A Justiça do Rio de Janeiro emitiu uma decisão que obriga a restauração imediata de um imóvel tombado que serviu de residência ao célebre escritor Machado de Assis. Atualmente, a edificação histórica encontra-se em estado de degradação e é utilizada como estacionamento rotativo, o que contraria sua importância cultural. A determinação judicial estabelece um prazo de 45 dias para o início das obras, visando preservar um dos mais significativos marcos da memória literária brasileira.
Determinação Judicial e o Imóvel Histórico
A ordem partiu da 15ª Vara de Fazenda Pública da Capital do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio de Janeiro, atendendo a uma solicitação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ). Os réus na ação judicial são a Prefeitura do Rio de Janeiro e o proprietário do bem. A antiga casa, localizada na Rua dos Andradas, número 147, no centro da capital fluminense, foi o lar de Machado de Assis entre os anos de 1869 e 1871, um período crucial antes da publicação de seu primeiro romance. Além disso, o imóvel está protegido por um decreto municipal de tombamento e integra a Área de Preservação do Ambiente Cultural (Apac) do centro, uma região rica em edificações centenárias, algumas inclusive tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Adicionalmente, esta localidade está situada em uma área menos comercial do Rio, próxima à Pequena África, que é amplamente reconhecida como o berço da presença africana no Brasil e que, por sua vez, tem sido alvo de diversas iniciativas de restauração e valorização cultural.
Medidas Urgentes para a Restauração
Ao fundamentar a ação civil pública, a 1ª Promotoria de Justiça de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural da Capital do MPRJ argumentou que a prefeitura do Rio de Janeiro, como órgão público responsável pela fiscalização e conservação de bens tombados, não havia tomado providências eficazes para conter a degradação e a descaracterização do imóvel. Consequentemente, a Justiça acatou o pedido do MPRJ e estipulou medidas específicas para a recuperação do local. Entre as intervenções exigidas, destacam-se a retirada cuidadosa de elementos arquitetônicos originais da fachada que estão em risco de desprendimento, com o objetivo de armazená-los para eventual restauração ou replicação. Além disso, a decisão prevê a remoção da cobertura de fibrocimento e outros elementos construtivos em estado precário.
Portanto, a Justiça ordenou a instalação de proteção no topo da alvenaria para impedir infiltrações contínuas de água, bem como a adequação da fiação elétrica na fachada. As intervenções devem ser iniciadas dentro de 45 dias e concluídas em até 120 dias, sob pena de multa diária não inferior a R$ 10 mil em caso de descumprimento, o que demonstra a urgência e a seriedade da determinação judicial.
O Legado Imortal de Machado de Assis
Machado de Assis, autor de obras-primas como “Dom Casmurro”, “Quincas Borba” e “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, residiu neste endereço pouco antes de lançar “Ressurreição”, seu primeiro romance, em 1872. Conhecido também como “Bruxo do Cosme Velho”, Machado foi um polímata, atuando como jornalista, contista, cronista, romancista, poeta e teatrólogo. Não obstante, ele foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (ABL) e seu primeiro presidente, consolidando sua posição como um dos maiores ícones da literatura mundial.
No ajuizamento da ação, em setembro, o promotor Carlos Frederico Saturnino enfatizou à Agência Brasil que a conservação e restauração de bens tombados são cruciais para assegurar o legado cultural de uma nação. Ademais, Saturnino destacou dois pontos de “elementos extraordinários”: o valor histórico da edificação, com mais de 150 anos, para a área cultural em que se insere (uma Apac); e o fato de ter sido a casa onde Machado morou com sua esposa logo após o casamento. O promotor chegou a citar uma carta de 1869 na qual o escritor faz referência ao seu novo lar na Rua dos Andradas.
Em sua análise, Carlos Frederico Saturnino considera a vida e obra de Machado de Assis como o exemplar mais significativo e atemporal da expressão artística e cultural no Brasil. Ele afirma que “seu valor como precursor do romance realista, que se dedicou a desvendar a condição humana e as suas nuances psicológicas, é reconhecido mundialmente e o colocam lado a lado com ícones da literatura mundial”. Por conseguinte, o promotor ressalta que em qualquer país, “a memória da vida de escritores extraordinários, incluindo sua residência e local de trabalho, é preservada e objeto de visitação”, reforçando a importância da intervenção judicial.
A Posição da Administração Municipal
À época do ajuizamento da ação, o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), um órgão vinculado à prefeitura do Rio, informou à Agência Brasil que o imóvel em questão é de propriedade privada. O IRPH reiterou que “a responsabilidade pela manutenção e conservação é do proprietário, que já foi devidamente notificado e autuado ao longo dos anos para cumprir as exigências estabelecidas”. Contudo, a recente decisão judicial sublinha a responsabilidade compartilhada e a necessidade de ação efetiva para garantir a preservação do patrimônio histórico-cultural da cidade.