Dez anos após uma mobilização histórica, milhares de mulheres negras de todas as regiões do Brasil convergem novamente para Brasília neste 25 de novembro. A capital federal se torna palco de uma manifestação vigorosa, que busca reivindicar reparação e o direito a uma vida plena e digna para essa parcela fundamental da população brasileira. O movimento reúne um espectro diversificado de participantes, englobando desde ativistas e professoras até artistas, escritoras, mulheres de terreiro, anciãs e jovens, além de figuras políticas, mães, irmãs e filhas, todas unidas por um propósito comum.
Este ato, aguardado com grande expectativa, promete ecoar como um marco, carregando consigo o ímpeto de uma transformação social profunda. Conforme amplamente citada pela própria comunidade em movimento, a filósofa e ativista Angela Davis ressalta que, quando uma mulher negra se mobiliza, uma nação inteira se move com ela. Essa premissa, aliás, serve de inspiração para as inúmeras mulheres que participaram da marcha anterior em 2015 e que, uma década depois, se colocam novamente em movimento.
A Resiliência Inabalável das Mulheres Negras
A escritora Conceição Evaristo, figura proeminente neste movimento, enfatiza a persistência como uma marca distintiva. “O que nos define é a nossa capacidade de não desistir”, declara Evaristo. Ela salienta que essa resiliência não é exclusiva dela, mas sim uma característica compartilhada. “As mulheres negras não desistem, determinados políticos não desistem, a juventude, que apesar de enfrentar uma mortandade alarmante, continua a afirmar e construir sua dignidade”, completa a autora, demonstrando uma visão otimista sobre a continuidade da luta.
Às vésperas de completar 79 anos, Conceição Evaristo relembra sua participação ativa na primeira marcha, onde percorreu uma distância considerável. Para este ano, ela expressa a intenção de caminhar novamente, demonstrando seu compromisso contínuo com a causa. Portanto, a presença de lideranças como Evaristo reforça o caráter intergeracional e a determinação do movimento.
O Gesto Político de Ocupar o Solo
A escritora reflete sobre o significado profundo de marchar, equiparando cada passo a uma declaração de pertencimento e reivindicação. “Marchar significa, de certa forma, pisar no solo, afirmando que esse solo é seu”, explica. No contexto da capital federal, a marcha das mulheres negras adquire um simbolismo ainda mais potente.
Consequentemente, cada pisada no asfalto brasiliense representa uma reivindicação do direito à vida e uma afirmação inegável da própria existência. “Cada passo, cada pé, cada pisada que a gente dá nesse asfalto, reivindica o direito à vida e afirma que temos direito. Marchar é tomar de assalto um território que é nosso”, defende Evaristo, articulando a marcha não apenas como um protesto, mas como um ato de apropriação e redefinição de espaço.
Uma Trajetória Longa e Fecunda de Militância
Os passos de Conceição Evaristo no ativismo, de fato, vêm de uma história de longa data, marcada por um engajamento que persiste por muitos anos. Atualmente, ela consegue vislumbrar os frutos dessa semeadura contínua. Ao recordar os primeiros estágios de sua militância, Conceição Evaristo descreve que pertencia a uma geração cuja principal preocupação era a formação de novos quadros.
Em outras palavras, o objetivo era preparar jovens lideranças capazes de dar prosseguimento à luta. “Era muito angustiante ir para reuniões e ver sempre as mesmas pessoas. A gente tinha a impressão de que estávamos sendo repetitivos”, recorda a escritora, ilustrando os desafios iniciais da mobilização. No entanto, hoje, ela observa com clareza o impacto profundo e a fecundidade dessa militância, especialmente no campo da cultura.
A Cultura Como Poderosa Estratégia Política
A cultura, conforme Evaristo destaca, sempre foi uma estratégia política fundamental para o movimento. “Hoje, conseguimos ver mulheres que têm idade para serem nossas filhas, nossas netas, e o nosso trabalho sempre a partir da cultura”, observa. Ela adverte contra a superficialidade na interpretação das expressões culturais do povo negro.
Ademais, a escritora esclarece que “quem pensa que a gente está só dançando ou cantando, é porque não prestou atenção no que dizem as nossas músicas, no que dizem os nossos corpos”. Dessa forma, a arte e a expressão cultural emergem não apenas como manifestações estéticas, mas como veículos poderosos para a transmissão de mensagens políticas, resistência e afirmação de identidade, consolidando-se como um pilar essencial na continuidade da luta.
Neste 25 de novembro de 2025, Conceição Evaristo e milhares de outras mulheres, tanto brasileiras quanto estrangeiras, se unem em um percurso comum. Elas marcham incansavelmente por reparação e pela concretização do bem-viver, reafirmando que a luta das mulheres negras é um movimento global e ininterrupto em busca de justiça e equidade.



