Cinco anos após a implementação do Marco Legal do Saneamento Básico, os municípios brasileiros emitem um alerta preocupante: a meta de universalização dos serviços até 2033 corre sérios riscos. A falta de apoio técnico-financeiro, somada aos desafios complexos da regionalização, surge como um obstáculo significativo, conforme revela uma pesquisa recente do Instituto Trata Brasil.
Desafios na Universalização do Saneamento Básico
A lei, que entrou em vigor há meia década, estabeleceu que 99% da população deveria ter acesso à água potável e 90% ao esgotamento sanitário até o ano de 2033. No entanto, muitos municípios apontam fragilidades na execução e enfrentam desafios substanciais para cumprir essas diretrizes. Entre os fatores que dificultam a universalização, destacam-se a insegurança jurídica, a carência de suporte técnico adequado e a baixa capacidade de investimento das administrações locais.
Os dados divulgados pelo Instituto Trata Brasil ilustram um cenário desafiador. Atualmente, 16,9% dos brasileiros ainda vivem sem acesso à água potável, enquanto impressionantes 44,8% não possuem coleta de esgoto. Além disso, para que o país consiga atingir as metas ambiciosas estabelecidas pelo marco legal, a pesquisa indica a necessidade de praticamente dobrar os investimentos atuais no setor. Portanto, uma ação coordenada e robusta torna-se imperativa para reverter essa situação.
Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), reforça a importância da colaboração. Segundo ele, os municípios, que são os principais responsáveis pela oferta desses serviços essenciais, necessitam de um suporte mais efetivo tanto dos estados quanto da União. Ele defende que “para os gestores locais, é imprescindível que a União e os estados garantam apoio técnico-financeiro consistente, planejamento adequado dos blocos regionais e contratos que considerem de fato as realidades municipais, sob pena de se perpetuar desigualdades históricas no acesso ao saneamento”.
A Complexidade da Regionalização no Saneamento
Uma das inovações mais relevantes do Marco Legal do Saneamento é a promoção da regionalização. Esse modelo incentiva que blocos de municípios se unam para ofertar os serviços de saneamento de forma conjunta, o que, teoricamente, facilitaria a privatização e traria maior escala, tornando as operações mais eficientes e, potencialmente, mais baratas.
De fato, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que 44,8% dos 5.570 municípios brasileiros são pequenos, com até 10 mil habitantes. Consequentemente, a oferta coletiva de saneamento, através da regionalização, poderia otimizar recursos e reduzir custos para essas localidades. Contudo, a implementação prática tem revelado complexidades que exigem atenção.
A Visão da CNM sobre a Implementação
Na prática, no entanto, a regionalização não tem se traduzido em um aumento significativo da cobertura dos serviços, conforme observa Paulo Ziulkoski. Ele critica que, “em muitos casos, [a regionalização] foi instituída de forma unilateral pelos estados, sem estudos consistentes e sem a participação efetiva dos municípios”. Essa abordagem, segundo Ziulkoski, tem gerado arranjos frágeis, frequentemente mais voltados à viabilização de concessões ou privatizações de estatais do que ao atendimento integral das populações, especialmente em áreas rurais e periferias urbanas, onde a demanda por cobertura universal é mais premente.
Além disso, outro ponto de grande preocupação para a CNM é o foco restrito da regionalização. Ela tem se concentrado quase exclusivamente nos serviços de água e esgoto, “negligenciando os demais componentes do saneamento, como resíduos sólidos e drenagem urbana, que seguem como passivos relevantes para os municípios”. A CNM revela que 67% dos municípios brasileiros já estão inseridos em arranjos regionais, entretanto, nem sempre participaram ativamente das decisões sobre a forma de prestação dos serviços. Portanto, é indispensável que a União assegure apoio técnico qualificado e recursos não onerosos para os municípios. “Auxiliar os municípios significa não apenas oferecer recursos, mas sobretudo garantir condições estruturais para que possam planejar, decidir e fiscalizar, assegurando que a regionalização e os investimentos previstos se revertam, de fato, em avanços rumo à universalização”, ressalta o presidente da CNM.
Análise do Instituto Trata Brasil
A pesquisa do Instituto Trata Brasil corrobora as dificuldades na regionalização. Dos 26 estados brasileiros passíveis de passar por esse processo – o Distrito Federal é isento –, apenas Minas Gerais e Rio de Janeiro apresentaram uma regionalização parcial. Amapá, Mato Grosso do Sul e uma parte do Rio de Janeiro chegaram a passar por processos de licitação que já incluíam a estruturação de blocos regionalizados para a prestação dos serviços de saneamento. Ainda assim, o instituto aponta que, mesmo com a maioria dos estados tendo leis aprovadas que contemplam seus municípios dentro da prestação regionalizada, “ainda está pendente a operacionalização desses blocos”. Isso representa desafios significativos, principalmente devido à coexistência de diferentes prestadores de serviços e à complexa necessidade de alinhar os interesses de múltiplos municípios.
A Resposta do Governo Federal: Ministério das Cidades
O governo federal, por meio do Ministério das Cidades, reconhece a urgência de acelerar o ritmo de execução das políticas de saneamento básico. A pasta admite que a universalização dos serviços exige esforços coordenados, contínuos e abrangentes de todas as esferas de governo e setores da sociedade.
O ministério informa que a política pública federal está sendo fortalecida com investimentos em todas as frentes do saneamento: abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e drenagem urbana. Há uma atenção especial voltada para a redução das desigualdades regionais, a inclusão das populações rurais e a adaptação às mudanças climáticas, fatores cruciais para um desenvolvimento equitativo. Entre as principais ações destacadas, encontram-se o apoio financeiro para a implantação de infraestrutura por meio do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a capacitação de técnicos e gestores municipais.
Além disso, o Ministério das Cidades fomenta discussões estratégicas no âmbito do Comitê Interministerial de Saneamento Básico (Cisb). Posteriormente, através da criação de grupos de trabalho específicos, são abordados temas como a regionalização dos serviços de resíduos sólidos urbanos, o desenvolvimento de tecnologias para reuso de água, o armazenamento de água de chuva e a dessalinização. Todas essas ações visam, primordialmente, fortalecer a governança do setor e, ademais, garantir que os investimentos sejam aplicados de forma eficiente e sustentável, maximizando seus impactos.
A modernização na prestação dos serviços de saneamento, que inclui a digitalização e o uso de tecnologias avançadas, é vista como um diferencial significativo para o avanço da universalização. Entretanto, a pasta ressalta que nem todas as empresas estão devidamente preparadas para essa transição, o que reforça a importância de incentivos consistentes para a inovação e o aprimoramento da capacitação dos profissionais. Em suma, o ministério defende que o cumprimento do Marco Legal do Saneamento Básico exige uma cooperação estreita entre as esferas de governo – federal, estaduais e municipais –, a iniciativa privada e a sociedade civil. O novo marco, embora tenha consolidado avanços importantes, impõe a responsabilidade de intensificar a colaboração para que as metas de universalização sejam, de fato, alcançadas.