Setenta mil vozes ecoaram pelas ruas de Belém em um vibrante chamado pela preservação da Amazônia e pelo futuro do planeta, durante a Marcha Mundial pelo Clima. O evento, que reuniu um diversificado público com trajes e adereços que evocavam figuras emblemáticas como Chico Mendes e o cacique Raoni, além de alegorias como o boitatá, transformou a paisagem urbana em um palco de manifestação cultural e social. A atmosfera era marcada pela alternância de discursos políticos inflamados, a contagiante energia do carimbó e a melodia envolvente do brega, demonstrando a rica tapeçaria humana da região amazônica.
Um Trajeto Significativo Sob o Sol Amazônico
A manifestação, organizada por integrantes da Cúpula dos Povos e da COP das Baixadas, partiu do histórico Mercado de São Brás, percorrendo cerca de 4,5 quilômetros até a Aldeia Cabana. O trajeto foi desafiador, sob um sol escaldante de 35°C, uma condição climática que, para muitos, simboliza a urgência das decisões a serem tomadas na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), sediada na cidade. A presença massiva de representantes de organizações internacionais, povos tradicionais e comunidades paraenses reforçou o caráter global e inclusivo do evento.
Darcy Frigo, membro do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH) e da comissão política da Cúpula dos Povos, ressaltou a importância do encontro. “Estamos aqui com todos os povos do mundo e movimentos sociais para um grito de alerta sobre as ameaças e os ataques aos territórios, e contra defensores e defensoras dos direitos humanos e do meio ambiente”, afirmou. Ele enfatizou a necessidade de que órgãos oficiais e a ONU reconheçam a proteção de quem defende a floresta como um pilar fundamental para uma transição justa.
Eduardo Giesen, coordenador na América Latina da Global Campaign to Demand Climate Justice, complementou as demandas levantadas. “Queremos expressar todas as demandas que têm surgido durante a Cúpula dos Povos. Queremos denunciar as falsas soluções para as mudanças climáticas, como fundos de financiamento para florestas. Pedimos para não explorarem petróleo na Amazônia e para não proliferar os combustíveis fósseis em todo o mundo”, declarou, posicionando-se contra a exploração de recursos não renováveis na região e globalmente.
Ministras Destacam Caráter Popular da COP no Brasil
A marcha contou com a participação e o apoio de figuras políticas de destaque. As ministras do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, juntaram-se ao carro principal da manifestação. Marina Silva fez questão de sublinhar o caráter mais popular e acessível da COP realizada no Brasil. “Depois de outras COPs, em que as manifestações sociais ocorriam apenas dentro de espaços oficiais da ONU, no Brasil, no Sul Global, em uma democracia consolidada, podemos ocupar as ruas”, celebrou a ministra.
Ela destacou que a COP30 oferece uma oportunidade única para o encontro entre as periferias, as águas, as cidades, os campos e as florestas – locais que sentem diretamente os impactos das mudanças climáticas. “Em que pesem nossos desafios e contradições, temos que fazer um mapa do caminho para transição justa e encerrar a dependência dos combustíveis fósseis”, concluiu, indicando o roteiro necessário para um futuro mais sustentável.
Força Cultural e Vozes Indígenas na Luta Climática
A diversidade cultural foi um dos pontos altos do evento. O Arraial do Pavulagem, grupo dedicado à divulgação da música popular paraense e amazônica, demonstrou como as tradições culturais urbanas estão intrinsecamente ligadas às questões ambientais. Júnior Soares, coordenador do Pavulagem, explicou que, após 38 anos de trajetória, as condições ambientais sempre foram um elemento central em suas apresentações. “Estamos na marcha com uma representação dos nossos brincantes, nos somando a essa luta para pedir um olhar especial do mundo pela Amazônia e para os povos que vivem aqui”, disse.
A participação de Marciele Albuquerque, indígena Munduruku e ativista, conhecida como cunhã-poranga do Boi Caprichoso, adicionou uma perspectiva crucial à marcha. Ela defendeu a demarcação de terras dos povos tradicionais como uma política climática eficaz. “A marcha é central para as nossas demandas, porque tem povos, vozes e línguas do mundo inteiro. Uma diversidade cultural muito grande para mostrar a nossa força tanto nas ruas como para o mundo”, declarou. Marciele ressaltou que os povos indígenas estão no centro das discussões da COP30, defendendo aqueles que vivem e sofrem as consequências climáticas na Amazônia, apesar de não serem os principais responsáveis por elas.
Uma impressionante cobra de 30 metros, ostentando a frase “Financiamento direto para quem cuida da floresta”, chamou a atenção. Essa escultura, criada por 16 artistas de Santarém em 15 dias e apoiada pelo movimento Amazônia de Pé, foi elaborada em parceria com a Aliança dos Povos pelo Clima. A obra é parte da campanha “A gente cobra”, que clama por financiamento direto para as populações que habitam a floresta amazônica, reconhecendo seu papel vital na conservação.
Demandas Sociais e União Global Contra Crises Climáticas
O Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) também marcou presença, trazendo a demanda social por moradia como um componente indissociável dos problemas climáticos. Rud Rafael, coordenador nacional do MTST, destacou a crescente centralidade da questão ambiental nas pautas do movimento. “Não tem como pensar mais a questão da moradia, sem pensar a questão ambiental. A gente teve no Rio Grande do Sul, por exemplo, um evento climático extremo que impactou mais de 600 mil pessoas”, pontuou.
Ele argumentou que o déficit habitacional não pode mais ser o único foco, diante do impacto de eventos climáticos extremos que afetam milhões. “A ideia é colocar a periferia no centro das soluções”, afirmou, ligando a vulnerabilidade habitacional à crise climática e propondo a inclusão das comunidades mais afetadas na busca por saídas. Por outro lado, manifestantes de diversas organizações internacionais também participaram ativamente.
Kwami Kpondzo, representante da Global Forest Coalition, vindo de Togo, na África, defendeu a união de todos os movimentos populares como estratégia para enfrentar os desafios ambientais globais. “Estamos aqui para dar apoio às pessoas impactadas pelas mudanças climáticas, pela degradação florestal, pela mineração, pelo desmatamento. Queremos nos posicionar na marcha contra o capitalismo e o colonialismo”, declarou.
“Estamos muito felizes porque as pessoas juntas têm poder e são capazes de mudar esse sistema que destrói o nosso planeta”, concluiu Kpondzo, expressando otimismo na força coletiva para promover as transformações necessárias em face da crise climática global.



