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Milton Nascimento e Demência de Lewy: O que saber sobre a doença e prevenção

Após o diagnóstico de Milton Nascimento, a Demência por Corpos de Lewy ganha evidência. Entenda a doença sem cura, seus sintomas e como hábitos saudáveis podem prevenir até 60% dos casos.
Hábitos saudáveis demência Lewy
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O recente diagnóstico do icônico cantor Milton Nascimento, aos 82 anos, trouxe à tona a Demência por Corpos de Lewy (DCL), uma condição neurológica que, embora sem cura definitiva, permite o manejo dos sintomas e o retardo da progressão com tratamento adequado. Esta é, de fato, a terceira forma mais comum de síndromes demenciais, ficando atrás apenas da doença de Alzheimer e da demência vascular. Apesar da ausência de dados oficiais precisos no Brasil, estudos recentes estimam que a demência pode afetar entre 12,5% e 17,5% da população idosa do país. Além disso, pesquisas sugerem que uma parcela significativa, até 60% dos casos, poderia ser evitada por meio da adoção de hábitos saudáveis.

Diferenciando o Envelhecimento Normal da Demência

É fundamental compreender a diferença entre o declínio cognitivo natural que pode acompanhar o envelhecimento e um quadro demencial. Conforme explica o médico André Felício, coordenador da pós-graduação em Neurologia da Afya Educação Médica, é esperado que o desempenho cognitivo sofra alterações com a idade. No entanto, esses problemas, como a perda de memória para fatos recentes ou a dificuldade de concentração e compreensão, tornam-se um indicativo de demência quando começam a interferir diretamente na rotina diária de uma pessoa, demandando supervisão dos familiares ou cuidadores. Assim, o ponto crucial que distingue um indivíduo com demência de um sem a condição é, sobretudo, a perda de independência.

O Processo Diagnóstico da Demência por Corpos de Lewy

Dada a complexidade das condições que podem impactar a função neurológica em idosos, um diagnóstico preciso exige a avaliação de um especialista. Para tanto, o neurologista conduz uma investigação minuciosa que parte da observação atenta dos sintomas apresentados, complementada por testes neuropsicológicos e exames de imagem específicos. Esses testes, por exemplo, são projetados para avaliar diversas áreas cognitivas, como memória, linguagem, atenção e outras funções executivas. Por outro lado, os exames de imagem desempenham um papel vital tanto na confirmação da presença da demência quanto na sua correta classificação.

Exames de Imagem e Alterações Bioquímicas

A ressonância magnética de crânio, por exemplo, oferece insights importantes para a diferenciação dos tipos de demência. Na doença de Alzheimer, ela frequentemente revela uma atrofia característica em regiões do cérebro, como os lobos temporais, onde se localiza o hipocampo. Entretanto, na Demência por Corpos de Lewy, essa atrofia não é tipicamente observada. Além disso, um exame crucial para a DCL envolve a avaliação da dopamina no cérebro. Nesta condição, a dopamina apresenta-se alterada, diferentemente do que ocorre na doença de Alzheimer, onde seus níveis permanecem normais. Essa distinção bioquímica é essencial para o diagnóstico.

A Conexão Entre Demência por Corpos de Lewy e Parkinson

A alteração da dopamina no cérebro explica outra característica marcante da Demência por Corpos de Lewy: a manifestação de sintomas parkinsonianos, ou seja, aqueles típicos da doença de Parkinson. Consequentemente, não é incomum que pacientes com DCL recebam um diagnóstico prévio de Parkinson, pois os sintomas motores se manifestam antes que o quadro cognitivo se torne evidente. De fato, eles sempre tiveram DCL, mas a face cognitiva ainda não havia se revelado. O próprio Milton Nascimento se enquadra neste padrão, já que recebeu o diagnóstico de Parkinson cerca de dois anos antes da confirmação da DCL, apresentando sintomas como tremores e rigidez muscular.

Estratégias de Prevenção: O Poder dos Hábitos Saudáveis

Apesar de a ciência ainda estar em busca das causas exatas da demência, André Felício ressalta que muitos fatores que podem diminuir ou aumentar o risco da doença já são bem conhecidos. Parece redundante, mas voltamos ao essencial: os hábitos de vida saudáveis. Sabe-se que a prática regular de exercícios físicos, um sono de qualidade e uma alimentação que se assemelha à dieta mediterrânea possuem um efeito neuroprotetor significativo. Da mesma forma, construir uma reserva cognitiva ao longo da vida, por meio de atividades intelectuais e aprendizado contínuo, também oferece proteção. Por outro lado, o neurologista alerta para fatores que comprovadamente pioram o risco, como o consumo excessivo de álcool, o sedentarismo, a hipertensão, o diabetes e a obesidade.

Em consonância com essas orientações do especialista, um estudo recente e relevante, liderado por pesquisadores da Universidade de São Paulo, concluiu que quase 60% dos casos de demência podem ser atribuídos a fatores modificáveis. Portanto, esses dados reforçam a premissa de que uma proporção considerável de casos de demência poderia ser prevenida ou, no mínimo, ter seu início postergado através da adoção de um estilo de vida mais saudável e consciente. A prevenção, assim, emerge como uma ferramenta poderosa na luta contra as demências.