidades cobram respostas.
Foto: Divulgação/Prefeitura de Belmonte

Quase seis anos após o desastre ambiental que atingiu o litoral nordestino, a investigação sobre o derramamento de óleo ainda enfrenta obstáculos. O Ministério Público Federal (MPF) aguarda a colaboração de autoridades estrangeiras para identificar os responsáveis por um dos maiores desastres ambientais do Brasil. Enquanto isso, comunidades afetadas cobram respostas e soluções.

Investigação do MPF esbarra em cooperação internacional pendente

A Procuradoria da República no Rio Grande do Norte, responsável pela investigação criminal, informou à Agência Brasil que ainda existem incertezas sobre a autoria do crime. Dessa forma, a identificação dos culpados depende de informações que precisam ser fornecidas por autoridades de outros países. O caso busca apurar as causas do derramamento de óleo que atingiu diversas praias do Nordeste em 2019.

As primeiras manchas de óleo surgiram no litoral da Paraíba no final de agosto de 2019. Rapidamente, o material se espalhou por praias, mangues, recifes e costões dos nove estados nordestinos: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe, além de atingir trechos do litoral do Espírito Santo e do Rio de Janeiro. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) classificou o incidente como “o mais grave crime ambiental ocorrido no litoral”, com 130 cidades afetadas ao longo de 3,6 mil quilômetros de costa.

Diante da gravidade da situação, a União acionou o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional (PNC). Essa foi a primeira vez que o plano foi utilizado desde sua criação em 2013. A medida mobilizou órgãos públicos federais, estaduais e municipais, assim como as Forças Armadas, para monitorar, conter e recolher toneladas de material contaminado. O plano, entretanto, só foi ativado mais de 40 dias após a detecção das primeiras manchas de óleo, sendo desmobilizado em 20 de março de 2020, mesmo com o reaparecimento de vestígios do poluente.

Custos da operação de limpeza e mitigação

Como a fonte da poluição não foi identificada inicialmente, o Ibama solicitou que a Petrobras participasse dos esforços de mitigação e limpeza. A petrolífera informou que gastaria pouco mais de R$ 43,28 milhões para disponibilizar funcionários e equipamentos. A Marinha, por sua vez, calculou seus custos em mais de R$ 128,07 milhões. No total, o Ibama estima que a operação consumiu cerca de R$ 187,64 milhões. É importante ressaltar que esses valores são referentes à última atualização disponível, de março de 2020, e não foram corrigidos pela inflação. Além disso, não incluem os gastos de estados e municípios.

O governo de Pernambuco informou que gastou R$ 9,18 milhões para mitigar os efeitos do derramamento de óleo em sua costa e solicitou ressarcimento à União. O governo do Rio Grande do Norte, por sua vez, gastou R$ 456 mil para recolher mais de 34 toneladas de resíduos contaminados e outros R$ 165 mil para salvar animais litorâneos. Vários municípios também tiveram que arcar com os processos de limpeza.

Indiciamento e dificuldades na obtenção de informações

Em dezembro de 2021, a Polícia Federal (PF) concluiu as investigações, apontando que o óleo vazou ou foi lançado ao mar pela tripulação do navio petroleiro Bouboulina, pertencente à empresa Delta Tankers, sediada na Grécia. A PF indiciou a Delta Tankers, o comandante do navio, Konstantinos Panagiotakopoulos, e o chefe de máquinas, Pavlo Slyvka, pelos crimes de poluição, descumprimento de obrigação ambiental e dano a unidades de conservação. O relatório da PF estimou os custos do dano ambiental em R$ 188 milhões, um “valor inicial e mínimo”.

A partir desse momento, o fato de o principal inquérito sobre o caso tramitar em segredo de justiça dificultou o acesso a informações por parte de movimentos sociais, imprensa e outros interessados. Andrea Rocha do Espírito Santo, coordenadora da campanha Mar de Luta, que reúne organizações de pescadores artesanais e entidades de defesa dos direitos humanos e socioambientais, afirmou que há dificuldades em obter informações. O MPF também se limitou a informar que a investigação é sigilosa e que não pode fornecer detalhes sobre as dúvidas pendentes acerca da autoria do derramamento.

A Advocacia-Geral da União (AGU) informou que não integra nenhum processo envolvendo a Delta Tankers. O Ibama, apesar de a PF ter apontado o navio grego como fonte da poluição, não aplicou nenhuma sanção administrativa ou multa. O órgão explicou que o indiciamento não é suficiente para a lavratura de auto de infração, mas que o caso pode resultar em sanções de até R$ 100 milhões, valor que seria destinado ao Fundo Nacional de Meio Ambiente e ao Tesouro Nacional. Entretanto, o Ibama já ressarciu a Petrobras pelos gastos, no valor de R$ 39 milhões (valor de 2020).

Sigilo da investigação e a visão da OAB

A presidenta da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Pernambuco, Ingrid Zanella, comentou o sigilo do inquérito. A especialista em direito marítimo e ambiental afirmou que, embora o sigilo seja razoável em alguns casos, ele impede a sociedade de acompanhar a evolução da apuração. Segundo ela, uma eventual ação de responsabilização civil só deve ser ajuizada quando não restarem dúvidas sobre os culpados. Além disso, a punição criminal e civil aos responsáveis contribuiria para dar mais segurança à navegação e ao transporte aquaviário no país. Zanella concluiu que a impunidade fragiliza a proteção ambiental.

Dúvidas e expectativas das comunidades afetadas

Andrea Rocha, da campanha Mar de Luta e do Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP), ressaltou a dificuldade de punir crimes ambientais transnacionais. Ela expressou as dúvidas e preocupações dos pescadores, mencionando a falta de informações oficiais sobre o caso. Andrea destacou que a incerteza manifestada pelo MPF pode indicar que as informações sobre o crime são insuficientes. Para ela, a resolução do caso, com a punição dos responsáveis e a reparação integral às vítimas, deveria ser prioridade máxima para o Estado.

A campanha Mar de Luta busca o reconhecimento da dimensão do crime, a total recuperação ambiental, a reparação socioeconômica às vítimas, a proteção aos territórios tradicionais pesqueiros e as devidas punições aos responsáveis, incluindo gestores públicos que demoraram a tomar providências. Andrea concluiu que o Estado brasileiro parece tratar o caso como um crime simples.

Comissões parlamentares e o desmantelamento da governança ambiental

A contaminação do litoral brasileiro pelo óleo foi objeto de comissões parlamentares, incluindo a CPI da Câmara dos Deputados, que encerrou seus trabalhos sem aprovar um relatório final com apontamento de responsabilidades e omissões. Uma comissão externa da Câmara já havia apontado omissão dos órgãos federais e atraso na tomada de decisões. O Senado também formou uma comissão temporária externa, cujo relatório destacou o contexto de “sistemático desmantelamento da estrutura de governança ambiental” do governo federal, o que teria agravado os efeitos do desastre.