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Lixão interditado: comunidade de Padre Bernardo clama por fechamento definitivo

Fechamento lixão Padre Bernardo Goiás

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

A comunidade de Padre Bernardo, em Goiás, tem se mobilizado para exigir o fechamento definitivo do lixão conhecido como Aterro Sanitário Ouro Verde. A mobilização ganhou força após o desabamento ocorrido no dia 18 de maio e a subsequente interdição judicial na última quinta-feira (26). Entretanto, o receio de que o problema não seja resolvido persiste entre os moradores, que clamam pela remediação da área devastada.

Rosileuda Rodrigues, aposentada de 57 anos, expressa a indignação e a esperança que ainda a movem. Ela relata que o lixão se tornou um pesadelo para sua vida e a de seus vizinhos desde 2016. Após o desabamento, Rosileuda chegou a ser internada por três dias devido a problemas respiratórios. “Mesmo depois de interditado, o cheiro continua forte. Acho que nunca mais nosso lugar vai ser o que já foi”, lamenta Rosileuda, que sente falta dos tempos em que podia desfrutar da natureza local.

O Desastre Ambiental e a Reação da Comunidade

O desabamento do lixão, registrado em vídeo por moradores e amplamente divulgado, expôs a gravidade da situação. As autoridades foram notificadas pelos responsáveis pelo aterro apenas no final da tarde do dia do incidente. Em resposta, a comunidade organizou um ato de protesto marcado para este domingo (29), às 14h, com o objetivo de pressionar pelo fechamento permanente do aterro Ouro Verde.

Sebastião Fernandes, vigilante e líder comunitário, revela o desespero dos moradores. “O nosso ato é para chamar atenção da sociedade para que nunca mais reabra. E que toda essa montanha de lixo seja retirada de nossa comunidade. Nunca mais pode funcionar”, enfatiza Fernandes.

Monitoramento e Embargos Ignorados

O engenheiro florestal Fábio Miranda, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela Área de Proteção Ambiental da Bacia do Rio Descoberto, classifica o lixão de Ouro Verde como um desastre ambiental sem precedentes na região. Segundo ele, o local era monitorado desde sua implantação e acumulava diversas autuações e embargos, operando sem autorização ambiental ou licenciamento, apenas sob liminar. “Essa área já era embargada há bastante tempo pelo ICMBio e pelo Estado e mesmo assim continuava funcionando”, lamenta Miranda.

Ademais, após o desabamento, o Ministério Público recorreu à Justiça, que determinou a interdição do lixão e o bloqueio de R$ 10 milhões das contas da empresa responsável, além da indisponibilidade de bens avaliados em R$ 2,2 milhões. “Ficamos mais otimistas com essa decisão da justiça. Representa esperança”, afirma Fernandes.

Impactos Ambientais e Riscos à Saúde

De acordo com Fábio Miranda, o desmoronamento resultou no maior desastre ambiental já registrado na região. Uma massa de 40 mil metros cúbicos de lixo estaria liberando um líquido altamente poluente, com potencial para contaminar os cursos d’água por um longo período. “A gente ainda não tem dimensão até onde ele vai chegar”, alerta o engenheiro. Ele explica que o lixo, proveniente de empresas privadas do Distrito Federal, é composto por resíduos de diferentes naturezas, sem separação ou tratamento adequados.

Preocupação com a Contaminação dos Recursos Hídricos

Ainda assim, a preocupação central reside na contaminação do Rio Maranhão, integrante da bacia do Rio Tocantins-Araguaia. “Nesse momento, a nossa preocupação é tentar minimizar os efeitos para a população de um desastre dessa proporção. Agora, a gente ainda vai demorar um tempo para mensurar esse dano”, avalia Miranda.

Para Flávio do Carmo, presidente da ONG Amigos das Veredas, o chorume já comprometeu o lençol freático no Córrego Santa Bárbara, que integra a Bacia do Maranhão. Segundo ele, a área possui grande potencial para o ecoturismo, mas a poluição comprometeu a fauna, a produção rural e o abastecimento de água. “É preciso ter um processo de compensação ambiental para a comunidade”, defende Carmo.

Portanto, a contaminação do Córrego Santa Bárbara e do Rio do Sal, somada à dispersão de fuligem tóxica, colocaram em estado de alerta o município de Padre Bernardo, o Estado de Goiás e o Distrito Federal.

Ações Urgentes e Desconfiança da Comunidade

Em resposta à crise, Fábio Miranda, do ICMBio, ressalta a necessidade de ações urgentes para conter a contaminação e remover o lixo antes do período chuvoso. “O nosso esforço é para que todas as ações de descontaminação e de retirada desse lixo sejam feitas antes do período chuvoso. As ações emergenciais têm que ser tomadas nesse período de 90 dias até o início das chuvas”, enfatiza.

Entretanto, a presença de gestores municipais na região tem sido recebida com desconfiança pela comunidade. Durante visita da reportagem da AGÊNCIA Brasil, moradores manifestaram seu descontentamento. “A gente tinha avisado que essa tragédia estava anunciada para acontecer”, declarou a professora Joana D´Arc Sousa ao prefeito Joseleide Lázaro. “Agora, a gente precisa dessa solução nesse momento. Porque nós estamos sofrendo com isso aqui”, reclamou.

Posicionamento do Poder Público

Em contrapartida, o prefeito garantiu que a gestão está ao lado da população “desde o primeiro dia que aconteceu essa tragédia”. Ele defendeu a necessidade de interdição do lixão, argumentando que “qualquer empreendimento que cause danos a terceiros não pode funcionar”. Lázaro também afirmou que o licenciamento de aterros sanitários é de competência estadual e que o lixão em questão havia sido licenciado e renovado em 2018.

Conforme o superintendente de fiscalização da secretaria estadual, Marcelo Salles, a prioridade é remover o lixo que está sobre o manancial para cessar a contaminação da água. Ele estima que o trabalho de remoção do lixo e acompanhamento das ações de recuperação ambiental deve levar de um a dois meses.

Enquanto isso, a comunidade de Padre Bernardo anseia pela restauração de sua história e pela recuperação do meio ambiente. Joana D´arc Sousa relatou que muitos vizinhos já deixaram suas casas, conscientes de que a recuperação levará anos. “Hoje, a gente está aqui, mas amanhã estarão os nossos netos e bisnetos, [eles] podem não encontrar uma beleza como essa, uma cachoeira e um cenário bonito para olhar”, conclui Rosileuda Rodrigues.

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