Edição Brasília

Marcha das Mulheres Negras volta a Brasília após 10 anos por reparação e bem viver

A Marcha das Mulheres Negras retorna a Brasília nesta terça (25), após dez anos, para reafirmar a luta por reparação histórica e bem-viver, reunindo mulheres de todo o Brasil e 40 países.
Marcha Mulheres Negras Reparação
Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

O movimento histórico da Marcha das Mulheres Negras está de volta a Brasília nesta terça-feira (25), uma década após sua edição inaugural. Este retorno simboliza a reafirmação de uma luta contínua por reparação histórica e a busca incessante por um futuro de “bem viver”, congregando participantes de todas as regiões do Brasil e de mais de quarenta nações.

A Reafirmação de uma Década de Luta

A decisão de trazer a Marcha novamente à capital federal, dez anos depois, não é um acaso; pelo contrário, representa uma resposta contundente ao recrudescimento das desigualdades sociais e raciais que persistem no país. Assim, a mobilização visa fortalecer a urgência de uma nação verdadeiramente empenhada na reparação de injustiças históricas, na promoção da justiça social e na construção de um amanhã pautado pela dignidade e pelo cuidado com a vida de todos.

Espera-se que a edição deste ano supere a marca impressionante de 2015, quando mais de 100 mil pessoas marcharam. Para esta jornada, por exemplo, a delegação do estado de São Paulo planeja enviar pelo menos treze caravanas em direção a Brasília, demonstrando a ampla adesão e o compromisso regional com a causa. Além disso, mais de 350 mulheres compõem o grupo que partirá da capital paulista, evidenciando o esforço coletivo e a dimensão do engajamento.

Esforço Coletivo e Experiência Acumulada

A organização dessas caravanas tem sido um trabalho meticuloso, iniciado em agosto do ano passado. Iyáloriṣà Adriana t’Ọmọlú, membro do Comitê Impulsor Nacional da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, compartilha sua vivência. Ela, que participou ativamente da construção da primeira edição em 2015, descreve o processo como uma empreitada intrinsecamente coletiva. Adriana enfatiza que a Marcha é um esforço conjunto de diversos movimentos e instituições, não surgindo de um pensamento isolado, mas sim da organização global de um grupo de mulheres engajadas em toda a estrutura do evento.

Adriana recorda sua participação nos bastidores da edição anterior, onde, embora não tenha conseguido ir a Brasília por questões de saúde, seu envolvimento em São Paulo foi fundamental. Essa experiência anterior, de acordo com ela, fornece uma bagagem valiosa para a atual organização. “Essa vivência eu acabo trazendo, as vivências das mulheres negras, vivências do que participamos”, explica. Ademais, a importância do matriarcado, da coletividade, do cuidado e da segurança são pilares que, segundo Adriana, foram reforçados pela Marcha e são essenciais para a jornada das mulheres negras.

Os Desafios da Mobilização e a Rede de Apoio

Organizar um evento da magnitude da Marcha das Mulheres Negras, com seus ambiciosos objetivos, está longe de ser uma tarefa simples. Portanto, não é surpresa que esta seja apenas a segunda edição em uma década. A principal barreira, conforme apontado por Adriana t’Ọmọlú, reside na captação de recursos necessários para garantir o deslocamento das mulheres até Brasília. Ela declara que é crucial ter os meios para que essas mulheres cheguem à Marcha, reconhecendo que o evento representa uma questão de sobrevivência para elas.

A garantia de que as mulheres possam estar presentes na Marcha é um ponto crucial, especialmente considerando que o evento ocorre durante a semana. Muitas participantes são trabalhadoras, frequentemente mães solo, enfrentando múltiplos desafios. Adriana argumenta que é um direito delas estarem na Marcha para expressar sua existência e lutar por seus direitos. Consequentemente, é imperativo assegurar condições dignas de hospedagem, alimentação, higiene e segurança durante toda a estadia na capital federal.

A Viabilização Através de Parcerias e Emendas

Para superar esses obstáculos financeiros e logísticos e, assim, viabilizar a participação de um grande número de mulheres, o comitê organizador buscou apoio. Adriana revela que contaram com o apoio de uma emenda parlamentar, viabilizada pelo mandato da deputada federal Erika Hilton, destacando a importância dessas parcerias políticas. Uma parte significativa da verba concedida por Hilton foi destinada a custear o transporte das participantes. Das 350 mulheres que partem de São Paulo, setenta viajarão de avião, enquanto as demais serão distribuídas em cinco ônibus, um dos quais cedido pelo Sindicato dos Especialistas em Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo (Sinesp).

A decisão de usar diferentes modais de transporte visa maximizar a participação. A organizadora explica que parte dos fundos foi destinada aos ônibus para assegurar uma participação mais abrangente, pois as passagens aéreas, sendo mais caras, limitariam o número de viajantes. Por conseguinte, a prioridade para as passagens aéreas foi dada a mulheres mais velhas, aquelas com mobilidade reduzida ou deficiências, e também a profissionais em regime CLT que teriam mais dificuldade em se ausentar do trabalho por longos períodos. Mães de crianças pequenas também receberam essa prioridade, visando facilitar sua presença no evento.

O Simbolismo e a Continuidade da Luta

A Marcha das Mulheres Negras transcende a mera manifestação, carregando um simbolismo profundo para Iyáloriṣà Adriana t’Ọmọlú. Ela afirma que a Marcha representa a luta e a organização das mulheres negras pela existência digna, pela reparação e pelo bem viver, conectando a identidade a uma profunda compreensão de sua origem e destino. Nesse sentido, o contexto político atual, marcado pelo avanço da extrema direita e do conservadorismo, que frequentemente resulta na perda de direitos, especialmente para as mulheres, justifica plenamente a urgência e a relevância da Marcha.

Para Adriana, o movimento também representa o reconhecimento da cultura negra e de sua ancestralidade. Ela contextualiza a Marcha como uma luta para que a existência das mulheres negras seja pautada por uma perspectiva afrocentrada. Além disso, a grandiosidade da Marcha não se encerra com o fim da caminhada em Brasília. A organizadora enfatiza que a preocupação maior é com a continuidade da luta de forma segura. Adriana conclui, sublinhando a natureza perene e multifacetada desse movimento vital para a sobrevivência e dignidade das mulheres negras, que a Marcha tem um “antes”, um “durante” e um “depois”, com o retorno aos seus territórios.