Um novo relatório das Nações Unidas revelou que 64 países, signatários do Acordo de Paris, projetam uma redução de 17% nas suas emissões de gases do efeito estufa em comparação com os níveis de 2019. No entanto, especialistas em clima expressam severas críticas, apontando para uma percepção de falta de urgência real diante da gravidade da crise climática global, apesar das ambições atualizadas.
Análise do Relatório da ONU sobre Metas Climáticas
As informações foram divulgadas em um abrangente Relatório Síntese das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), publicado nesta terça-feira (28) pelo secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). O documento detalha que a projeção para 2030 indica uma diminuição de 6% nas emissões, quando comparada às metas anteriormente propostas. Este estudo, aliás, serve como uma ferramenta crucial para avaliar o progresso das ações climáticas nas 198 nações integrantes do Acordo de Paris.
Em outras palavras, o relatório, embora elaborado com base nas metas atualizadas por menos de um terço dos países (64) entre janeiro de 2024 e setembro de 2025, sugere um avanço significativo. Segundo o documento, se as novas NDCs forem plenamente implementadas até 2035, elas seriam capazes de eliminar 13 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) da atmosfera. Além disso, as ambições apresentadas demonstram caminhos claros para reduções de longo prazo e o objetivo de alcançar a neutralidade nas emissões.
Adicionalmente, o relatório enfatiza que as NDCs estão mais completas do que nunca. Não se restringem apenas a objetivos de mitigação, mas também incorporam elementos cruciais como adaptação, financiamento, transferência de tecnologia, capacitação e a abordagem de perdas e danos. Desse modo, as contribuições refletem de maneira mais abrangente os princípios do Acordo de Paris, mostrando uma progressão considerável em termos de qualidade, credibilidade e cobertura econômica, com 89% das Partes comunicando metas para toda a economia, conforme destacado pelo próprio relatório.
A Urgência Ignorada e as Críticas de Especialistas
Apesar dos avanços na sofisticação das metas, o problema central da urgência climática permanece, conforme avaliação de Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa. Ela critica veementemente a desproporção entre a meta alcançada e a necessidade científica. “Estamos gerindo uma crise sem a urgência de uma crise. Há algo de profundamente equivocado em celebrar uma queda de 17% nas emissões quando a ciência diz que precisamos de 60%”, pontua Unterstell.
Por outro lado, o cenário é igualmente preocupante para Alexandre Prado, líder de mudanças climáticas do WWF-Brasil. Ele observa que as ações climáticas continuam sendo adiadas e transferidas para as gerações futuras. Entretanto, Prado identifica um ponto promissor: a integração de medidas de adaptação das cidades aos planos de redução das emissões. Ele destaca a importância de ações baseadas na natureza, como a conservação de manguezais e florestas, que podem reduzir custos, aumentar a resiliência das comunidades e oferecer benefícios que vão muito além do carbono, incluindo a manutenção da biodiversidade, da água e do equilíbrio climático.
O Desafio Crítico do Financiamento Climático
A questão financeira surge como um pilar fundamental para a implementação dessas metas. Entre os países que apresentaram as novas NDCs, 75% incluíram a necessidade de soluções inovadoras e do fortalecimento da cooperação internacional para desbloquear um financiamento climático robusto, capaz de viabilizar a implementação das metas em países em desenvolvimento. Este aspecto é crucial para garantir a equidade e a efetividade global.
Nesse contexto, Gustavo Souza, diretor sênior de políticas públicas e incentivos da Conservação Internacional, reitera a importância de assegurar que mecanismos como os mercados de carbono de alta integridade, o REDD+ e o Tropical Forest Forever Facility (TFFF) forneçam financiamento previsível para aqueles que se dedicam à proteção da natureza. Contudo, ele enfatiza que, “apesar de uma maior ambição, as novas NDCs também destacam que persistem lacunas de financiamento para ações climáticas baseadas na natureza. As florestas representam um terço da solução global para as mudanças climáticas, mas recebem apenas 3% do financiamento climático. Esse desequilíbrio precisa ser corrigido”, reforça Souza, apontando para uma disparidade que exige atenção urgente.
O Papel do Brasil e o Cenário Global
Desde a escolha do Brasil como sede da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), a presidência brasileira tem se empenhado ativamente em incentivar a entrega das atualizações dos compromissos climáticos pelos países. O Brasil, inclusive, foi o segundo país a entregar sua NDC, superando o primeiro prazo e demonstrando um engajamento significativo antes mesmo de a data limite ser prorrogada para setembro.
É importante notar que os 64 países incluídos neste relatório foram aqueles que entregaram suas NDCs dentro do novo prazo, e a lista ainda não inclui os compromissos de grandes emissores como China e Índia. Por conseguinte, o mundo ainda aguarda dois terços das novas NDCs esperadas. Em conclusão, Gustavo Souza destaca que, “a menos de duas semanas da COP30 em Belém, mais países precisam submeter suas NDCs para sinalizar que a ambição coletiva está aumentando e que as metas do Acordo de Paris continuam ao nosso alcance”, reforçando a necessidade de uma ação global mais coordenada e ambiciosa para enfrentar a crise climática.



