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Lista oficial revela jovens entre mortos em operação no Rio, incluindo adolescentes

A lista oficial de mortos em operação policial no Rio, na semana passada, inclui pelo menos dois adolescentes e outros seis jovens com menos de 20 anos, totalizando 121 vítimas.
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Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

A lista oficial de indivíduos falecidos em uma recente operação policial no Rio de Janeiro revelou um número alarmante de jovens, com pelo menos dois adolescentes e outros seis menores de 20 anos entre as 121 vítimas totais. Os dados, divulgados pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, evidenciam a participação significativa de jovens nos eventos ocorridos nos complexos da Penha e do Alemão, em uma ação direcionada ao Comando Vermelho.

Perfil das Vítimas e Controvérsias na Identificação

Os registros indicam que, no mínimo, um terço dos óbitos envolvia pessoas com até 25 anos. Entre os mais jovens, dois adolescentes, de 14 e 17 anos, perderam a vida. Além disso, a documentação policial aponta para pelo menos mais seis vítimas com menos de 20 anos. O balanço final da operação contabilizou 121 mortes, incluindo a de dois policiais civis e dois militares. A Polícia Civil disponibilizou os nomes, idades e fotografias dos civis, incluindo os adolescentes, e complementou os dados com anotações criminais e postagens em redes sociais, usadas como indícios de supostas ligações com o tráfico de drogas.

Entretanto, a Agência Brasil identificou algumas imprecisões nos dados. Por exemplo, a data de nascimento de Yago Ravel, um jovem de 19 anos encontrado decapitado, foi incorretamente registrada como 1998, quando na verdade ele nasceu em 2006. Essas discrepâncias levantaram questionamentos sobre a exatidão das informações divulgadas pelas autoridades.

O Testemunho Doloroso de Samuel Peçanha

O adolescente mais jovem entre as vítimas, de 14 anos, era morador de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Samuel Peçanha, seu pai e trabalhador de serviços gerais, compartilhou a angústia familiar com a Agência Brasil. Ele relatou que o filho havia saído para frequentar bailes nos complexos da Penha e do Alemão antes de desaparecer. Em busca do menino, Samuel largou o emprego e enfrentou dias de desespero na capital. Além da mãe, o jovem deixou três irmãos, evidenciando o impacto devastador na família.

Samuel expressou seu lamento, afirmando que “filho a gente não segura”, refletindo a dificuldade de controlar os caminhos dos adolescentes. No dia da operação, pela manhã, Samuel havia conversado com o filho e insistido para que ele retornasse para casa. “Eu falei com ele 8h40, e ele disse que ia vir. Eu estava cobrando, mas, depois disso, o telefone dele se calou”, relembrou o pai com emoção. Posteriormente, moradores da comunidade reconheceram o adolescente e informaram a Samuel que o corpo do filho foi encontrado na mata, local do confronto mais intenso, que contou com a participação do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar.

A Perda e o Desabafo do Avô

A família do adolescente de 17 anos, por sua vez, não foi localizada pela Agência Brasil. Contudo, em entrevista ao Jornal O Globo, o avô do jovem, que optou por manter o anonimato, revelou a tragédia pessoal. Ele narrou a dolorosa tentativa de se despedir do neto, cujo corpo estava entre outros 80 enfileirados na Vila Cruzeiro. O avô, que criou o neto como se fosse seu próprio filho, admitiu que não conseguiu evitar o envolvimento do jovem com o mundo do crime.

Profundamente emocionado, o homem desabafou ao jornal: “Dentro da comunidade, a gente acaba perdendo para isso aí. Você perde o filho duas vezes: uma quando ele já não consegue te escutar e depois quando morre”. Ele mencionou que, em decorrência de “problemas” anteriores do adolescente, chegou a ter um infarto, o que o afastou do trabalho. Ainda na madrugada do dia da operação, ele contou ter falado com o neto, que prometera se cuidar em meio à ação policial.

A Visão da Polícia Civil e as Justificativas

A lista divulgada pela Polícia Civil do Rio de Janeiro detalha que, entre os mortos, oito não haviam completado 20 anos, e mais da metade tinha 30 anos ou menos. Curiosamente, a vítima mais velha completaria 55 anos em 2025. Além das anotações criminais, a polícia incluiu na lista supostas evidências da relação de alguns indivíduos com o tráfico de drogas. Por exemplo, um dos jovens foi associado à facção Comando Vermelho por ter postado figurinhas de uma flor e uma bandeira vermelhas em um perfil de rede social. Os dois adolescentes assassinados, entretanto, foram flagrados em redes sociais posando ao lado de fuzis.

Ao apresentar a lista, o secretário de Polícia Civil do Rio de Janeiro, Felipe Curi, minimizou a ausência de imagens com armas ou de anotações criminais para alguns dos mortos. Ele argumentou que “não significa nada”, pois se os indivíduos não tivessem reagido à abordagem policial, teriam sido presos em flagrante pelo porte de fuzis, granadas e artefatos explosivos, além de tentativa de homicídio contra os agentes de segurança e crimes de organização criminosa e associação para o tráfico de drogas. Portanto, Curi concluiu que se tratavam de “narcoterroristas que saíram do anonimato”.

A Crítica da Ativista Mônica Cunha: Ausência do Estado e Genocídio

Mônica Cunha, ativista dos direitos humanos, ex-vereadora e cofundadora do Movimento Moleque – que oferece apoio a mães de filhos vítimas da violência –, analisa a alta incidência de jovens como vítimas da operação “Contenção” como uma “realidade perversa”. Em sua avaliação, o racismo sistêmico é o responsável por desviar investimentos públicos de áreas empobrecidas e da população negra, comprometendo serviços essenciais como saúde, educação, cultura e até mesmo a ressocialização.

A ativista argumenta que “o Estado produz esses meninos para, quando matar, ter uma justificativa”. Ela considera que os recursos que deveriam ser direcionados à juventude são, em uma lógica inversa, aplicados em ações de militarização da segurança, baseadas em confrontos, resultando em um elevado número de mortes. Consequentemente, a rejeição e o abandono por parte do Estado abrem portas para organizações criminosas, que oferecem uma ilusória sensação de pertencimento e aceitação.

Mônica descreve que “o poder paralelo é um lugar de aceitação. É um lugar que ninguém vai estar me olhando, me julgando, me dizendo que eu sou diferente, julgando minha fala, minha roupa ou o meu cabelo. Eu vou estar com os meus iguais. A escola não tem água, a cultura não existe, o que ele canta ou o que ele dança é feio (…). O poder paralelo usa tudo isso”. Para ela, essa dinâmica configura um genocídio que vai além das mortes diretas, pois elimina as oportunidades de um jovem negro ter uma vida digna. “O genocídio não se dá apenas quando ele aponta o fuzil e bota esse corpo no chão. O genocídio se dá lá atrás, quando, tira tudo, quando deixa esse jovem sem oportunidade”, explicou.

Por fim, a defensora dos direitos humanos enfatiza que a perda de vidas jovens é inaceitável. Ela conclui que a sociedade perde a capacidade de renovar seus quadros e de contar com essas perspectivas para solucionar seus próprios desafios. “Estamos perdendo o nosso futuro enquanto humanidade”, lamentou Mônica Cunha.