Um estudo recente, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), propõe uma abordagem inovadora para financiar as dívidas climáticas globais. A iniciativa sugere a implementação de impostos sobre grandes fortunas e corporações multinacionais, com o objetivo de gerar uma arrecadação anual de impressionantes US$ 582 bilhões. De acordo com a proposta, esses recursos seriam prioritariamente direcionados a nações de baixa renda e comunidades mais vulneráveis, visando mitigar os impactos das mudanças climáticas.
Quantificando a Dívida Climática: A Abordagem de Igualdade Per Capita
Intitulado “Operacionalizando a justiça climática: uma proposta para quantificar e reparar dívidas climáticas”, o estudo foi desenvolvido pelo pesquisador Rodrigo Fracalossi. Para fundamentar seus cálculos, Fracalossi emprega a metodologia da igualdade per capita (EPC). Esta abordagem meticulosa quantifica o excesso de emissões de cada país desde 1990, comparando-o com sua “cota justa” de carbono atmosférico. Em outras palavras, a EPC revela quais nações ultrapassaram significativamente seu limite ambiental.
Fracalossi explica que essa métrica visa traduzir em valores numéricos a noção de responsabilidade histórica pelas emissões. Desse modo, ela se torna uma ferramenta prática para operacionalizar o conceito de justiça climática, evidenciando quem utilizou uma parcela desproporcional do espaço atmosférico disponível. O pesquisador ainda acrescenta que os resultados obtidos por meio dessa análise demonstram que diversos países consumiram muito mais do que seus orçamentos de carbono permitiriam.
O Orçamento Global de Carbono e a Responsabilidade Nacional
Para manter o aquecimento global em um limite de 1,5 graus Celsius (ºC) acima dos níveis pré-industriais, os cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) estimam que o mundo pode emitir um total máximo de 2,79 trilhões de toneladas de CO₂. Contudo, as emissões acumuladas até o final de 1989 já somavam 1,43 trilhão de toneladas de CO₂. Consequentemente, o orçamento global de carbono remanescente a partir de 1990 era de apenas 1,36 trilhão de toneladas de CO₂.
Em seguida, o levantamento do Ipea revela dados alarmantes sobre a dívida climática de cada país. Os Estados Unidos, por exemplo, emergem como a nação com a maior dívida, estimada em aproximadamente US$ 47,9 trilhões, o que corresponde a um consumo de 326% do seu orçamento de carbono justo. O Brasil, por sua vez, ao considerar as emissões resultantes do desmatamento, já teria excedido 168% de seu limite estabelecido.
Propostas de Financiamento: Duas Estratégias-Chave
Para concretizar a reparação dessas dívidas climáticas, o estudo do Ipea articula duas medidas fiscais principais. Primeiramente, propõe-se um imposto anual de 2% sobre a fortuna de bilionários e milionários. Esta medida, segundo as projeções, teria o potencial de gerar até US$ 390 bilhões anuais em arrecadação. Além disso, a segunda proposta sugere a adoção global de um imposto corporativo mínimo de 15% sobre as grandes empresas multinacionais.
Conforme as diretrizes já discutidas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pelo G20, um grupo que reúne as 20 maiores economias do mundo, essa taxação corporativa poderia adicionar mais US$ 192 bilhões anuais à arrecadação. Fracalossi enfatiza que a transição climática exige um financiamento justo, o que implica cobrar mais daqueles que mais se beneficiaram e continuam a se beneficiar de modelos econômicos intensivos em carbono.
Destinação dos Recursos e o Papel Essencial do Estado
Os recursos arrecadados por meio dessas propostas seriam cruciais para financiar uma série de projetos de mitigação e adaptação climática. Por exemplo, eles poderiam ser investidos na expansão de energias renováveis, em iniciativas de reflorestamento, no desenvolvimento de infraestrutura resiliente às mudanças climáticas e na diversificação agrícola. Essas ações são vitais para construir um futuro mais sustentável.
Contudo, Fracalossi ressalta que mecanismos de mercado, como os créditos de carbono, embora importantes e úteis, não são suficientes para solucionar o problema por si só. O pesquisador argumenta veementemente que nem o combate às mudanças climáticas e, muito menos, a concretização da justiça climática, virão exclusivamente de mecanismos de mercado. Em sua análise, eles podem e devem ser utilizados, mas não resolverão a questão sem uma ação governamental robusta no sentido da redistribuição de recursos e da promoção de políticas públicas eficazes.



