O tradicional Festival Internacional de Curtas de São Paulo (Kinoforum) teve sua 35ª edição iniciada nesta quinta-feira, 21 de agosto, na capital paulista, marcando um período de intensa celebração cinematográfica. O evento, que se estende até o dia 31 do mesmo mês e oferece acesso gratuito, promete exibir um impressionante acervo de 253 curtas-metragens provenientes de 60 países. Contudo, esta edição ganha contornos especiais ao prestar uma emocionante homenagem à sua fundadora, a cineasta Zita Carvalhosa, e ao comemorar os 25 anos do influente Manifesto Dogma Feijoada, que impulsionou significativas transformações no cinema negro brasileiro.
Panorama Global e Destaques Nacionais
A curadoria deste ano apresenta uma vasta seleção de filmes, que inclui títulos internacionais inéditos e produções nacionais de grande relevância. Entre os destaques globais, por exemplo, figura “Que Bom Que Você Morreu”, agraciado com a Palma de Ouro no prestigiado Festival de Cannes. Além disso, “Quem Ama o Sol”, vencedor de melhor curta na mostra Orizzonti do Festival de Veneza, também faz parte desta programação de peso. Tais escolhas, portanto, sublinham o caráter internacional e a busca por excelência que o Kinoforum cultiva anualmente.
No cenário nacional, por outro lado, o festival exibe os últimos curtas-metragens produzidos pelo falecido Jean-Claude Bernardet: “Homenagem A Kiarostami” e “Mensagem de Sergipe”. Bernardet, uma figura icônica do cinema brasileiro, nos deixou no mês passado, e a exibição de suas obras póstumas adiciona uma camada de emoção ao evento. Adicionalmente, o público terá a oportunidade de assistir à estreia nacional de “Filme Sem Querer”, de Lincoln Péricles, reconhecido como um dos mais importantes nomes do cinema da periferia de São Paulo. Dessa forma, o festival não apenas celebra talentos estabelecidos, mas também oferece uma plataforma para vozes emergentes e representativas.
Vânia Silva, coordenadora-geral e diretora executiva do Kinoforum, ressalta a solidez histórica do festival e o legado indelével de Zita Carvalhosa. “O festival já possui uma história muito robusta em São Paulo e carrega o legado de Zita Carvalhosa, que sempre acreditou na força do curta-metragem como um espaço vital para experimentação e a descoberta de novas perspectivas”, afirma Silva. Ela complementa que o Kinoforum, de fato, ocupa um lugar especial no imaginário tanto dos cineastas quanto do público, notando a constante renovação de frequentadores, muitos deles jovens, que anualmente acompanham o evento.
Marcio Miranda Perez, coordenador-geral e diretor de programação, explica que a seleção visa oferecer um panorama vibrante do cinema contemporâneo. Segundo Perez, os organizadores buscam revelar tendências, narrativas urgentes e experimentações estéticas de diversas origens e temáticas. “Nossa ambição é sempre apresentar ao público uma janela para o estado do mundo, um espaço que permita conhecer novas visões, estimulando a reflexão e o questionamento de ideias estabelecidas”, explica. Em seguida, ele conecta essa visão à arte do cartaz do festival, que, por sua vez, simboliza um “turbilhão efervescente de ideias”, refletindo a preocupação dos curtas deste ano com a instabilidade global, os conflitos e os choques culturais, ao mesmo tempo em que apresenta crônicas do Brasil atual sob variadas perspectivas.
25 Anos do Dogma Feijoada: Uma Reflexão Necessária
Esta edição do Kinoforum também é palco da celebração dos 25 anos do Manifesto Dogma Feijoada, um movimento crucial que advoga por um cinema concebido e realizado por cineastas negros. Para marcar esta data significativa, o festival promoverá um debate especial com a presença de alguns de seus idealizadores, incluindo Jeferson De, Lilian Solá Santiago e Noel Carvalho. Consequentemente, a iniciativa busca revisitar o impacto e a relevância contínua do manifesto.
Marcio Miranda Perez esclarece que o Dogma Feijoada foi lançado na edição do ano 2000 do próprio Festival de Curtas. “Encabeçado por cineastas como Jeferson De, Lilian Solá Santiago e Noel Carvalho, o manifesto denunciava a insuficiente representatividade negra na história do cinema brasileiro”, pontua Perez. Ele observa que essa discussão se expandiu significativamente e, desde então, muitas mudanças ocorreram nesse panorama. Portanto, passados 25 anos, o evento deste ano propõe uma reflexão aprofundada sobre o passado e o presente da produção audiovisual negra, oferecendo dois programas de curtas-metragens dedicados ao tema e uma mesa de debate onde os criadores do Dogma poderão analisar o cenário atual.
Homenagem a Zita Carvalhosa: Legado e Pioneirismo
A fundadora e idealizadora do Kinoforum, Zita Carvalhosa, que nos deixou em julho deste ano, é a grande homenageada desta edição. Uma mostra especial será inteiramente dedicada à sua trajetória como produtora e ao impacto decisivo que exerceu sobre o cinema brasileiro e a formação de novas gerações. Zita Carvalhosa foi, inegavelmente, uma força motriz para o festival, e seu tributo visa manter viva sua visão.
Vânia Silva reitera a importância de Zita: “A Zita possuía a capacidade de transformar o curta em uma plataforma de liberdade criativa, sempre agindo com generosidade e abertura para novas vozes. Este tributo, além de tudo, é uma forma de perpetuar o espírito dela, que verdadeiramente representa o coração do festival.” Intitulada “Zita Carvalhosa, Mulher de Cinema”, a mostra reúne uma seleção de sete curtas produzidos por ela, evidenciando seu papel fundamental na construção do Kinoforum e seu pioneirismo como mulher em um campo frequentemente dominado por homens. A mostra também realça a atuação de Zita na produção de curtas-metragens de relevância histórica e artística, reafirmando seu papel essencial na consolidação do curta como uma linguagem autônoma e um terreno fértil para a experimentação e o surgimento de novas vozes no cinema brasileiro. Para mais informações sobre a trajetória de Zita Carvalhosa, é possível consultar o artigo sobre seu falecimento.
Silva ainda destaca que “homenagear Zita Carvalhosa é reconhecer a pessoa que transformou o Festival de Curtas-Metragens de São Paulo em uma referência nacional e internacional. Ela acreditava profundamente no curta como forma de expressão artística e como porta de entrada para novos cineastas.” A diretora executiva enfatiza que Zita será sempre lembrada pela dedicação ao fomento de novos talentos, proporcionando acesso à produção audiovisual para jovens das periferias de São Paulo, por meio das Oficinas de Realização Audiovisual Kinoforum. Dessa forma, seu legado transcende a mera produção cinematográfica, alcançando um impacto social profundo.
Destaques Adicionais e Atividades Complementares
Além das mostras principais, a programação do Kinoforum inclui outros segmentos igualmente fascinantes. Há mostras dedicadas ao cinema de animação produzido por mulheres do Leste Europeu e à exploração do som no cinema. Similarmente, o festival apresenta curtas realizados na África e uma mostra integralmente voltada para o cinema fantástico e de horror, ampliando o espectro de gêneros e origens. Por conseguinte, a diversidade é uma marca registrada desta edição.
O Kinoforum, ademais, promove uma mostra especialmente concebida para crianças e adolescentes, com narrativas repletas de magia, fantasia e vivências. Entre os destaques dessa seção está o curta “Uma Menina, Um Rio”, de Renata Martins Alvarez, inspirado em livro homônimo. Este filme será objeto de uma atividade especial de contação de histórias com a diretora e o autor, Lúcio Goldfarb, na Cinemateca Brasileira. Outro ponto alto é o curta “Fantasma do Boleto”, uma comédia desenvolvida por estudantes da rede pública durante uma oficina promovida pelo próprio festival, demonstrando o engajamento do evento com a formação e revelação de novos talentos desde cedo.
Paralelamente à exibição de filmes, o Kinoforum também organiza uma série de atividades complementares. Estas incluem debates e rodas de conversa sobre a circulação, o financiamento e a comercialização de curtas-metragens. Também haverá laboratórios para o desenvolvimento de projetos de curta e longa-metragem, bem como um encontro sobre a internacionalização do curta, que contará com a participação de curadores internacionais. Portanto, o festival se consolida como um centro de discussões e capacitação.
Um dos projetos mais relevantes é o programa “Cinema na Comunidade”, que leva sessões de curtas para diversos bairros da cidade de São Paulo. Essa iniciativa visa democratizar o acesso à cultura e ampliar a formação de público, alcançando áreas que normalmente teriam menos contato com o cinema de festival.
Perez enfatiza que, além de uma programação robusta de filmes focada nas novas vertentes e tendências do cinema que o formato curta-metragem antecipa, “o Kinoforum investiu em uma série de atividades voltadas para o pensar e o fazer cinematográfico”. Ele acrescenta que o evento promoverá happy hours na Cinemateca, onde o público pode interagir com os realizadores, e diversos outros eventos que provocam a troca e o intercâmbio. “O festival é uma oportunidade única que converge diferentes pessoas para celebrar o cinema diante da tela grande, e buscamos aproveitar ao máximo essa oportunidade”, conclui. Em suma, o Kinoforum transcende a mera exibição, tornando-se um catalisador de cultura e conhecimento.
A programação completa do Kinoforum ocorre em diversos espaços culturais da cidade, incluindo a Cinemateca Brasileira, o CineSesc, o Circuito Spcine, o Museu da Imagem e do Som (MIS), o Espaço Petrobras de Cinema e o Cinusp. Para obter mais informações e consultar a grade detalhada, os interessados podem acessar o site oficial do festival: www.kinoforum.org.