Num mundo onde praticamente todo filme de terror traz com si uma garantia de bilheteria, ver Ninguém Vai Te Salvar sendo lançado sem cerimônia no Star+ e não aproveitando um mês fraquíssimo para estreias no cinema é de coçar a cabeça. O novo longa de invasão protagonizado por Kaitlyn Dever chegou no streaming na última sexta-feira (22), e é provavelmente a nova vítima do maltrato da Disney com produções da 20th Century Studios. Com a execução precisa da direção de Brian Duffield, esse suspense merecia a telona.
Mais quieto que Um Lugar Silencioso, Ninguém Vai Te Salvar acompanha Brynn (Dever), uma jovem que parece viver nos anos 1950, sozinha numa grande (e isolada) casa nos subúrbios dos EUA. Entre costurar vestidos que vende pelo correio e construir uma mini cidade na sua sala de estar, a menina dança ao som de “Knock on Any Door”, janta com um bom vinho e ignora ligações telefônicas enquanto evita, ao máximo, ser vista pela população local. Nas suas eventuais idas ao centro, ela é recebida por olhares tortos e coisas piores.
Ninguém Vai Te Salvar guarda os segredos do isolamento de Brynn até os últimos minutos (mas qualquer espectador prestando atenção sem dúvidas conectará as peças antes), e a eventual resposta, como praticamente qualquer terror moderno, está em trauma e superação. A narrativa traumática que invade tantas produções atuais (só este ano: Fale Comigo, Boogeyman, Pânico VI, M3GAN) já é tão previsível quanto cansativa, servindo de muleta para dar uma estrutura temática de fácil compreensão e que supostamente ajuda audiências mais jovens a se conectarem com as personagens.
Felizmente, o roteiro de Duffield trata do trauma com muito mais maturidade e sutileza do que seus contemporâneos do gênero. Os alienígenas que começam a bater porta de Brynn numa noite não são apenas uma metáfora fácil para as experiências da garota, e Duffield consegue desdobrar o tema de forma orgânica, sem cair na engenharia reversa que povoa tantos filmes atuais. O problema ainda está lá, mas o diretor não se joga de cabeça nele.
Até por que, não é preciso abusar do passado de Brynn para nos colocar ao lado dela. Já vivendo como uma extraterrestre entre os terráqueos, basta passar alguns minutos de dela com Dever, uma das mais naturais e carismáticas atrizes jovens trabalhando hoje, para nos envolvermos em suas lutas para sobreviver o que parece ser o começo de uma invasão alienígena. Praticamente sem falas, Dever é a principal aliada de Duffield para, com pura fisicalidade e construção de imagens, montar o cenário para uma espécie de Alien vs. Esqueceram de Mim, na qual ela precisa defender sua fortaleza como puder.
Duffield não parece nem um pouco interessado em reinventar o tipo de filme que faz, e com razão. Claramente inspirado pelas ficções-científicas de Spielberg (Contatos Imediatos e E.T.) e pelos suspenses de Shyamalan (Sinais, especialmente), ele pende para o clássico até no design dos alienígenas — cabeções arredondados e grandes olhos pretos. Sua proposta depende muito mais da encenação das diversas cenas de perseguição e embate entre Brynn e os invasores, e especialmente do quão bem ele conseguirá explorar a premissa da protagonista muda (por escolha). O resultado gera algumas cenas onde o silêncio até parece forçado, mas em grande parte pela atuação convincente de Dever, que se porta como uma mulher determinadíssima, seja para não revelar suas feridas ou para derrotar aliens, mas claramente cicatrizada por anos de sofrimento taciturno.
Sua performance é 95% física. Dos olhares horrorizados até a postura tímida, das expressões corajosas até o choro revelador, Dever pinta tão bem o quadro completo de Brynn, que quando Duffield finalmente nos mostra (de maneira bem óbvia) o que a transformou em persona non grata, o momento tem tons reducionistas. Brynn não precisava ser fruto de um trauma para ser interessante.
Para acompanhar o trabalho de Dever, Duffield bola inúmeras sequências criativas e engenhosas para colocar Brynn contra os alienígenas. Incorporando de forma lúdica objetos banais (geladeira, tesoura, panelas), o diretor transforma a casa de Brynn num parque de diversão onde a tensão aumenta a cada cômodo, e onde há sempre outra ideia de como uma jovem pode sobreviver uma invasão. Para compensar o CGI limitado, ele dá aos extraterrestes movimentos travados (pense em stop-motion) que só os deixam mais arrepiantes, e a forma como nos apresenta aos seus poderes só não é melhor do que seus usos imaginativos dos icônicos raios tratores de ovnis.
Tudo isso acontece ao longo de breves 93 minutos. A duração deixa alguns elementos do roteiro (como uma reviravolta meio Vampiros de Almas) pouco desenvolvidos, mas ajuda o filme a ter um ritmo bem-vindo e ágil, e Duffield encontra um ótimo final para circular suas ideias de exílio social de maneira intrigante. Assim, Ninguém Vai Te Salvar se mostra mais bem-resolvido, empolgante e eficaz do que tantos lançamentos do cinema de terror de 2023. É uma pena que, assim como Brynn vive separada dos seus vizinhos, o filme tenha sido expulso para o streaming.
Fonte: https://www.chippu.com.br/criticas/ninguem-vai-te-salvar-critica-katilyn-dever-brian-duffied-star-plus-e-bom-vale-a-pena-explicado