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Mulheres negras marcham no Rio por justiça e bem-viver, homenageando Marielle

Milhares de mulheres negras marcharam neste domingo (27) na Praia de Copacabana, Rio de Janeiro, reivindicando justiça e bem-viver e homenageando Marielle Franco.
Marcha Mulheres Negras Rio Marielle
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Milhares de mulheres negras preencheram a Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, neste domingo (27), para a XI Marcha das Mulheres Negras. O evento de grande porte teve como foco principal a reivindicação por justiça e o “bem-viver”, dedicando também uma significativa homenagem à memória e ao legado da vereadora Marielle Franco, cujo aniversário de 46 anos seria celebrado na mesma data. A manifestação uniu diversos coletivos de todo o estado, reforçando a luta contra o racismo e pela igualdade.

O Propósito da Marcha e Homenagem a Marielle Franco

A escolha do dia para a marcha não foi aleatória; além de se aproximar do Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Afro-caribenha, comemorado na última sexta-feira (25), a data coincidiu com o aniversário de Marielle Franco. Ela, que se tornou um símbolo poderoso da resistência e da luta por direitos das mulheres negras no Brasil, foi o coração da celebração e das demandas do dia.

Entre as presenças notáveis, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, irmã de Marielle, esteve presente. Ela caminhou ao lado de sua mãe, Marinete da Silva, e de sua sobrinha, Luyara Franco, filha da vereadora. Anielle expressou o significado daquele momento: “Hoje celebramos à frente do Instituto Marielle Franco e do Ministério da Igualdade Racial, e estamos aqui com muitas mulheres pretas gritando por resistência. Sabemos o que é estar em todas as frentes de batalha e não poderíamos deixar de participar.”

Luyara Franco, por sua vez, ressaltou a permanência dos ideais de sua mãe como diretrizes do instituto fundado após seu trágico assassinato em 2018. “Minha mãe completaria 46 anos de vida hoje, e grande parte dessa existência foi dedicada às lutas que nos conectam. Estar aqui, portanto, é algo muito simbólico para nós, reafirmando nossa jornada e o compromisso do Instituto Marielle Franco em prol das mulheres negras”, afirmou. Marinete Silva complementou o sentimento, declarando que “Marielle vive na vida de cada uma dessas mulheres, e honrar sua vida significa estar nas ruas”.

Aprofundando o Conceito de “Bem-Viver”

O lema da marcha, “Contra o racismo, por Justiça e Bem-Viver”, reflete uma agenda ampla de reivindicações. A coordenadora de Comunicação do Fórum Estadual de Mulheres Negras, Jupi Conceição, detalhou o conceito de “bem-viver”, que tem sido um pilar central das demandas há décadas. Ela explicou que “o bem-viver engloba o direito de ir e vir livremente, de ter alimento na mesa para a família – sabendo que a maioria das famílias é sustentada por mulheres –, o direito de participar desta marcha, de se divertir com dignidade, sem sofrer qualquer tipo de violência, seja doméstica ou feminicídio”.

Para simbolizar a continuidade da luta e a esperança no futuro, a faixa de abertura da marcha foi carregada por meninas e jovens mulheres negras. Ana Julia, uma estudante de 17 anos que participava, ilustrou essa representatividade. “Eu participo da marcha desde criança, pois minha mãe me ensinou que, por meio dela, poderíamos ter voz para lutar pelo que queremos. Para o futuro, desejo oportunidades de estudo, trabalho justo e menos preconceito no Brasil”, compartilhou.

A Luta por Justiça e o Combate ao Racismo Estrutural

Em um momento carregado de emoção, mães que perderam seus filhos devido à violência de agentes do Estado marcharam pedindo justiça. Rafaela Mattos, mãe de João Pedro Mattos, adolescente assassinado em 2020 durante uma operação policial, foi uma dessas vozes. Ela mencionou que, embora a Justiça tenha reformado uma decisão há cerca de um mês, determinando que os policiais envolvidos passem por júri popular, o julgamento ainda não foi agendado. Essa decisão trouxe um vislumbre de esperança, contudo, o medo da impunidade persiste.

Rafaela Mattos expressou sua expectativa e apreensão: “Nossa esperança é que o júri seja marcado o mais breve possível, entretanto, os réus ainda podem recorrer, então aguardamos. Demos um passo crucial, mas sim, ainda temo que essa justiça não se concretize, pois já se passaram muitos anos, e durante esses cinco anos, os réus permanecem em liberdade, sem qualquer punição. Sabemos que a justiça é notoriamente lenta, porém, certamente, o racismo e o fato de João ter sido morto em uma favela contribuem para essa morosidade.”

Mônica Cunha, cofundadora do Movimento Moleque, que também teve um filho morto enquanto cumpria medida de ressocialização, enfatizou como o racismo é um fator determinante para explicar quais mães vivenciam a perda de filhos pela violência estatal. “Estamos marchando neste local, que possui um dos IPTUs mais altos do Rio de Janeiro, para demonstrar que somos mulheres diversas, mas que ainda nos encontramos neste espaço de dor, precisando transitar do luto para a luta. Isso ocorre devido ao racismo que domina nossas vidas. A marcha é para afirmar que isso precisa acabar”, pontuou Mônica.

O Clamor por Representatividade Política

A importância de ampliar a representação política das mulheres negras foi outro ponto crucial do evento. Richelle da Silva Costa, participante do movimento Mulheres Negras Decidem, destacou os esforços do grupo para combater essa lacuna por meio da formação de lideranças e capacitação política. “Nós representamos o maior grupo demográfico do país, e desejamos estar nos espaços de poder para formular e debater políticas públicas. A ausência de mulheres negras nesses ambientes, por conseguinte, fortalece uma política que nos fragiliza”, defendeu Richelle.

Essa marcha no Rio de Janeiro serviu também como um evento preparatório para a II Marcha Nacional das Mulheres Negras, que está programada para ocorrer em Brasília em 25 de novembro. Dessa forma, a mobilização no Rio reforça a articulação em nível nacional, sinalizando a persistência e a expansão do movimento por justiça, bem-viver e representatividade.