A denúncia é o principal mecanismo para combater e coibir as diferentes violências contra a mulher. Porém, mesmo com a disseminação de canais como o 180 e a Maria da Penha Online, a subnotificação ainda é uma realidade. Só no Distrito Federal, 70% dos casos de feminicídio não tinham registro de ocorrência anterior, dificultando a ação preventiva das forças de segurança pública.
Para enfrentar essa situação, o Governo do Distrito Federal conta com uma série de ações de incentivo às denúncias, que podem ser feitas tanto pelas vítimas quanto por terceiros. Além disso, há programas para garantir a segurança das mulheres, de forma a tirá-las do ciclo da violência. Em entrevista à Agência Brasília, o secretário de Segurança Pública, Júlio Danilo, elencou as principais ações e enumerou alguns desafios.
Confira, abaixo, os principais trechos da conversa.
Como a Secretaria de Segurança Pública age contra o crime de feminicídio?
Nós temos o programa Mulher Mais Segura, onde visamos prevenir e reprimir os crimes contra a mulher. Ele possui diversas ações. Um dos projetos é o Meta a Colher, que estimula a denúncia para que a pessoa peça socorro ou algum parente ou vizinho venha denunciar, para que possamos fazer a intervenção que cesse a violência. Lançamos no ano passado o nosso painel interativo, que traz todos os dados de violência contra a mulher. A gente estudou e estuda todos os casos de feminicídio de 2015 até hoje; e, a partir desses dados, viabiliza-se o desenvolvimento de políticas públicas. Temos o dispositivo móvel de afastamento, onde a vítima recebe um dispositivo e o agressor, uma tornozeleira – o que possibilita, caso o agressor queira se aproximar, que a gente possa intervir. Tem o Viva Flor, que é um dispositivo dado apenas à mulher e que foi aperfeiçoado no passado, em que a mulher pode acionar, abrir o áudio e tirar fotos para um caso de agressão, ameaça… Ou seja, nós temos diversas ações e políticas. Mas não tenha dúvidas: a melhor forma de combater a violência contra mulher é fomentando a denúncia. É importantíssimo que haja essa discussão com a sociedade civil.
“Costumo dizer que a situação de violência doméstica é muito complicada, porque acaba envolvendo sentimento. Não é tão simples tratar de forma objetiva”
Como as forças de segurança atuam em conjunto para combater o crime?
No âmbito da Polícia Civil, há as [unidades da] Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) especializadas nesse atendimento. Durante a pandemia teve o desenvolvimento da Maria da Penha Online, onde a mulher pode buscar auxílio diretamente por meio digital. Em um ano, a Maria da Penha Online registrou 1,3 mil ocorrências, superando inclusive os registros nas delegacias circunscricionais, pela facilidade que se tem. A Polícia Militar conta com o Provid [Programa de Prevenção Orientada à Violência Doméstica], que faz uma busca ativa e o acompanhamento daquela vítima de violência doméstica, com grupos espalhados pelos nossos batalhões que acompanham as famílias. Nós temos diversas ações e políticas que acabam criando interação entre as forças de segurança e as secretarias. Ou seja, o governo está preocupado com essa causa. A gente sente muito e trabalha não só para reduzir, mas para que não haja. Toda vez que ocorre [esse crime], causa esse constrangimento, esse sentimento ruim, muitas vezes até de impotência. Quando a gente não tem esse registro anterior, a gente pensa: onde foi que essa pessoa não teve chance de vir buscar auxílio? Mas a gente trabalha todo dia pensando em incentivar que as pessoas conheçam os canais e busquem ajuda. O melhor caminho para cessar a violência é ter o conhecimento e agir de forma preventiva. O feminicídio, muitas vezes, é o fim trágico da violência doméstica.
Quais são os desafios do combate à violência contra a mulher?
Um desafio que nós temos no enfrentamento da violência doméstica é realmente o fomento da denúncia. Em feminicídio, especificamente em quase 70% dos casos, não havia nenhum registro anterior de ocorrência. A gente tem um projeto específico na Secretaria de Segurança Pública que se chama Meta a Colher, ou seja, em briga de marido e mulher, a gente “mete a colher” para tentar salvar uma vida. Costumo dizer que a situação de violência doméstica é muito complicada, porque acaba envolvendo sentimento. Não é tão simples tratar de forma objetiva – tanto que temos diversos casos em que há a medida protetiva de afastamento do agressor, e depois a própria vítima busca [por ele] novamente, porque existe um relacionamento. Então, é mostrar que aquelas ações não são normais e saudáveis naquele relacionamento. É isso que a Rede Distrital de Proteção à Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar faz. Ela veio regulamentar, por meio de decreto do Executivo local, a atuação integrada de diversas secretarias para implementar ações conjuntas para proteger as mulheres.
“Estamos estudando o desenvolvimento de um projeto que possa atender essas crianças e adolescentes que, de alguma forma, perderam a mãe e muitas vezes ficaram sem o pai”
No ano passado, as delegacias especializadas e a Delegacia Eletrônica foram as líderes de registros de violência contra a mulher. Existe uma expectativa de ampliação das delegacias especializadas no DF?
Já há estudo para abertura de uma nova delegacia. Não é fácil, porque a abertura de uma nova unidade requer novos policiais. Hoje temos a Deam I, no Plano Piloto, e a Deam II, em Ceilândia, então se estuda viabilizar a abertura de uma nova Deam em outra região para que se possa ter uma abrangência territorial maior. Mas existe o atendimento pela Delegacia Eletrônica, onde se pode fazer não só o registro, como solicitar medidas protetivas. Temos casos em que, em menos de 48 horas após o registro na Delegacia Eletrônica, a medida protetiva foi deferida por meio eletrônico. É um meio eficiente e eficaz, onde a gente também possibilita que a mulher possa buscar ajuda. Também há os Nuiams [unidades do Núcleo Integrado de Atendimento à Mulher], onde os policiais civis são especializados em fazer um atendimento mais humanizado.
São vários programas e ações, mas há projetos específicos para 2022?
Temos alguns projetos a serem lançados este ano que estão sendo maturados, como [o que abrange] os órfãos do feminicídio, [situação] que sempre foi uma preocupação da Secretaria de Segurança Pública. Estamos estudando o desenvolvimento de um projeto que possa atender essas crianças e adolescentes que, de alguma forma, perderam a mãe e muitas vezes ficaram sem o pai, porque ele se matou ou foi preso. Já estudamos junto à Secretaria da Mulher, à Secretaria de Justiça e Cidadania e à Secretaria de Desenvolvimento Social, uma ação específica voltada a essas crianças e adolescentes. Estruturamos e agora estamos na fase de fazer a busca ativa e verificar em que condição essas pessoas estão, para que a gente possa encaminhar a programas sociais.
O DF vem lidando com a redução dos crimes de feminicídio nos últimos anos. A que o senhor atribui isso? Como manter essa queda nos casos?
É um desafio. A gente vem reduzindo os números de crimes violentos letais numa decrescente. Os feminicídios reduziram, se formos comparar os números de 2019 e 2020, quando houve uma redução muito drástica, de 47%. [O ano de] 2021 teve um pequeno aumento, mas a gente trabalha para que se possa zerar essa curva, que não haja crimes. Isso é decorrência do trabalho especializado, não só da Secretaria de Segurança Pública, mas das forças de segurança. Um trabalho pautado em análise de dados, em inteligência e em avaliação das ações.
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