Brasília se transforma em palco da cultura e do empreendedorismo negro com a realização do Festival Latinidades 2025, um evento que celebra a força e a criatividade das mulheres negras. De 23 a 31 de julho, a capital federal sedia uma programação diversificada, destacando o papel protagonista de mulheres latino-americanas e caribenhas na arte, na resistência e na disseminação de saberes ancestrais.
Tema Central e Homenagens
A 18ª edição do festival adota o potente tema “Mulheres Negras Movem o Mundo”, dedicando uma significativa homenagem à trajetória de Lélia Gonzalez, a notável intelectual e ativista do movimento negro que viveu entre 1935 e 1994. Além disso, o evento se insere nas celebrações do Dia da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha, data comemorada em 25 de julho. A fundadora do Latinidades e diretora do Instituto Afrolatinas, Jaqueline Fernandes, assegura que o público vivenciará uma semana repleta de “encontros potentes, conteúdos transformadores e muita arte negra de diferentes territórios”. Segundo Fernandes, este ano o festival representa não apenas a maioridade do projeto, mas também “um marco de reinvenção, afirmação e futuro”.
Ampla Programação Cultural e Econômica
A agenda do Latinidades 2025 é vasta, englobando desde rodas de conversa e conferências sobre variados temas até apresentações de artistas negros vindos de diferentes partes do país. Entre as atividades, destacam-se exposições, peças de teatro, shows musicais e emocionantes batalhas de rimas com convidadas especiais. Além disso, há um festival infantil de dança breaking e experiências imersivas que prometem envolver os participantes. Shows com talentos nacionais e internacionais enriquecem ainda mais a oferta cultural. Em paralelo, a Feira Preta de empreendedorismo, que reúne 30 marcas lideradas por mulheres negras, está acessível na loja Latinidades, localizada na área externa do Museu Nacional da República, no coração de Brasília. Jaqueline Fernandes reitera a importância de fomentar a autonomia econômica para mulheres negras, encarando-a como um pilar essencial para a liberdade, dignidade e justiça. Dessa forma, ela explica que o “Latinidades investe em formação, visibilidade e oportunidades para que mulheres negras empreendam, inovem e vivam da sua arte, do seu saber e do seu trabalho.”
Adicionalmente, a deputada federal Erika Hilton (PSol-SP) será agraciada pela organização do festival, em reconhecimento à sua incansável defesa dos direitos sociais de pessoas pretas e transgêneras. A parlamentar, notória por propor a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que busca extinguir a jornada de trabalho 6×1, é uma voz importante no cenário político.
Destaques Artísticos e o Pensar Negro
Um dos pontos altos da edição é a exposição coletiva “Alumbramento”, sediada no Museu Nacional. Concebida especialmente para celebrar os 18 anos do Festival Latinidades, a mostra exibe obras de 25 artistas negros, sob a curadoria da pesquisadora Nathalia Grilo, com assistência de Lara Godoi. Nathalia Grilo, durante a abertura da exposição, contextualizou o conceito de alumbramento brasileiro, que se inspira no surrealismo negro e na ideia do “maravilhoso” caribenho, mas com temporalidades próprias. Segundo a curadora, “o alumbramento nasce do fazer cotidiano dentro do ateliê, de uma intimidade que o corpo do artista vai criando consigo mesmo e com o seu entorno, com os materiais que utiliza, com as linguagens trabalhadas. Dessa intimidade corriqueira vêm esses lapsos de tempo, que nos botam em outro estado de consciência, de comunicação, que vai preencher o ateliê de encantamento”. A gestora cultural Jaqueline Fernandes complementa, descrevendo a exposição como “uma travessia pelo escuro fértil da criação artística”, permeada por experiências sensoriais e imersivas, onde som, luz e temperatura guiam o público. Ela finaliza afirmando que “Alumbramento é uma ode à criação que nasce fora dos centros e do mercado, mas profundamente conectada à vida”. Organizada em quatro zonas circulares, a exposição reúne talentos negros e indígenas das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul do Brasil.
Teatro e Shows Musicais
No universo teatral, a peça “Pequeno Manual Antirracista”, adaptada da obra da renomada professora e filósofa brasileira Djamila Ribeiro, vencedora do Prêmio Jabuti em 2020, ganha destaque. No palco, a performance fica a cargo de Luana Xavier, artista multifacetada, apresentadora, roteirista e neta da icônica atriz Chica Xavier. O espetáculo aborda criticamente o racismo estrutural, a resistência e a necessidade de consciência social.
A programação musical é igualmente impressionante, com shows no Museu Nacional. A atriz e cantora Zezé Motta se apresenta, contando com a participação de Malia, artista da Cidade de Deus (RJ). Nomes contemporâneos como Luedji Luna, Karol Conká e Larissa Luz, esta última com uma performance dedicada ao repertório rock de Gilberto Gil, também marcam presença. Artistas internacionais como a inglesa IAMDDB, e talentos como Duquesa e Isa Marques, compõem a rica grade de apresentações que abrange diversas gerações.
Música Literária, Cinema e Publicações
No campo literário musical, o “Catálogo de Cantoras Negras Brasileiras”, de autoria de Luciana Oliveira e publicado pela editora Dandara, oferece um mapeamento detalhado das vozes negras na música brasileira. A obra proporciona uma verdadeira jornada pelo canto feminino e negro, explorando diversos ritmos e gerações, de Dolores Duran e Elizeth Cardoso a Dona Ivone Lara e Liniker.
O “Cine Afrolatinas” utiliza o cinema como ferramenta de memória, estética e resistência negra. A mostra de curtas-metragens exibe produções dirigidas por mulheres negras, incluindo “Diaspóricas – Episódio Maximira Luciano ‘Ventos de Si’”, de Ana Clara Gomes; “Super Jinga”, de Inara Régia Cardoso e Dandara Caldeira; e “Farinha, Festas e Memórias”, de Jackeline Silva. A mostra audiovisual reserva ainda a aguardada estreia nacional, na noite de 30 de julho, do longa “Bam Bam: a história de Sister Nancy”, um tributo à lenda da música jamaicana.
Na sessão literária, o festival promove o lançamento da obra “Empoderadas Narrativas Incontidas do Audiovisual Brasileiro”, de Renata Martins. Esta publicação essencial reúne ensaios, entrevistas e artigos de 35 mulheres negras que atuam profissionalmente no universo cinematográfico.
Conectando Raízes: Exposição “Chão Ancestral”
Expandindo o alcance do festival, a estação de metrô de Ceilândia Centro, a cerca de 30 quilômetros de Brasília, abriga a exposição “Chão Ancestral”. Esta mostra fotográfica comemora os 279 anos do quilombo Mesquita, localizado em Cidade Ocidental (GO), e destaca a resiliência das mulheres quilombolas brasileiras em sua incessante luta pela preservação de seus territórios, memória e direitos. A programação completa do festival está disponível online.
Apoio Institucional e Impacto
O Festival Latinidades, nesta edição, conta com o crucial apoio do Ministério da Cultura (MinC), por intermédio da Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet), que autorizou a captação de mais de R$ 3,11 milhões. Até o momento, cerca de R$ 2 milhões já foram efetivamente captados. Em nota oficial, o MinC enfatizou a relevância do investimento público em iniciativas que fortalecem a diversidade cultural brasileira. A pasta declarou que “a realização do festival com apoio do Ministério da Cultura reafirma o compromisso das políticas públicas culturais com a inclusão, a democratização do acesso e o fomento à produção artística de grupos historicamente invisibilizados.” Além do MinC, o festival recebe suporte da Agência Brasil, veículo da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), e patrocínio da multinacional de energia Shell.
Serviço: 18º Festival Latinidades
Tema: Mulheres Negras Movem o Mundo
Período: 23 a 31 de julho
Locais: Museu Nacional, Cine Brasília, Teatro dos Bancários e diversos pontos do Distrito Federal.
Site Oficial: https://www.latinidades.com.br/